quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

MALVINAS 04: A SITUAÇÃO ATUAL




Malvinas 04:

A Situação Atual

Carlos A. Lungarzo

Após o fim da guerra, pareceu surgir na nova geração argentina certo senso de reflexão sobre os dramas que podiam decorrer de uma reclamação obsessiva, repetida pelos governos cada vez que precisavam estimular o fanatismo do povo e fazer esquecer as iniquidades dos políticos. Em muitas pessoas (talvez a maioria) predominava o ressentimento contra a GB martelado durante gerações, com base na suposta superioridade “espiritual” da Argentina, o país mais católico e o terceiro país mais branco da terra (os militares e outros fascistas nunca disseram quais eram o primeiro e o segundo). Mas, parecia haver, nas décadas de 80 e 90, uma minoria relativamente grande que entendia o descabido da reivindicação.

O Sentimento Popular


Os jovens que tinham participado na guerra podiam perceber na própria carne os estragos de uma cruzada que tinha sido glamourizada durante mais de um século porque ninguém tinha vivido uma batalha real. Alguns dos prisioneiros dos ingleses entenderam que, apesar do militarismo britânico, que continuava celebrando seus rituais e shows patrióticos, os subordinados e os próprios capturados eram tratados segundo as regras internacionais em tempo de guerra.

Talvez pelo extremo isolacionismo da Argentina, a maioria da população não podia perceber que a reclamação sobre Malvinas soava bizarra à maior parte dos que conheciam o problema, e que apenas governos populistas a agitavam como método para uma fraternidade universal entre caudilhos. Era frequente que os europeus, mesmo tentando ser solidários e respeitosos com o que a maioria dos argentinos sentia, colocassem timidamente suas dúvidas. Uma frase como esta  era bastante comum:

-Mas, que aconteceria se a nós, europeus, exigíssemos as fronteiras anteriores à 2a Guerra?

Os mexicanos, que tinham sido depredados pela expansão americana, eram mais tolerantes com a obsessão dos nacionalistas argentinos, mas, mesmo assim, não entendiam um empenho tão ilimitado. Um colega meu na Universidade de Michoacán (centro de México) dizia a um colega argentino:

- Nosso país perdeu muito mais com a anexação da Califórnia do que vocês perderam com as Malvinas. Mas, tu achas que faz algum sentido pedir que nos devolvam esse estado?

A crueldade da ditadura militar com os recrutas e até com voluntários que vieram do exterior para ajudar na “recuperação” fizeram refletir a algumas pessoas mais jovens. Além disso, a maior proximidade com o resto das Américas plantou dúvidas em muitos.

Todavia, não sabemos como evoluiu o sentimento de pós-guerra na sociedade. No governo seguinte (Alfonsín, 1983-1989) foram permitidas algumas pesquisas de opinião de agências estrangeiras sobre assuntos gerais. Em 1984, foi feito um plebiscito para assinar a paz com o Chile e, de maneira surpreendente, o SIM ganhou por mais de 80%. Parecia que o profundo sentimento belicista tinha sido derrubado pelas sequelas da Guerra. Já o governo semifascista de Menem e o governo confessional de De La Rua preferiram evitar qualquer pesquisa.

A família Kirchner, durante cujo período foi possível reabrir os julgamentos aos militares (embora não seja unânime a opinião dos defensores de DH sobre o papel do governo nesse aspecto) teve várias dificuldades com a agência oficial de estatística (INDEC). Portanto, é difícil saber como está a percepção global da população.

As famílias atingidas pela guerra são poucas, enquanto o velho conservadorismo parece ter recuperado alguma popularidade, já que o neoliberalismo é apenas uma versão mais parasitária que o antigo fascismo nacional.

Parece que o sentimento de recuperar as Malvinas foi esquecido enquanto duraram as feridas, e na medida em que a culpa da derrota era atribuída aos mesmos militares. Mas é possível que esse sentimento ficasse latente e eclodisse com intensidade ainda não bem determinada entre 2008 e 2010, em função de novas necessidades de coesão popular, à medida o boom econômico perdeu brilho.

Todavia, em janeiro de 2012 foi feita uma mini pesquisa sobre o caso Malvinas. (vide aqui), com 1000 adultos da cidade de Buenos Aires e região.

