Malvinas 01:
O Passado
Carlos A. Lungarzo
Na época das grandes viagens, os
aventureiros dos países com maior poder marítimo percorriam as águas menos
conhecidas em procura de terras para conquistar e colonizar, seja para extrair riquezas
naturais (especialmente ouro) ou para comerciar, seja para obter vantagens
estratégicas para os governos que os contratavam, seja por razões
circunstanciais. No caso das Malvinas, uma das razões dos conquistadores era
encontrar refúgio no estreito que separa as duas grandes ilhas, para se
proteger durante as grandes tempestades até encontrar condições para passar do
Atlântico ao Pacífico pelo Cabo de Hornos. Obviamente, distopias de
enriquecimento e de aumento de poder também estimularam essas aventuras. No
caso das Malvinas, porém, não havia nenhuma riqueza que não fosse vento e gelo.
O clima glacial e tormentoso das
ilhas tornava-as quase inúteis para colonização (ainda hoje têm pouco mais de
3.000 habitantes), e fez com que seja um dos poucos lugares do planeta onde
nenhum dos navegantes encontrou rastos de população nativa.
Mudança de Mãos
Embora a Argentina e o UK se
proclamem soberanos das Ilhas, a maneira em que elas foram descobertas incluiu
numerosas “mãos”. Em 1600 foi percebida, quiçá pela primeira vez, pelos holandeses,
que lhe deram o nome do capitão do navio (Ilhas Sebald). Em 1690, foi redescoberta pelos ingleses, que escolheram
um nome que hoje é o oficial: Ilhas Falkland. Em 1764 chegaram os franceses,
que fundaram a primeira vila, um acampamento militar de tamanho não conhecido,
porém pequeno.
Em 1765 arribaram outros marujos
ingleses, que nem perceberam que havia um pequeno acampamento francês e, se
achando os primeiros, colocaram as ilhas sob a soberania do Rei da Inglaterra e
construíram outra vila. Mas, nessa época, estas confusões ainda não davam tanto
problema. Parece que os franceses tampouco perceberam a cidadela inglesa e
venderam as ilhas à Espanha em 1767. Espanha colocou as ilhas (que os franceses
tinham chamado Malouines em homenagem
á cidade de Saint Malo) sob o governo
da cidade de Buenos Aires, centro do Vice-reinado do Rio da Prata.
Em 1770, os espanhóis expulsaram os
ingleses que ficaram na construção levantada durante a segunda expedição
britânica, o que aparentemente colocou ambos os países numa situação próxima da
guerra, mas esta foi evitada por um tratado de paz que, além disso, permitiu
que os britânicos voltassem às ilhas.
O governador designado pela Espanha
abandonou a ilha em 1806 e deixou uma placa onde declarava que as Ilhas (já então
chamadas Malvinas) eram de soberania
espanhola. Em 1811, o governo de Buenos Aires evacuou os poucos moradores que
tinham ficado.
Em 1816, a Argentina se proclamou
independente da Espanha e adotou o nome de Províncias
Unidas da América do Sul. A partir dessa data, as negociações sobre as
Malvinas serão assumidas pela própria Argentina e nunca mais pela Espanha.
Um caso curioso é o do marinho David
Jewett (1772-1842), um americano nascido em Connecticut, que se ofereceu como
“voluntário” à Marinha Argentina, na qual ganhou em 1820 o título de Coronel. Jewett
ancorou nas Malvinas em outubro de 1820, onde encontrou um grupo de uns 50
marujos ingleses, e no dia 6 de novembro proclamou
a soberania argentina sobre as ilhas que, segundo ele, “pertenciam a esse país
por direito natural (sic)”.
Um fato paradoxal: Jewett deixou
tempo depois sua tarefa junto à Argentina e se colocou ao serviço do Brasil, para
o qual lutou na guerra Cisplatina (1825 a 1828) contra seus antigos patrões. Morreu
no Rio de Janeiro.
A dúvida sobre quem era o soberano
daquelas ilhas fez com que os franceses pedissem autorização a ambos os
governos, o da Argentina e o da Inglaterra, para instalar um assentamento em
1828. A pequena população foi governada pelo mercador de origem francesa, Louis
Maria Vernet, que explorou a pescaria da região com o serviço de alguns
trabalhadores argentinos e estrangeiros. Vernet tentou eliminar a concorrência
americana, sequestrando barcos pesqueiros dos EEUU.
Em 1831, a marinha americana enviou
às Malvinas o navio Lexington, ao
comando de Silas Duncan, para parar os ataques contra suas embarcações
pesqueiras. Duncan obrigou o francês e seus funcionários a sair das ilhas, e
finalmente declarou que as Malvinas ficavam independentes de qualquer governo, apesar de que na
época não existiam organizações internacionais que pudessem assumir tais
decisões. Os outros países nem tomaram conhecimento da declaração de Duncan.
