terça-feira, 8 de setembro de 2009

EXTRADIÇÃO DE BATTISTI FARIA O BRASIL RETROCEDER ÀS TREVAS MEDIEVAIS

Logo que iniciar a avaliação do pedido italiano de extradição de Cesare Battisti, nesta quarta-feira (9), o Supremo Tribunal Federal vai discutir se lhe cabe manifestar-se sobre um caso já decidido pelo governo, cumprindo o estabelecido na Lei do Refúgio. Em episódios anteriores, o STF considerou a decisão do governo definitiva.

Na condição de relator do Caso Medina, Gilmar Mendes já tentara em 2007 tirar o refúgio humanitário da esfera do Executivo, ao levantar a ridícula hipótese de que caberia ao Supremo definir se os crimes atribuídos a esse padre ligado à guerrilha colombiana eram políticos ou comuns.

Como ainda não presidia o STF, sua pretensão foi apreciada sem outras considerações que não as jurídicas. E ele perdeu por goleada: 9x1.

Fui o primeiro a lançar o alerta de que, confiando em seu novo status para reverter a derrota humilhante, reapresentaria a tese rechaçada. Foi o que afirmei no próprio título do meu artigo de 22/01/2009,
Gilmar Mendes quer que STF usurpe prerrogativa do Executivo:
"...Mendes colocará em discussão se o Executivo tem competência para decidir se foi comum ou político o crime cometido por um estrangeiro.

Ou seja, volta a bater numa surrada tese das viúvas da ditadura brasileira: a de que, ao responder ao fogo dos usurpadores do poder que impuseram o terrorismo de estado em nosso país e cometeram as piores atrocidades, os resistentes estariam cometendo crimes comuns.

Quer anular, com uma penada, o milenar direito de resistência à tirania, que desde a Grécia antiga inspira os melhores cidadãos a não se vergarem a déspotas.

...Incapaz de fazer valer sua tese no caso brasileiro, Mendes espertamente escolheu um que lhe parecia mais adequado para fincar uma cunha na nossa nobre tradição de acolher perseguidos políticos de todos os países e convicções: o de um ex-militante da ultra-esquerda italiana que combateu o compromisso histórico firmado entre a democracia-cristã e os comunistas.

...Espera-se que os ministros do Supremo rejeitem mais uma vez o casuísmo proposto por Mendes, evitando mergulhar o País numa crise institucional apenas porque um alto magistrado insiste em impor-lhes sua vontade e confrontar o Executivo."
Quando entrevistei Battisti na penitenciária da Papuda, em maio último, constatei que avaliávamos da mesma maneira a perseguição que lhe movem os direitistas de dois continentes.

Ele disse considerar-se apenas "um instrumento para a luta contra o que representou 1968 na história da humanidade”. Como “1968 ainda não acabou”, deixando sementes que continuam a inspirar projetos alternativos ao putrefato capitalismo globalizado que aí está, as forças reacionárias tentam desacreditar esse legado, fazendo dele, Battisti, um símbolo para caracterizar 1968 como "um movimento criminoso”.

A CONVENÇÃO DE GENEBRA
SERIA COLOCADA EM XEQUE

Na batalha a ser travada no STF, o que estará em jogo é a confirmação das conquistas da humanidade na área de direitos humanos ou o início de um perigoroso retrocesso legal, mais inquietante ainda porque acompanharia o retrocesso social que tem caracterizado as últimas décadas, depois da primavera de 1968.

Na primorosa Uma Breve Análise do Caso Battisti, o professor aposentado da Unicamp e membro da Anistia Internacional dos EUA Carlos Luzardo assim analisa o dano que seria causado por uma mudança no entendimento do Supremo:
"A invasão do STF no problema do asilo produziu alarme em vários organismos dedicados aos direitos humanos. O primeiro alarme foi disparado pelo próprio Conare - Conselho Nacional para Refugiados que reparou no perigo que significa que uma instituição básica da civilização, como o direito de asilo, esteja em mãos de um conclave de figuras com poder ilimitado.

O presidente do Conare, Luiz Paulo Barreto, teme que o Ministério de Justiça seja deslocado pelo STF como última instância de decisão. Segundo ele, o Tribunal não teria capacidade de avaliar quando existe perseguição e quem merece refúgio, já que isso implica conhecer aspectos políticos, étnicos, sociais, culturais e geográficos. Os juízes são alheios a este tipo de problemas, pois a função do judiciário é a de avaliar as questões formais de direito.

Obviamente, o funcionário não podia falar muito mais, mas outro perigo que muitas pessoas percebem é que o Judiciário, famoso por seu ranço classista, racista, católico, xenófobo e homófobo, não seria precisamente o lugar ideal para decidir pelo refúgio de africanos pobres e islâmicos, perseguidos por ser gays.

O Acnur - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados também reagiu. Num documento encaminhado ao STF, o representante Javier Lopez-Cifuentes manifestou sua preocupação pela possibilidade de que os governos que não conseguem extraditar suas futuras vítimas entrem com mandatos na justiça. Embora ele não pudesse ser tão explícito, sem dúvida se alarmou ao pensar que um direito humanitário se transformaria numa briga de bacharéis, sujeita a intrigas, interesses, trocas de favores, e outras mazelas que afetam o Judiciário da maioria dos países.

O documento adverte que a intromissão do STF pode fazer com que processos já fechados sejam abertos, tornando interminável a perseguição de refugiados. A situação atual poderia criar um precedente para a eliminação do refúgio/asilo, o que, sem dúvida, é um objetivo presente em todos os que se opõem ao asilo dado a Battisti, quaisquer que sejam suas razões para tal oposição.

Com efeito, se o STF aprovasse a extradição de Battisti, e o governo não tivesse coragem de desobedecer, teria sido totalmente deturpado o princípio básico da Convenção de Genebra de que, sob nenhum circunstância, refugiados/asilados podem ser objetos de extradição.

A abolição do refúgio/asilo implica fazer a humanidade retroceder até antes do Renascimento, ou talvez mais."

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