Acham irrelevante o problema das Malvinas
15%
Acham relevante, mas deve ser resolvido pacificamente
74%
Acham relevante e justifica uma nova guerra
3%

O 3% de pessoas que apoiam a guerra é um progresso em face da imensa maioria que aplaudiu a guerra de 1982, embora não saibamos qual era a proporção dos que eram favoráveis à guerra, antes desta ser deflagrada. Também é sugestiva a proporção de 15% que “não estão nem aí” com as Malvinas. Em épocas anteriores à guerra, esse número devia ser muito pequeno, sem dúvida menor que 2%.

Uma enquete britânica mostra os seguintes resultados entre 20 e 22 de janeiro de 2012. Tamanho da amostra: 2052 adultos. (Vide)

Duvido da capacidade militar da GB para derrotar uma nova invasão argentina
Concordo
37%
Não concordo
34%
Não sei
29%



A briga pelas ilhas é mais por petróleo que por direitos humanos
Concordo
56%
Não Concordo
16%
Não sei
30%



O governo deveria ocupar-se mais com o povo e menos com as ilhas
Concordo
49%
Não Concordo
33%
Não sei
18%



O futuro das Ilhas deve ser determinado só pelos ilhéus
Concordo
76%
Não Concordo
7%
Não sei
18%



Cameron está fazendo onda com as Ilhas para distrair o povo da crise
Concordo
43%
Não Concordo
32%
Não sei
25%



A Estratégia Argentina


Se a situação melhorou um pouco na Argentina, não pode negar-se a presença desse 74% que, mesmo a maioria por métodos pacíficos, ainda quer recobrar o que até o imperialista Reagan chamou ironicamente, “um pedaço de terra gelada no fim do mundo” (that little ice-cold bunch of land down there), fazendo sarcasmo de seus amigos Thatcher e Galtieri. Isto mostra que existe uma massa de manobra que, tratada sutilmente, pode render frutos importantes a uma política demagógica.

A política do governo argentino é bastante sutil. Em 1982, os países latinoamericanos que apoiaram a Argentina com mais força foram os que tinham ambições territoriais sobre seus vizinhos, como Guatemala, Venezuela e Peru. No caso do Brasil, o apoio foi moderado, Atualmente, a Argentina conta com alianças mais fortes.

Brasil precisa sócios para seu projeto militarista de “construir um bloco de boa vontade” na América do Sul e, apesar do tradicional antagonismo com a Argentina, esta deve estar grata pela ajuda do gigante da América do Sul num aspecto tão sensível. Uma prova forte disto é que os nacionalistas argentinos e a direita conservadora (salvo uma minoria) pressionam o governo para “prestar mais atenção ao Brasil”.

O governo argentino sabe que, num país ávido de efemérides, onde se celebra até o dia do criador da bandeira (no Brasil, quem lembra Teixeira Mendes, Lemos ou Pereira Reis?), o povo irá ficando galvanizado com a proximidade do 30º aniversário da invasão. Prudentemente, não enaltece a façanha militar, e apela fortemente à paz. Até transforma em slogan o verso de alguém tão diferente como John Lennon.

Os membros do ALBA também ajudam. Evo Morales é o único real líder de esquerda da região, mas nada pode fazer. Chávez promete estrondosa ajuda militar, como prometeu à Bolívia e ao Equador, o que não é levado a sério, mas obriga aos ingleses a avaliar qual é o ponto certo entre realidade e blefe.

Militarização Britânica


A nova técnica é o fantasma de militarização britânica. O processo começou em 2010, quando a tensão foi aumentada pela instalação de uma plataforma britânica de petróleo nas ilhas. O governo argentino proibiu o acesso por águas argentinas, uma forma de bloqueio contrária aos princípios da ONU, mas isto não assustou Buenos Aires. A ONU nunca conseguiu eliminar o bloqueio de Cuba e hoje nem consegue algo tão vital como parar o banho de sangue da brutal ditadura síria.

Esse bloqueio foi se acentuando, ao mesmo tempo em que a Argentina enfatizava que a causa das Malvinas era global (sic). O Mercosul aprovou recentemente uma medida ainda mais dura, proibindo a entrada em seus portos de barcos com bandeira das Falklands. Sem dúvida, poucos países cumprirão isso, se houve algum, mas a decisão serve para energizar o escândalo.

