Breivik: Muito
Diferente?
Carlos A. Lungarzo
Quando se lê a brutal franqueza do
ex-matador em série da Noruega, sente-se um arrepio. Há pessoas como estas, que
conseguem assassinar massivamente e sentir-se orgulhosos por isso? Ele admite
todas as acusações e ainda se gaba de seus atos, dizendo que não são crimes.
Para ele, crimes são os do governo trabalhista, que enche o país de pessoas
“inferiores”, faz o jogo do “multiculturalismo”, e não percebe que há RAÇAS
e “raças”.
Não é por acaso, acredito, que o
crime de Breivik não tenha causado muita impressão nos países latinos, tanto
nos da América Latina, como em alguns da Europa, por exemplo, a Itália,
enquanto em países com tradição democrática, começando pelos escandinavos, o
caso preocupou a todos.
No dia seguinte ao do atentado (23 de
junho), o deputado
italiano Mario Borghezio, líder
da católica Liga do Norte, elogiou o sniper
e disse que as ótimas idéias do
atirador eram a resposta natural ao multiculturalismo (Vide). Milhares de neonazistas de vários
lugares do mundo vibraram, pensando que aparecia um messias, alguém que tinha a
coragem de se gabar de seu espírito genocida na frente das autoridades de um
dos mais civilizados países do planeta.
Afinal, qual é a verdadeira diferença entre Anders Breivik e
muitos seres humanos comuns, que encontramos em nosso dia-a-dia?
Os que vivemos nestes enclaves do
mundo (como a América do Sul), que receberam de braços abertos legiões de
fascistas europeus para que continuassem a tarefa de depredação e extermínio
começadas pela espada e a cruz luso-hispânicas, não temos muito motivo de
espanto.
Qual é a diferença entre Breivik e a
classe média branca, cristã e européia do Sudeste Brasileiro, que cuida com
exemplar capricho que seus filhos não se misturem com negros e nordestinos?
Qual é a diferença entre a juíza que
condenou a morrer trás as barras (não outra coisa significa a prisão no Brasil)
um jovem mulato e marginado, que atirou contra sua namorada. Isso aconteceu
quando a polícia entrou bruscamente no quarto em que ele a mantinha cativa,
sabendo, graças aos delicados treinamentos da SWAT, que a surpresa e o medo iam
deflagrar os reflexos do dedo no gatilho?
A diferença é que aquela patricinha
apenas vitimou um, e não 77. Mas, ela está no começo de sua carreira e já
haverá outros em seu caminho. A principal diferença é que a juíza, os
policiais, os militares e outros similares se protegem com a lei, enquanto
Breivik desafia a lei. Mas, nem por isso
Breivik é melhor. A coragem violenta não é, na minha opinião, uma virtude.
E Pinheirinho, então? Que saibamos
concretamente, houve apenas uma criança morta, mas poucos duvidam seriamente
que há outros. Mas, mesmo se o estado não ocultasse os resultados, é difícil
que os mortos cheguem a 77. Todo estava calculado para uma vingança “moderada”.
Isso, porém, não é problema. Há
milhares de favelas no Brasil onde os “caveirões” entram cuspindo fogo. Afinal,
todos, crianças, mulheres grávidas, nenês de berço, todos são traficantes.
E que dizer então das redes de varejo
que gratificam generosamente à polícia para que “limpe” seus bairros? Quem não
ouviu falar de magnatas que se deslocam em seus carrões múltiplos (todos eles
iguais, para não serem identificados) e cuja guarda pratica tiro ao alvo nos
meninos que esmolam nas ruas? Quem não lembra o caso de Praça da Sé, enterrado
pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em tal mistério que nem a própria OEA
consegue se fazer obedecer? Quem não ouviu falar de Carandiru, de El Dorado, de
Vigário Geral, de Candelária e de outras centenas ou milhares?
