Suplicy entre Cuba e os EEUU
Carlos A. Lungarzo
Há uma semana, em 22 de março, o
Senador Eduardo Suplicy (PT-SP) apresentou na Comissão de Relações Exteriores
do Senado dois requerimentos que se referem a Cuba, aos Estados Unidos e a
relação entre ambos os países. (Vide)
As Propostas
O requerimento relativo aos EEUU
(114/2012) pode ver-se aqui. Nele,
transmite-se ao governo americano a manifestação do Senado Federal para suspender o bloqueio a Cuba, libertar os
cidadãos cubanos presos em seu território (Guerrero, Fernando González,
Labañino, Hernández Nordelo e René González), e fechar definitivamente a prisão de Guantánamo.
No requerimento 115/2012 (vide), transmite-se
ao governo de Cuba o apelo do Senado Federal para que providencie ou indulto geral dos presos políticos, e autorize a livre
entra e saída do país de seus cidadãos, incluídos os dissidentes como Yoani
Sánchez.
O Requerimento 114 foi aprovado sem dificuldade.
Votos Negativos
Se o 114 foi aprovado sem problemas, pelo contrário, o 115 foi rejeitado por um voto de
diferença. Desses votos negativos, três provém de diversas formas, tradicionais
e “modernas”, de direita. Um é de um senador do PT, que, como é habitual, quer
evitar que coisas “triviais” como os DH dificultem os negócios de Brasil com
Cuba, e o projeto do governo de tornar-se o “pai universal” dos
latinoamericanos. O outro provém de uma senadora de um partido maoísta-“kimilista”,
cujo parecer é coerente com a política de sua comunidade de prestar honras a
ditaduras excêntricas e patológicas como a de Coréia do Norte.
Mas, o voto mais honesto da direita
foi o do conhecido Fernando Collor, representante do conservadorismo
tradicional. Por sua idade, Collor deve ter sido criado na repulsa contra a
Revolução Cubana, que, nos anos 60, ainda era tida como socialista ou
comunista. Entretanto, se ele realmente nutria sentimentos anticomunistas,
soube controlá-los ao justificar seu voto típico como uma razão típica da
direita: defesa da soberania.
Isto merece uma reflexão. A soberania
é uma bandeira geralmente de sistemas fascistas e nacionalistas, mas a direita
clássica, mais ligada aos EEUU, exige a soberania para seus países, mas nega o direito à soberania aos
países colonizados. Então, Collor mostrou equilíbrio ao aplicar a mesma medida
e o mesmo peso a países capitalistas e “pseudo-comunistas”.
O mais grave foi o voto do senador Randolfe Rodrigues (AP), que
representa o PSOL, a única
força de esquerda no parlamento, e um dos poucos grupos de verdadeira esquerda
que existem no Brasil.
O representante do PT e do PCdoB
disseram mais ou menos a mesma coisa. A senadora maoísta disse que o bloqueio
econômico a Cuba pode ser considerado um “atentado aos direitos humanos”. Como
acontece nesses casos, em vez de analisar os argumentos com racionalidade, decidiu
atacar a blogueira Yaomi Sanchez, e os prisioneiros políticos da Ilha, com base
no discurso insidioso de “...quem estaria financiando?”, muito mais policial do
que político.
O requerimento aprovado pela comissão
(114) pede ainda ao governo dos
Estados Unidos que liberte cinco cubanos presos em seu território, acusados de
espionagem, além do fechamento da base militar de Guantánamo, mantida pelo
governo americano em território cubano.
O bloqueio, seja executado pelos EEUU
ou por qualquer outro país, não é,
claramente, um assunto interno: é um típico assunto internacional. Nisso todos
concordam. Ora, os que votaram contra o pedido de indulto para os presos da
família Castro, parecem não reparar nesta contradição:
Se pedir ao governo cubano que solte
pessoas mantidas presas no país fosse uma intromissão nos assuntos internos de
Cuba, ENTÃO também
pedir aos EEUU que solte prisioneiros que estão dentro do seu território seria
uma intromissão na soberania americana.
Afinal, os 5 “heróis” não foram
sequestrados pelos americanos em Cuba, mas entraram voluntariamente nos EEUU. O
que está em jogo são exatamente os Direitos
Humanos, e não nenhuma questão partidária, militar ou de outra índole. Se
pedirmos direitos humanos, devemos usar a mesma
medida, porque todos os humanos temos os mesmos direitos.
