Malvinas 04:
A Situação Atual
Carlos A. Lungarzo
Após o fim da guerra, pareceu surgir na
nova geração argentina certo senso de reflexão sobre os dramas que podiam
decorrer de uma reclamação obsessiva, repetida pelos governos cada vez que
precisavam estimular o fanatismo do povo e fazer esquecer as iniquidades dos
políticos. Em muitas pessoas (talvez a maioria) predominava o ressentimento contra
a GB martelado durante gerações, com base na suposta superioridade “espiritual”
da Argentina, o país mais católico e o terceiro país mais branco da terra (os
militares e outros fascistas nunca disseram quais eram o primeiro e o segundo).
Mas, parecia haver, nas décadas de 80 e 90, uma minoria relativamente grande
que entendia o descabido da reivindicação.
O Sentimento Popular
Os jovens que tinham participado na
guerra podiam perceber na própria carne os estragos de uma cruzada que tinha
sido glamourizada durante mais de um século porque ninguém tinha vivido uma batalha
real. Alguns dos prisioneiros dos ingleses entenderam que, apesar do
militarismo britânico, que continuava celebrando seus rituais e shows
patrióticos, os subordinados e os próprios capturados eram tratados segundo as
regras internacionais em tempo de guerra.
Talvez pelo extremo isolacionismo da
Argentina, a maioria da população não podia perceber que a reclamação sobre
Malvinas soava bizarra à maior parte dos que conheciam o problema, e que apenas
governos populistas a agitavam como método para uma fraternidade universal
entre caudilhos. Era frequente que os europeus, mesmo tentando ser solidários e
respeitosos com o que a maioria dos argentinos sentia, colocassem timidamente
suas dúvidas. Uma frase como esta era
bastante comum:
-Mas, que aconteceria se a nós, europeus,
exigíssemos as fronteiras anteriores à 2a Guerra?
Os mexicanos, que tinham sido
depredados pela expansão americana, eram mais tolerantes com a obsessão dos
nacionalistas argentinos, mas, mesmo assim, não entendiam um empenho tão
ilimitado. Um colega meu na Universidade de Michoacán (centro de México) dizia
a um colega argentino:
- Nosso país perdeu muito mais com a
anexação da Califórnia do que vocês perderam com as Malvinas. Mas, tu achas que
faz algum sentido pedir que nos devolvam esse estado?
A crueldade da ditadura militar com
os recrutas e até com voluntários que vieram do exterior para ajudar na
“recuperação” fizeram refletir a algumas pessoas mais jovens. Além disso, a
maior proximidade com o resto das Américas plantou dúvidas em muitos.
Todavia, não sabemos como evoluiu o
sentimento de pós-guerra na sociedade. No governo seguinte (Alfonsín,
1983-1989) foram permitidas algumas pesquisas de opinião de agências
estrangeiras sobre assuntos gerais. Em 1984, foi feito um plebiscito para
assinar a paz com o Chile e, de maneira surpreendente, o SIM ganhou por mais de
80%. Parecia que o profundo sentimento belicista tinha sido derrubado pelas
sequelas da Guerra. Já o governo semifascista de Menem e o governo confessional
de De La Rua preferiram evitar qualquer pesquisa.
A família Kirchner, durante cujo
período foi possível reabrir os julgamentos aos militares (embora não seja
unânime a opinião dos defensores de DH sobre o papel do governo nesse aspecto) teve
várias dificuldades com a agência oficial de estatística (INDEC). Portanto, é
difícil saber como está a percepção global da população.
As famílias atingidas pela guerra são
poucas, enquanto o velho conservadorismo parece ter recuperado alguma
popularidade, já que o neoliberalismo é apenas uma versão mais parasitária que
o antigo fascismo nacional.
Parece que o sentimento de recuperar
as Malvinas foi esquecido enquanto duraram as feridas, e na medida em que a
culpa da derrota era atribuída aos mesmos militares. Mas é possível que esse
sentimento ficasse latente e eclodisse com intensidade ainda não bem determinada
entre 2008 e 2010, em função de novas necessidades de coesão popular, à medida
o boom econômico perdeu brilho.
Todavia, em janeiro de 2012 foi feita uma mini pesquisa
sobre o caso Malvinas. (vide aqui),
com 1000 adultos da cidade de Buenos Aires e região.