A versão da militarização das Malvinas se tornou forte no final de 2011, quando a GB começou manobras militares na região. De fato, a proteção militar das ilhas era quase inexistente até 1982. A partir dessa data, foi fortemente reforçada, mas, nos últimos anos, por causa da relativa tranquilidade, os britânicos tinham começado a suavizar o aparato bélico, que ficou num ponto intermédio.

Atualmente, a situação piorou com a anunciada presença do “destemido” destrutor tipo 45, que substitui em todas as bases marítimas britânicas o muito menos eficiente tipo 42. Em realidade, desde 1982, a GB contou quase sempre com a presença de um destrutor ou uma fragata na dotação defensiva das ilhas.

Nos últimos anos, os navios apostados nas Malvinas foram o Cardiff, depois o Southampton (agosto 2005), e depois os de tipo 42, Edinburg (2006), York (fevereiro 2010), a fragata tipo 23 Portland (abril 2010), o destrutor tipo 42 Gloucester (agosto 2010), York (abril 2011), e a fragata 23 Montrose (Outubro 2011).

As alterações navais têm sido frequentes, mas desta vez a Argentina e seus aliados manifestaram grande preocupação pela promessa de enviar o poderoso destrutor 45 Dauntless, cujo deslocamento é até 120% maior que o de alguns anteriores. Apesar das afirmações da GB de que a substituição é de rotina, sem dúvida a crescente tensão na região inspirou o envio de destrutores tipo D, mesmo que, por outro lado, a substituição esteja sendo feita em todos os postos britânicos do planeta, em obediência aos lobbies de fabricantes de armas e afins.

Na GB muitos acham que o país não teria condições de reverter a situação se as ilhas fossem novamente invadidas. O caráter democrático do governo argentino e o apoio nominal de outros países da região legitimariam ações que a ditadura de 1982 não pôde assumir.

A GB tem poucas alternativas. Uma delas seria render soberania, o que nunca passou pela cabeça dos chauvinistas tories. Aliás, a Argentina afirma que só se pronunciará sobre os ilhéus após reconhecida sua soberania, o que tornou impossível, no passado, a séria proposta dos trabalhistas. Outra opção igualmente inviável no atual cenário (mas que talvez seja a solução mais legítima no futuro) é confiar as Ilhas e seus habitantes à proteção da ONU, descartando toda soberania externa.

Finalmente, algo fisicamente possível, mas que não seria aceito pelos ilhéus, poderia ser a reimplantação dos 3000 habitantes em alguma região da Escócia com clima e condições semelhantes às das Falklands. Se nenhuma destas possibilidades for viável, a única opção britânica e reforçar suas defensas para evitar um ataque, mesmo se este tiver uma probabilidade muito pequena de se produzir.

Se os atores deste conflito pensam como os pacifistas, que toda ação militar, mesmo protetora, é perversa e inútil, a Argentina deveria fazer uma proposta mais radical, sugerindo a desmilitarização regional. É óbvio que os argentinos e os brasileiros correm menos risco de qualquer ataque que os falklanders. Aliás, a GB não se aproximou do Continente nem um momento durante os 74 dias da guerra.

Por enquanto, não há indícios concretos de que a GB esteja provocando um confronto e, por outro lado, essa nunca foi sua política na região. Os membros da OEA têm virado extremamente sensíveis e muito especializados em análise de linguagem, e encontram expressões provocativas em todos os discursos, comprimentos e mensagens.

O príncipe William não é mais que um playboy como seus colaterais e ancestrais, que realizam alguma vez em sua vida o ritual militar malvinense, tão caro a um sistema obsoleto o custoso como a monarquia, mas que, no fundo, é puramente simbólico. Sua presença nas ilhas é muito menos perigosa que a do menos habilidoso de seus seguranças.

Quanto à ameaça nuclear mencionada pelo chanceler argentino, pode ser real, mas o diplomata não apresentou nenhuma prova. A tática de aumentar as atenções e provocar a histeria regional parece estar funcionando bem para a Casa Rosada, pois há interesse em seus argutos vizinhos em acompanha-la. Entretanto, qualquer erro neste perigoso jogo de provocações pode custar a vida de centenas e soldados e civis, como já aconteceu.

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