domingo, 16 de novembro de 2008

ENQUANTO A CHUVA CAI (MANUEL BANDEIRA)

A chuva cai. O ar fica mole...

Indistinto...ambarino...gris...

E no monótono matiz

Da névoa enovelada bole

A folhagem como o bailar.



Torvelinhai, torrentes de ar!



Cantai, ó bátega chorosa,

As velhas árias funerais.

Minh'alma sofre e sonha e goza

À cantilena dos beiras.



Meu coração está sedento

De tão ardido pelo pranto.

Dai um brando acompanhamento

À canção do meu desencanto.



Volúpia dos abandonados...

Dos sós... - ouvir a água escorrer,

Lavando o tédio dos telhados

Que se sentem envelhecer...



Ó caro ruído embalador,

Terno como a canção das amas!

Canta as baladas que mais amas,

Para embalar a minha dor!



A chuva cai. A chuva aumenta.

Cai, benfazeja, a bom cair!

Contenta as árvores! Contenta

As sementes que vão abrir!



Eu te bendigo, água que inundas!

Ó água amiga das raízes,

Que na nudez das terras fundas

Às vezes são tão infelizes!



E eu te amo! Quer quando fustigas

Ao sopro mau dos vendavais

As grandes árvores antigas,

Quer quando mansamente cais.



É que na tua voz selvagem,

Voz de cortante, álgida mágoa,

Aprendi na cidade a ouvir

Como um eco que vem na aragem

A estrugir, rugir e mugir,

O lamento das quedas-d'água!

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