Em Novembro de 1832, a Argentina
enviou o comandante Juan Esteban Mestivier para tomar o controle das ilhas em
nome do país e fundar uma prisão, mas ele se deu mal: acabou assassinado por
seus subordinados. Foi imediatamente substituído pelo capitão José María
Pinedo, do qual se supõe que estava no comando de um pequeno grupo de
mercenários, muito deles ingleses.
Em janeiro de 1833, os britânicos
apareceram mais uma vez, e obrigaram Pinedo a abandonar sua guarnição junto com
seus mercenários. Os relatos do episódio são confusos, mas os únicos argentinos
que são vagamente mencionados são os contratados por Vernet. Há quase absoluta
certeza que não existia uma massa crítica nacional cujos direitos pudessem ser
violados pela expulsão. (Vide este
artigo escrito por um argentino.)
A partir de 1833, GB manteve presença
permanente nas Malvinas, e em 1840 declarou oficial a colonização.
Histórico
Resumido
Em 1833, o governador de Buenos
Aires, Juan Manuel de Rosas, ídolo indiscutível dos nacionalistas católicos
argentinos, apresentou várias reclamações contra os ingleses, argumentando a
clareza dos direitos argentinos sobre Malvinas. Por sinal, esse nacionalismo
não impediu a Rosas, cinco anos depois, propor aos financistas ingleses Baring Brothers a renúncia à soberania
argentina sobre as ilhas em troca do pagamento da dívida que Argentina
arrastava desde a guerra com Brasil (Vide).
Este é um fato conhecido na história da região, mas raramente aparece em textos
argentinos.
Os interesses dos ingleses nas ilhas
nem sempre foram muito precisos e, em vários momentos, se percebe certa
indiferença pela colônia. Na primeira época, o interesse principal parece ter
sido o uso do território como base para os navios que usavam o confortável
estreito entre as duas grandes ilhas para esperar que passassem as furiosas
tormentas da região. Muito depois, no século 20, percebeu-se que as Malvinas
poderiam ser úteis no caso de guerra, como aconteceu numa batalha da GM 1
(Batalha de Falklands) e outra da GM
2 (Batalha do Graf Spee), ambas contra os alemães.
Tampouco parece que as ilhas tenham sido um enclave demográfico.
Hoje, entre as 14 colônias britânicas do planeta, a região das Malvinas é a que
possui menor densidade: 1 habitante cada 5 Km quadrados. Inclusive, sua
evolução demográfica é irregular.
Censo
|
Habitantes
|
1851
|
287
|
1911
|
2272
|
1921
|
2094
|
1931
|
2392
|
1980
|
1813
|
2006
|
2955
|
2008
|
3140
|
Esta lista não inclui nem pessoal militar nem suas famílias, mas sim os
funcionários civis (motoristas, cozinheiros, escriturários, etc.) que trabalham
com militares.
Esta última observação é importante, porque algumas
fontes latino-americanas difundem a “informação” de que os habitantes das ilhas
seriam em grande parte pessoal militar. Qualquer comparação com Guantánamo, por
exemplo, é inadequada. Aliás, segundo o censo de 2006 (vide),
os funcionários vinculados aos militares eram só 477, e muitos deles estavam
nas ilhas de maneira temporária.
Da estimação mais recente (2008),
cerca de 70% são de origem britânica; a origem dos restantes se distribui entre
norueguesa, francesa, chilena ou de outras colônias do UK. Apenas cinco habitantes são argentinos, e um deles é a viúva de um
britânico.
Estes dados, que podem ser encontrados
em estatísticas diversas, mostram algo um pouco diferente do que habitualmente
se acredita. Algumas pessoas da América Latina, que apoiam as reclamações
argentinas no caso Malvinas, acreditam que os ingleses tentaram construir um
enclave britânico ou europeu na Ilha, para uma possível infiltração na
argentina. Entretanto, desde 1911 (ou seja, durante quase 100 anos), o número
de habitantes não se duplicou. Analogias com Argélia, África do Sul ou outras
não parecem muito corretas.
O crescimento de 62% entre 1980 e 2006 não é
exagerado para uma massa demográfica minúscula. Aliás, é claro que desde a ação
militar argentina em 1982, GB se sentiu insegura e reforçou sua população,
acrescentando também pessoal civil de apoio aos militares.
O militarismo, de qualquer cor e
ideologia, seja de países pobres ou ricos, de democracias ou ditaduras, está
sempre baseado na coerção e o terror. O que pode variar de um país a outro é a intensidade
dessa coerção. Os militares ingleses, como quaisquer outros, reforçaram a
estrutura militar das ilhas após 1982, como uma maneira de “dissuadir” os
argentinos de tentar uma nova aventura militar. A ação de 1982 foi um fato
absolutamente inesperado, que pegou por surpresa até os serviços de
inteligência mais desenvolvidos e, embora é possível que a aventura não se
repita, é claro que os falklanders não desejam novas surpresas.
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