Com a introdução da transgenia na agricultura, iniciou-se, ao mesmo tempo, uma polêmica discussão sobre a sua necessidade, seus riscos e suas vantagens. A melhoria na qualidade dos alimentos e o aumento da produtividade, como alternativa de combate à fome a que 800 milhões de pessoas no mundo estão submetidas, vêm sendo publicamente mencionados para fundamentar a necessidade de utilização dos transgênicos na agricultura. Porém, na realidade, apenas 2% das pesquisas com transgenia estão relacionadas à melhoria na qualidade dos alimentos. A maioria das pesquisas (72%) ocupam-se com a tolerância das plantas a herbicidas. E, entre essas plantas pesquisadas, a soja é a mais atingida: 59% das pesquisas até agora realizadas. A soja tolerante a herbicida contém um gen que a protege diante dos efeitos prejudiciais do herbicida Roundup (marca comercial da Monsanto para o princípio ativo Gliphosate), o qual funciona como herbicida total (secante que elimina todas as plantas). Com isso, é possível que, durante o período de desenvolvimento vegetativo da soja, se possa utilizar o Roundup, que elimina somente os assim chamados inços, preservando a soja. Mas quem, de fato, se beneficia com a soja resistente a herbicida? Os consumidores? Os agricultores? Os governos? As empresas multinacionais? O meio ambiente?
Os três principais argumentos que têm sido apresentados para justificar a introdução da transgenia na produção de soja são os seguintes: 1) a soja tolerante a herbicida teria um impacto na produtividade; 2) as quantidades de herbicida seriam diminuídas e essa redução poderia gerar economia na aplicação do herbicida, podendo diminuir os custos de produção; 3) A diminuição na quantidade de herbicida aplicado reduziria a contaminação ambiental e melhoraria a qualidade dos alimentos.
O efeito na produtividade só pode ser demonstrado através da diminuição de prejuízos ocasionados pelos “inços”. De qualquer forma, a situação continua igual à da soja convencional, onde os “inços” também são controlados. O que muda, é apenas o método de controle, o que não tem nada a ver com o aumento da produtividade da cultura da soja. A soja Roundup Ready (nome comercial da Monsanto para a soja geneticamente modificada) não é, de forma alguma, mais produtiva do que a convencional, pois, com exceção da tolerância a herbicida, ela não possui nenhuma outra qualidade que possa diferenciá-la da convencional.
O argumento da diminuição no volume de herbicida aplicado também não confere com a propaganda que os fabricantes vêm fazendo. Um relatório do Centro de Política Ambiental e Científica do Noroeste Americano demonstra que a soja Roundup Ready carece até de mais herbicida do que a soja convencional. Os pesquisadores do referido centro de pesquisa estimam que, na próxima safra, serão utilizadas 9,08 toneladas a mais de herbicida em função da introdução da soja transgênica. A explicação para isso é a resistência que as plantas desenvolvem em relação aos herbicidas, de tal forma que os “inços” necessitam gradativamente mais herbicida para serem eliminados. O crescente aumento no consumo de herbicida também tem a ver com as decisões tomadas pelos agricultores com relação ao uso de herbicidas. Agricultores que se decidem pela soja transgênica seguramente compram herbicida, mesmo que até então não tenham feito uso, o que, logicamente, aumenta o número de consumidores de herbicidas. E, porque os agricultores acreditam que com a prometida economia com aplicação de herbicida possam compensar o custo da semente transgênica, muito mais cara que a convencional, os fornecedores faturam duas vezes: uma com a venda da semente e outra com a venda do herbicida, ambos produzidos pela mesma empresa. Quando se trata de custos de produção, um estudo da PUC do Paraná, realizado entre 1995 e 2001, mostra que os custos no caso da soja transgênica são, em média, 2,2% maiores que no caso da convencional. Se, no cálculo, ainda são considerados os melhores preços recebidos com a soja convencional, o estudo demonstra que os agricultores faturam 20% a mais com a soja convencional se comparada com a soja transgênica.
Se a diminuição da quantidade de herbicida não confere, também deixa de ter validade o terceiro argumento, referente a uma menor contaminação ambiental e melhoria da qualidade dos alimentos. Conforme estudo da EMPRAPA de Recursos Genéticos e Biotecnologia, os resíduos de Gliphosate na produção de soja Roundup Ready são maiores do que na produção convencional porque, no caso da soja convencional, o herbicida é utilizado na pré-emergência das plantas e, no caso da soja transgênica, é aplicado na pós-emergência, em cima das plantas, durante a sua fase vegetativa. Isso significa que, a princípio, nem consumidores, nem meio ambiente, nem a saúde da população e nem os governos são beneficiados com a soja transgênica.
Se os agricultores não produzem mais, nem melhor e nem mais barato com a soja Roundup Ready, porque há os que a utilizam? Em grandes extensões de terra, em que os proprietários necessitam pagar empregados para controlar os inços, pode ser que, a curto prazo e, em determinadas situações, seja mais viável produzir com a soja transgênica, para reduzir custos de produção. Mas, a longo prazo, pode ser constatado que a contaminação do solo e a destruição da diversidade comprometa a fertilidade e a conseqüente produtividade, ocasionando perdas, anteriormente não tão perceptíveis.
Na agricultura familiar, em pequenas propriedades, a soja transgênica seguramente não é viável, se há força de trabalho disponível e a capacidade de investimento é limitada. Em pequenas propriedades a receita também é reduzida e o ganho é exclusivo à remuneração do trabalho dos agricultores. Se, nesta situação, os custos com semente e herbicida ainda aumentam os custos de produção, isso significa que esse valor é descontado da parcela destinada à remuneração do trabalho dos agricultores, o que difere da situação dos grandes proprietários que possuem maiores receitas e, com isso, podem empregar outras pessoas para trabalhar para eles. Para os grandes proprietários, o trabalho é somente uma parte integrante dos custos de produção que pode ser constantemente substituída, enquanto que, para os pequenos agricultores, a remuneração de seu próprio trabalho corresponde ao total do ganho na atividade. Com relação a isso, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) também se pronunciou, alertando que a utilização de transgênicos, baseados em patenteamento das sementes, pode levar à monopolização do mercado agrícola e agravar a já crescente exclusão de pequenos agricultores. Contudo, é óbvio que muitos pequenos agricultores se consideram grandes proprietários e estão sob a influência dos fornecedores de sementes e herbicidas que, de fato, ganham com isso e apresentam seus produtos tão simplesmente como “alternativa aos problemas da agricultura”.
Por ANTONIO INÁCIO ANDRIOLI
Doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück - Alemanha
FONTE: http://www.espacoacademico.com.br/015/15andrioli.htm.
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