Breivik é mais um terrorista místico:
como o albino Silas do Código da Vinci,
igual que os snipers da PM
brasileira, como os filhos de dignitários e magistrados que queimam índios
vivos, estupram meninas, lincham nordestinos, atropelam trabalhadores dirigindo
bêbados, como o triste caso do filho de um ministro em 1996. Tudo isso é feito
sem alvoroço nem julgamentos. Eles a têm benção de magistrados e a
solidariedade compassiva dos politiqueiros, lamentando que aqueles meninos “bem
nascidos” vejam seus nomes poluídos apenas porque mataram alguns garotos
negros, índios e pobres, para livrar-se, com toda razão, do cruel tédio das raças superiores.
Isso, para não falar de nossos
múltiplos torturadores e genocidas que o governo democrático protege sob uma
farsesca Comissão de Memória, e que o STF encobre sobre a Lei de Anistia.
Livros e filmes como Tropa de Elite que representaram o
Brasil em diversos festivais e mereceram parabéns do estado, estão cheios de
Breiviks. A diferença ética, se existe, é a favor do terrorista norueguês. Mas
a principal diferença é psicológica. Nossos matadores oficiais se protegem na
lei, se reúnem em dúzias para matar um par de traficantes, aplicam torturas
para que seu inimigo sofra o máximo. São, além de sádicos, covardes.
Anders Behring desafia a lei,
chamando-a de ridícula, encara ele sozinho centenas de pessoas e não aplicou
tortura. Diz que aceitaria a penas de morte e que só queria “limpar” a
sociedade.
Embora diga não ser nazista, ele atua
como um nazista. Já nossos terroristas místicos são inquisidores medievais,
sádicos, ansiosos de um “porre” de sangue, padecem de síndrome de abstinência
de pólvora. Não é por acaso, acredito, que a mídia brasileira se ocupa pouco
deste caso que, inversamente, causa estupor na Europa: Breivik, traduzido ao
português, é um velho conhecido nosso. Ninguém, então, precisa dedicar a ele
muito espaço.
Anders Behring Breivik confessa ser
um militante cristão, mas não um
fundamentalista. Ele apenas quer salvar Europa da descristianização. Mas, tem
pouca chance de sucesso, e não é por causa dos muçulmanos. Nos países mais
esclarecidos do Velho Continente, numerosas igrejas são transformadas em museus
e escolas, porque têm perdido seus fiéis. Mais de 60% do norte de Europa está
formado por partes quase iguais, de espiritualistas e de agnósticos, e menos de
um 30% segue religiões institucionais.
Isto é um indicador que os homens
como Brevik não se multiplicarão, porque não há genocídio na história humana
(incluindo os de Stalin) que não esteja amparado por uma mística, mesmo que
essa mística pareça ateia, como o maoísmo-stalinismo.
Apenas nestes tristes trópicos,
resíduo de bárbara colonização hispânica, ainda florescem teologias de uma
suposta libertação, e talvez seja por isso que milhares de nazistas encontraram
proteção no Brasil, na Bolívia, no Paraguai e, sobretudo, na Argentina. Por
isso também é Cáritas e não um órgão secular que administra a seu prazer o escasso
refúgio que se outorga a verdadeiros perseguidos.
Em fim: Breivik talvez seja apenas um
aprendiz comparado com estes personagens no qual nossa América Latina é tão
rica. Seu pior defeito é seu alarde, que pode estimular outros fanáticos como
ele para sumir no pânico uma sociedade como a Noruega, que, se dissolvesse seu
exército e se afastasse da NATO, seria quase
uma sociedade perfeita.
Mas, é provável que este ódio racista
possa ser controlado. Porque a sociedade norueguesa não quer combater o terror ilegal
com o terror policial. O Primeiro Ministro norueguês, Jens Stoltenberg, perguntado
sobre como vai combater a onda de violência disse: com mais democracia.
Por sinal, na Noruega governa também,
como no Brasil, o Partido dos Trabalhadores (Arbeidarpartiet), ou, para sermos mais exatos, um partido cujo
nome, traduzido ao português é o mesmo do PT.
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