No caso da prisão dos 5 cubanos,
trata-se de um ato de abuso e de violação aos direitos humanos, que deve ser
reclamado à justiça americana, da mesma maneira que deve reclamar-se a soltura
de todos os prisioneiros de opinião em Cuba.
O Voto do PSOL
O senador do PSOL por Amapá, Randolfe Rodrigues, votou em favor do requerimento 114 contra o bloqueio, mas coincidiu
com representantes do stalinismo e da direita ao rejeitar o pedido de indulto
dos presos políticos cubanos. Para ele, os dois requerimentos tinham naturezas
diferentes. Segundo ele, o Senado brasileiro estaria “invadindo a soberania
cubana” ao dizer àquele país quem deve ou não permanecer preso. Como vimos,
isto é uma contradição elementar.
O PSOL surgiu da parte mais esclarecida e honesta da esquerda do PT, e se constituiu numa esperança na
volta aos ideais generosos e humanistas do marxismo: a solidariedade, a
emancipação e a igualdade humanas. Em
várias das seções do PSOL, especialmente em São Paulo, esse fato é corroborado
pela ênfase do partido na luta pelos direitos humanos e sociais, na importância
atribuída à educação (incomum no Brasil) e no confronto com o crescente
fascismo do governo do Estado. Ele foi, junto com Suplicy, o mais combativo
defensor da comunidade de Pinheirinho.
O PSOL está empenhado também em
campanhas tão modernas como a luta contra a homofobia e a internação
manicomial, o que o coloca a uma distância de anos luz das velhas estruturas
stalinistas ou populistas, típicas por sua repressão. (Dito seja de passagem,
até 2 anos atrás, a perseguição contra GLTB em Cuba e a “moda” de tratar os
opositores como loucos, herdadas da pior fase do stalinismo, eram medidas
“socialistas” comuns.)
Aliás, a aliança do PSOL com outros partidos da esquerda
não convencional é auspiciosa no sentido de educar as novas gerações numa visão
socialista que não esteja vinculada ao social-nacionalismo dos governos
populistas do continente nem ao stalinismo. Junto com o MAS da Bolívia e o da
Venezuela, o PSOL e seus aliados são os mais importantes representantes da
verdadeira esquerda nas Américas.
Por outro lado, quando, em fevereiro
de 2010, o prisioneiro cubano Orlando Zapata Tamayo faleceu durante uma greve
de fome, vários deputados do PSOL (entre eles Chico Alencar) lamentaram o
desprezo do presidente Lula, que estava nesse momento na Ilha. Segundo Alencar,
Lula perdeu uma oportunidade de propor uma troca de prisioneiros com os EEUU.
Também José Genoíno, figura história da esquerda do PT, se pronunciou contra qualquer perseguição política.
Portanto, o voto negativo de
Rodrigues é decepcionante, embora talvez seu pensamento não represente a
posição oficial do PSOL.
Seria fundamental que o PSOL esclareçesse
esta situação, para não tirar das pessoas as esperanças que o partido, com toda
justiça, têm criado, depois de anos de decepção.
Qualquer pessoa sensata que não tenha
compromissos políticos tortuosos ficará sem entender por que reclamamos com
tanto ardor contra a ditadura brasileira extinta há 27 anos, e somos coniventes
com uma que está ainda em pleno acionar. Isto é muito importante num momento em
que se percebe uma onda de otimismo provocada pela candidatura do deputado Carlos Giannazi, e seria inadequado abalar a confiança do povo na
sinceridade dos partidos honestos.
Por outro lado, Suplicy informou que
tem obtido 29 assinaturas (50% mais
do que as necessárias) para apoiar seu recurso junto ao plenário do Senado,
para a reconsideração da votação do requerimento 115. Uma amostra de extrema lisura do senador é pedir a Yoani
Sánchez que responda ao interrogatório de um jornalista e um professor que
querem saber quem financia a blogueira. Este pedido mostra que o senador não
teme a verdade, qualquer que seja.
A documentação completa sobre os requerimentos,
votos e sobre a correspondência você pode ler em meu site:
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