16/05/2008
‘A economia do Nordeste inventa a seca’
Em ciclo sobre o pensamento de Celso Furtado, o sociólogo Francisco de Oliveira, seu colega na Sudene, destaca a visão de desenvolvimento do Nordeste do estrategista, a quem nomeia de “Dom Quixote”
Marina Lemle
Celso Furtado era Dom Quixote e seus técnicos, o exército de Brancaleone. Assim o sociólogo Francisco de Oliveira define o mentor da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e seus assessores, entre os quais se inclui, no fim dos anos 1950, início dos 60.
“Celso era um visionário, e nós, 20 amalucados, reformistas fantasiados de revolucionários”, afirmou o professor titular aposentado da USP em palestra realizada em 15 de maio, no Rio. A empreitada dos técnicos desenvolvimentistas em prol do Nordeste terminou com o golpe militar, quando alguns, como Oliveira, foram presos, e outros, como Furtado, forçados ao exílio.
Na palestra “A questão Nordeste”, parte do Ciclo sobre o pensamento de Celso Furtado promovido pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Francisco de Oliveira destacou a importância do livro A Operação Nordeste, de 1959, “que vai da economia à política e depois volta para a economia”. “É a política que governa a economia”, atesta.
Para Oliveira, A Operação Nordeste é a obra prima de Celso Furtado, mais do que O mito do desenvolvimento econômico. Ele ressaltou que Furtado nunca foi autonomista, jamais tendo concebido o Nordeste como fora do Brasil, mas sim como uma região dentro do país.
“No livro, no capítulo 11, que fala do sistema econômico nordestino, ele inverte o tema da seca: ela não causa a fragilidade do Nordeste, mas sim a sua economia causa a seca, tornando-a uma tragédia dos pontos de vista econômico e social. A economia do Nordeste inventa a seca”, disse.
Segundo Oliveira, Furtado tinha uma compreensão dualista, em que a economia nordestina funcionava de forma arcaica e avançada ao mesmo tempo. Ele enalteceu o fato do economista ter sempre evitado bater de frente com os usineiros da zona do açúcar e com os latifundiários, não fazendo um programa de reforma agrária, o que incomodou a esquerda.
“Era uma tática para chegar mais longe”, defendeu. O sociólogo explicou que, para Furtado, a terra não era o ponto nodal da contradição, e seria infrutífero colocar a questão. A seu ver, o problema no agreste era o minifúndio, e não o latifúndio, e sua estratégia era integracionista.
De acordo com o Oliveira, até a criação da Sudene, a seca era um instrumento de reivindicação, trazendo a corrupção que devastava os recursos e tornando invisíveis os esforços para melhoramentos regionais. “Os políticos do Nordeste controlavam o congresso e emperravam os processos. O 1º plano diretor da Sudene levou três anos para ser aprovado, em 1962, e não há nada de revolucionário nele. E liquidaram a lei de irrigação”, rememorou.
Apesar das dificuldades, o sociólogo tributa a Furtado os avanços conquistados na época. Uma das ações que provam o talento de Furtado como estrategista foi, para Oliveira, a incorporação ao Nordeste do estado do Maranhão, para onde migraram muitos nordestinos do semi-árido.
“A distância entre Celso e nós era enorme, ele tinha uma formação e uma experiência internacional que ninguém tinha. Ele tinha uma retaguarda intelectual formidável, mas negociava politicamente o tempo todo, e assim foi ganhando respeito e credibilidade nacional e internacional. É a política que move as alavancas”, concluiu.
Presente ao evento, o especialista em direito econômico e também ex-técnico da Sudene José Maria de Aragão foi convidado por Francisco de Oliveira a participar do debate. Ele destacou o caráter pioneiro e inovador da Sudene, qualificando-a como o projeto de política administrativa mais ousado do país. De acordo com Aragão, ao reunir num único fórum representantes do governo federal e governadores do Nordeste, foi possível que se mudasse da visão estadual para uma visão de cunho regional, formulada a partir da realidade nacional.
O Ciclo de Conferências O Pensamento de Celso Furtado se encerra em 27 de maio, às 16h, com a participação da professora Maria da Conceição Tavaresa e a exibição de um filme com entrevistas de Celso Furtado e de um documentário de 1961 sobre as a situação no Nordeste na época das Ligas Camponesas e da presença de Celso Furtado à frente da Sudene.
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