quarta-feira, 18 de abril de 2012

COMISSÃO DE VERDADE: EX MILITANTES DA LUTA ARMADA DEVEM SER INCORPORADOS




Comissão de Verdade: Um Acordo Simbólico Para Crimes Reais
Carlos A. Lungarzo
As Comissões de Memória e Verdade instaladas nos países que sofreram ditaduras não são tribunais, onde os eventuais culpados dos crimes em apreço serão julgados, mas organismos de pesquisa, onde as responsabilidades dos possíveis algozes serão esclarecidas.
Que exista ou não um posterior julgamento considerando os algozes como réus depende do poder judicial nacional ou, como aconteceu em outros países (Ruanda, ex-Iugoslavia, Congo, parcialmente Argentina) por cortes internacionais de Direitos Humanos.
Os objetivos das Comissões de Verdade e Memória são:
1.     Identificar os autores, instigadores e planejadores dos crimes de lesa humanidade cometidos pela ditadura.
2.     Estabelecer com a maior precisão possível quais são esses crimes, e quais seriam as penas cabíveis se o caso fosse enviado a um tribunal.
3.     Guardar memória dos criminosos, e incorporar seus nomes a história oficial, que hoje homenageia tiranos, torturadores, fascistas, golpistas e outros representantes das capas opressoras da sociedade.
As Comissões de Memória e Verdade (CMV) não estabelecem, por si mesmas, punições para os criminosos. Aliás, se estes fossem julgados depois, os tribunais deverão analisar todas as provas encontradas. Portanto, carece de sentido pedir às CMV a mesma neutralidade que se pede a um organismo que deve emitir veredicto.
O papel que cabe às CMV’s é reunir todos os testemunhos possíveis dos possíveis crimes dos militares e seus aliados, e avaliar a  veracidade, o impacto e as responsabilidades iniciais (que deverão ser analisadas depois pela justiça) de seus autores.
Como em toda investigação sobre fatos criminosos, é necessária a presença de: (1) Os analistas e investigadores; (2) As testemunhas e (3) AS VÍTIMAS.
A justiça não se fez para satisfazer as VÍTIMAS, porque a justiça moderna não procura (pelo menos, teoricamente) a vingança, mas a autêntica restituição. Trata-se de satisfazer a necessidade de segurança, justiça e futuro das sociedades. Mas, para comprovar a ocorrência de crimes anteriores, a presença das vítimas desses crimes é fundamental.
Essa é a razão pela qual as comissões de verdade devem incorporar entre seus membros representantes das vítimas da repressão, ou então as próprias vítimas.
A Comissão de Verdade que se está montando no Brasil, segundo versões dos meios especializados, poderia considerar alguns representantes das vítimas, como a esposa do assassinado Vladimir Herzog, ou a filha de Rubens Paiva,
Entretanto, julgando pelos dados disponíveis por enquanto, parece que Comissão estaria deixando fora outro tipo de opositores à ditadura, que constituem o setor mais numeroso de vítimas: aqueles dos que agiram na luta armada.
Com efeito, diferentemente do que aconteceu no Chile, na Grécia, na Argentina e na América Central, os membros de formações armadas antiditadura e militantes de luta assimétrica constituem a maior proporção de presos, torturados e assassinados. Em todos os outros países, a guerrilha representa apenas uma parte, nem sempre grande, de vítimas. Na Argentina, por exemplo, o governo fascista-populista de Isabel Perón (porém, “democrático”) tinha exterminado mais de 2000 membros da guerrilha antes que os assassinos fardados assumissem o poder. É verdade que a guerrilha tinha muito mais de 2000 membros, mas a maioria deles tinha conseguido refugiar-se em diversos países das Américas, da Europa e até da África.
Os militares argentinos deram o golpe de 1976 não para combater a guerrilha quase extinta (esse foi apenas um pretexto), mas porque tinham um plano de extermínio que incluía a aniquilação de todos os membros da esquerda, especialmente sindicalistas, jornalistas, intelectuais, operários, etc. Embora o número dessas vítimas seja discutível, ele excede, com certeza, o número de 30.000, que fora adotado como quantidade padrão em 1978, quando a ditadura ainda tinha 5 anos pela frente.
No Brasil foi diferente, pois a ditadura brasileira focalizou seu ataque mais feroz majoritariamente nos grupos de luta assimétrica. Então, o justo seria a inclusão de um número de membros da comissão proporcional à quantidade de membros de guerrilha que foram vítimas da repressão.
Entretanto, os organismos oficiais de direitos humanos não parecem tomar em conta este dado. O fato de que a chefe de Estado pertença a esse grupo não deve usar-se para descartar a inclusão de outros antigos membros da guerrilha, já que ela representa neste momento o poder público, e não a parte das vítimas.
O argumento segundo o qual não podem ser colocados na Comissão ex-membros da guerrilha, porque isso exigiria colocar também representantes dos algozes é uma perversão conceitual que atende ao modelo dos DOIS DEMÔNIOS. Este modelo, como outras barbaridades, foi criado também pela direita Argentina.
Em 1984, ao preparar o processo contra as juntas militares, o então presidente Alfonsín comparou o massacre de milhares de pessoas a uma luta entre dois demônios, o “demônio” da “subversão” (as forças que se insurgiram contra a fascistização que culminou na ditadura) e o demônio da repressão.
Obviamente, ninguém é tão anencefálico como para pensar que ambos os tipos de forças se equivalem. Alfonsín usou este miserável slogan para não perder as boas graças que todo político argentino que esteja dentro do sistema (incluído, na época, o partido comunista) usufrui dos militares. Foi uma medida covarde, porém insuficiente, porque dois anos depois, o governo mandou ao congresso uma lei que não só indultava, como justificava os crimes da ditadura.
A proposta de CMV no Brasil tem um tamanho reduzido, e seu funcionamento parece pensando para diluir sua eficácia. Mas, a pesar disso, a presença de representantes de Herzog e Paiva satisfaria a condição de dar voz aos parentes das vítimas não armadas. Não entanto, há uma falha fundamental: a ausência dos quadros da luta armada. Eles foram os mais afetados, e os que sofreram a repressão mais dura e desproporcional. Também foram os que mais arriscaram. Ao excluí-los, a Comissão parece negar legitimidade ética à luta (algo que deve ser cuidadosamente separado de sua eficiência política, que é algo que não está em jogo).
Pessoalmente, minha organização nunca apoiou a luta armada como método, mas a gente se pronunciou sempre no sentido de que os lutadores armados deviam ser considerados como vítimas absolutamente legítimas. No caso de La Tablada (Argentina, 2000), consideramos os ex combatentes do grupo TPP como autênticos perseguidos políticos, embora não fossem perseguidos “de consciência”.
Essa também foi a atitude de Paul Benenson (1921-2005), o fundador de Anistia Internacional, em 1978, quando atraiu corajosamente contra si a crítica da esquerda burocrática europeia, apoiando os direitos dos prisioneiros da Rote Armee Fraktion, o grupo guerrilheiro alemão conhecido pelo nome de seus líderes Baader-Meinhof, embora ele, como toda a organização, discordasse dos métodos usados.
A ignorância ou o desdém pelas vítimas armadas é uma gravíssima injustiça. Se o problema é que os militares podem ficar zangados, um governo democrático deve desafiar esse risco, se quisermos que a democracia tenha credibilidade no futuro.

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