(...)Lamartine faz uma "salada" de signos em língua inglesa conhecidos no Brasil, inventa outros e os mistura a signos em língua portuguesa. Essa mistura se transforma num jogo rimado dentro do ritmo do fox-trot. A justaposição dos signos funciona como metáfora de sua visão crítica da cultura brasileira, na década de 30, pois nessa década, ensaia-se um movimento em favor da música popular brasileira que pode ser detectada em outras composições como Não tem tradução, Alô John e Good Bye.
Lamartine Babo, ao denominar a canção de "fox-charge", já nos adianta que sua intenção é satirizar e provocar o riso diante de um fenômeno que ele rejeita: a invasão da música americana na figura do fox-trot. Para atingir esse efeito, caricaturiza o estilo musical compondo um fox acompanhado de uma letra non sense, em forma de signos deslocados de seus eixos sintagmáticos/paradigmáticos. O texto verbal, enquanto signo em si mesmo, de acordo com a semiótica peirciana, é apenas um qualissigno, uma qualidade que só nos aparece em forma de sensação, a sensação de se estar ouvindo algo em inglês. Os signos, que somados deveriam formar um texto coerente, não representam objeto algum, são signos a procura de seus objetos. São remas, ou seja, signos representantes de objetos possíveis, que permitem a cada ouvinte/leitor inúmeras possibilidades de interpretação. O título já nos avisa que não devemos levar este "fox" a sério, pois a expressão "para inglês ver" significa algo que aparenta ser o que não é, simula e oculta uma realidade não conveniente". A letra da canção é só "para inglês ver". O jogo polissêmico dos significantes gera interpretações interessantes. Assim, "shell", por exemplo, na primeira estrofe, tanto pode ter como interpretante a Companhia de Petróleo Shell como o modal "shall", que combina sintaticamente com o pronome pessoal de primeira pessoa do singular "I". A rima "I love you" "com chuchu", que Noel vai repetir no seu samba Não tem tradução, aparece na segunda estrofe precedida pelos signos "abacaxi" e "whisky", representando respectivamente símbolos do nacional e do estrangeiro. Poucos versos, além de "I love you", são semanticamente decodificáveis, mas mesmo assim o texto produz sentido. Na primeira estrofe, encontramos o verso, já citado, "I shell", que pode ser semioticamente decodificado como índice de perda de identidade nacional, pois, na época em que esse samba foi composto, o petróleo ainda não "era nosso". Na segunda estrofe, encontramos "No estreet-flesh me estrepei...", sendo "street-flesh a pronúncia aportuguesada para straight flush, metonímia de jogo de pôquer (poker), também importado dos Estados Unidos. O verso em francês, "Mon Paris je t'aime" pode ser interpretado como índice de saudosismo da cultura humanista européia que estava sendo trocada pela cultura tecnicista americana. Essa sensação é reforçada pela ambigüidade do verso "Coisas horríveis lá do far west", na mesma estrofe. "Far west" pode ser lido como índice dos filmes que retratam o desbravamento do oeste americano e, ao mesmo tempo, como índice, portanto metonímia, dos Estados Unidos. Outros signos como, "Shell", "Standard Oil" e "Light and Power", aparecem como signos de colonização.(...)
FONTE: http://www.veramenezes.com/sambape.htm.
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