Acham
irrelevante o problema das Malvinas
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15%
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Acham
relevante, mas deve ser resolvido pacificamente
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74%
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Acham
relevante e justifica uma nova guerra
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3%
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O 3% de pessoas que apoiam a guerra é um progresso em face da imensa
maioria que aplaudiu a guerra de 1982, embora não saibamos qual era a proporção
dos que eram favoráveis à guerra, antes
desta ser deflagrada. Também é sugestiva a proporção de 15% que “não estão nem aí” com as
Malvinas. Em épocas anteriores à guerra, esse número devia ser muito pequeno,
sem dúvida menor que 2%.
Uma enquete britânica
mostra os seguintes resultados entre 20 e 22 de janeiro de 2012. Tamanho
da amostra:
2052 adultos. (Vide)
Duvido da capacidade militar da GB
para derrotar uma nova invasão argentina
|
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Concordo
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37%
|
Não
concordo
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34%
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Não sei
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29%
|
A briga pelas ilhas é mais por
petróleo que por direitos humanos
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Concordo
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56%
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Não
Concordo
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16%
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Não sei
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30%
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O governo deveria ocupar-se mais com
o povo e menos com as ilhas
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Concordo
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49%
|
Não
Concordo
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33%
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Não sei
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18%
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O futuro das Ilhas deve ser
determinado só pelos ilhéus
|
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Concordo
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76%
|
Não
Concordo
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7%
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Não sei
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18%
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Cameron está fazendo onda com as
Ilhas para distrair o povo da crise
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Concordo
|
43%
|
Não
Concordo
|
32%
|
Não sei
|
25%
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A Estratégia Argentina
Se a situação melhorou um pouco na
Argentina, não pode negar-se a presença desse 74% que, mesmo a maioria por
métodos pacíficos, ainda quer recobrar o que até o imperialista Reagan chamou
ironicamente, “um pedaço de terra gelada no fim do mundo” (that
little ice-cold bunch of land down there), fazendo sarcasmo de seus amigos
Thatcher e Galtieri. Isto mostra que existe uma massa de manobra que, tratada
sutilmente, pode render frutos importantes a uma política demagógica.
A política do governo argentino é
bastante sutil. Em 1982, os países latinoamericanos que apoiaram a Argentina
com mais força foram os que tinham ambições territoriais sobre seus vizinhos,
como Guatemala, Venezuela e Peru. No caso do Brasil, o apoio foi moderado,
Atualmente, a Argentina conta com alianças mais fortes.
Brasil precisa sócios para seu
projeto militarista de “construir um bloco de boa vontade” na América do Sul e,
apesar do tradicional antagonismo com a Argentina, esta deve estar grata pela
ajuda do gigante da América do Sul num aspecto tão sensível. Uma prova forte
disto é que os nacionalistas argentinos e a direita conservadora (salvo uma
minoria) pressionam o governo para “prestar mais atenção ao Brasil”.
O governo argentino sabe que, num
país ávido de efemérides, onde se celebra até o dia do criador da bandeira (no
Brasil, quem lembra Teixeira Mendes, Lemos ou Pereira Reis?), o povo irá
ficando galvanizado com a proximidade do 30º aniversário da invasão.
Prudentemente, não enaltece a façanha militar, e apela fortemente à paz. Até transforma
em slogan o verso de alguém tão
diferente como John Lennon.
Os membros do ALBA também ajudam. Evo
Morales é o único real líder de esquerda da região, mas nada pode fazer. Chávez
promete estrondosa ajuda militar, como prometeu à Bolívia e ao Equador, o que
não é levado a sério, mas obriga aos ingleses a avaliar qual é o ponto certo
entre realidade e blefe.
Militarização Britânica
A nova técnica é o fantasma de
militarização britânica. O processo começou em 2010, quando a tensão foi
aumentada pela instalação de uma plataforma britânica de petróleo nas ilhas. O
governo argentino proibiu o acesso por águas argentinas, uma forma de bloqueio contrária
aos princípios da ONU, mas isto não assustou Buenos Aires. A ONU nunca
conseguiu eliminar o bloqueio de Cuba e hoje nem consegue algo tão vital como
parar o banho de sangue da brutal ditadura síria.
Esse bloqueio foi se acentuando, ao
mesmo tempo em que a Argentina enfatizava que a causa das Malvinas era global (sic). O Mercosul aprovou
recentemente uma medida ainda mais dura, proibindo a entrada em seus portos de
barcos com bandeira das Falklands.
Sem dúvida, poucos países cumprirão isso, se houve algum, mas a decisão serve
para energizar o escândalo.
A versão da militarização das
Malvinas se tornou forte no final de 2011, quando a GB começou manobras
militares na região. De fato, a proteção militar das ilhas era quase
inexistente até 1982. A partir dessa data, foi fortemente reforçada, mas, nos
últimos anos, por causa da relativa tranquilidade, os britânicos tinham começado
a suavizar o aparato bélico, que ficou num ponto intermédio.
Atualmente, a situação piorou com a anunciada
presença do “destemido” destrutor tipo 45, que substitui em todas as bases
marítimas britânicas o muito menos eficiente tipo 42. Em realidade, desde 1982,
a GB contou quase sempre com a presença de um destrutor ou uma fragata na
dotação defensiva das ilhas.
Nos últimos anos, os navios apostados
nas Malvinas foram o Cardiff, depois
o Southampton (agosto 2005), e depois
os de tipo 42, Edinburg (2006), York (fevereiro 2010), a fragata tipo 23
Portland (abril 2010), o destrutor
tipo 42 Gloucester (agosto 2010), York (abril 2011), e a fragata 23 Montrose (Outubro 2011).
As alterações navais têm sido
frequentes, mas desta vez a Argentina e seus aliados manifestaram grande
preocupação pela promessa de enviar o poderoso destrutor 45 Dauntless, cujo deslocamento é até 120%
maior que o de alguns anteriores. Apesar das afirmações da GB de que a
substituição é de rotina, sem dúvida a crescente tensão na região inspirou o
envio de destrutores tipo D, mesmo que, por outro lado, a substituição esteja
sendo feita em todos os postos britânicos do planeta, em obediência aos lobbies de fabricantes de armas e afins.
Na GB muitos acham que o país não
teria condições de reverter a situação se as ilhas fossem novamente invadidas.
O caráter democrático do governo argentino e o apoio nominal de outros países
da região legitimariam ações que a ditadura de 1982 não pôde assumir.
A GB tem poucas alternativas. Uma delas
seria render soberania, o que nunca passou pela cabeça dos chauvinistas tories. Aliás, a Argentina afirma que só
se pronunciará sobre os ilhéus após reconhecida sua
soberania, o que tornou impossível, no passado, a séria proposta dos
trabalhistas. Outra opção igualmente inviável no atual cenário (mas que talvez
seja a solução mais legítima no futuro) é confiar as Ilhas e seus habitantes à
proteção da ONU, descartando toda soberania externa.
Finalmente, algo fisicamente
possível, mas que não seria aceito pelos ilhéus, poderia ser a reimplantação
dos 3000 habitantes em alguma região da Escócia com clima e condições
semelhantes às das Falklands. Se
nenhuma destas possibilidades for viável, a única opção britânica e reforçar suas
defensas para evitar um ataque, mesmo se este tiver uma probabilidade muito
pequena de se produzir.
Se os atores deste conflito pensam
como os pacifistas, que toda ação militar, mesmo protetora, é perversa e
inútil, a Argentina deveria fazer uma proposta mais radical, sugerindo a
desmilitarização regional. É óbvio que os argentinos e os brasileiros correm
menos risco de qualquer ataque que os falklanders.
Aliás, a GB não se aproximou do Continente nem um momento durante os 74 dias da
guerra.
Por enquanto, não há indícios
concretos de que a GB esteja provocando um confronto e, por outro lado, essa
nunca foi sua política na região. Os membros da OEA têm virado extremamente
sensíveis e muito especializados em análise de linguagem, e encontram
expressões provocativas em todos os discursos, comprimentos e mensagens.
O príncipe William não é mais que um playboy como seus colaterais e
ancestrais, que realizam alguma vez em sua vida o ritual militar malvinense,
tão caro a um sistema obsoleto o custoso como a monarquia, mas que, no fundo, é
puramente simbólico. Sua presença nas ilhas é muito menos perigosa que a do
menos habilidoso de seus seguranças.
Quanto à ameaça nuclear mencionada pelo
chanceler argentino, pode ser real, mas o diplomata não apresentou nenhuma
prova. A tática de aumentar as atenções e provocar a histeria regional parece
estar funcionando bem para a Casa Rosada, pois há interesse em seus argutos
vizinhos em acompanha-la. Entretanto, qualquer erro neste perigoso jogo de
provocações pode custar a vida de centenas e soldados e civis, como já
aconteceu.
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