comentário
Lançamento do Livro Ao Pé do Muro, de Cesare Battisti, Ontem
na USP
Carlos A.
Lungarzo
Prof. Tit.
(r) UNICAMP
27-04-2012
No dia 26 de Abril de 2012 foi
realizado, tal como fora anunciado, o lançamento paulista do romance Ao Pé do Muro. O evento começou às
18:00 hs no Anfiteatro do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de
São Paulo (USP).
Os organizadores foram os membros do
Sindicato de Trabalhadores da USP (SINTUSP)
cujo atual secretário é Magno de
Carvalho, que presidiu a mesa de debates. A mesa contou também com a
presença do próprio escritor, do senador Eduardo
M. Suplicy, do escritor Celso
Lungaretti, do advogado defensor Luiz
Eduardo Greenhalgh e de mi
mesmo.
Os presentes somavam aproximadamente
300 pessoas, que permaneceram até o final, mostrando excecional interesse no
desenvolvimento do evento. Este número de pessoas é razoável, tendo em conta
que o campus de USP não é tão acessível como um auditório numa região central,
e que parte da imprensa tentou confundir os leitores criando a ideia ambígua de que
o evento teria sido extinto.
(Numa matéria recente, eu expliquei a
notícia desorientadora dada pela Folha de S. Paulo. Quando fui informado da
existência de uma confusão considerada involuntária, escrevi um Esclarecimento, dando a questão por
encerrada. Ora, evitar o confronto não significa deixar-se iludir. É óbvio que ninguém
deve ter visto o parágrafo de 31 palavras escrito pela colunista Monica
Bergamo, como “retificação” implícita da notícia sobre o cancelamento. A
matéria onde se fala do “cancelamento” do lançamento paulista tinha 159 palavras na Folha.com e ainda possuía uma parte
adicional para assinantes, cujo conteúdo desconheço. A falsa notícia estava numa parte visível do site e possuía um destaque
incomum para uma notícia literária. Também o editor Evandro Martins Fontes
não achou natural a manipulação, como mostra sua enérgica queixa aos
colunistas.)
O coordenador do evento começou
advertindo que não seriam respondidas perguntas que envolvessem assuntos
diretamente políticos. Esta é uma precaução que se toma sempre nos eventos nos
quais participa Cesare Battisti, para evitar interpretações tortuosas da
direita nacional ou estrangeira.
Em realidade, não existe uma proibição
legal de que um estrangeiro fale, escreva ou se pronuncie sobre aspectos
políticos. A Lei Federal 6815/1980, imposta pela ditadura para infernizar a
vida dos perseguidos por ditaduras “hermanas”, não proíbe o direito à opinião
política dos estrangeiros. O que ela proíbe é a militância do estrangeiro em
partidos políticos. Mas, tendo em conta o cinismo usado para deformar tanto a
história de Battisti como suas próprias declarações (lembre-se a “tocaia”
montada pela Folha para fotografá-lo
num bar), esse cuidado é fundamental e foi rigorosamente respeitado pela
audiência.
O diálogo foi rico em matizes e se
centrou especialmente em aspectos psicológicos ou afetivos da história do
escritor.
O senador Suplicy lembrou a
necessidade de publicar um trabalho compreensivo sobre a vida e obra de Battisti,
no qual o perseguido possa explicar com clareza sua história, e fazer entender
ao público qual é sua verdadeira personalidade e os fatos reais.
A menção da necessidade de uma
verdadeira história do escritor permitiu deduzir um fato que não tinha sido
explicitamente formulado até esse momento. Apesar de Battisti ser muito exposto
na grande mídia, não existe nenhuma versão dessa mídia sobre a história do escritor que seja minimamente verdadeira.
Este fato não foi denunciado abertamente, mas sua presença implícita na
proposta de Suplicy permitiu que, de maneira muito inteligente, um jovem
participante (lamentavelmente não lembro o nome) aproveitasse para referir-se
aos projetos que visavam impedir os abusos da mídia. Nesse sentido, perguntou
ao Senador sobre o estado do projeto de um marco regulatório para a comunicação
proposto pelo Franklin Martins em 2011.
O escritor Celso Lungaretti, em sua
condição de comunicador e de vítima da repressão militar no Brasil, aprofundou
no trecho em que o livro de Battisti menciona as vítimas da ditadura
brasileira, e manifesta sua emoção ao descobrir uma pedra de sinistra história
na Praia do Arpoador, no Rio de Janeiro. Aí os militares estendiam suas vítimas
quando a rocha estava quente como uma fogueira. (Na versão original, esta
passagem, muito comovente, está no capítulo 10, mas acredito que foi renumerado
na versão impressa.) Lungaretti fez uma extensa reflexão com base nessa
passagem, que permitiu entender as similaridades entre a repressão brasileira e
a italiana.
Luiz Eduardo Greenhalgh, como advogado
do autor e antigo militante da esquerda brasileira, fez uma breve descrição das
fraudes contidas nos processos italianos que foram enviados ao Brasil com fins
de extradição, e explicou os sofrimentos passados por seu defendido.
Sua fala foi sintética, essencial e
contundente, cumprindo duas finalidades: (1) esclarecer, mesmo rapidamente, às
pessoas que talvez não soubessem os detalhes principais da fraude jurídica, e
(2) mostrar a situação de maneira conclusiva, sem estimular qualquer debate político.
As perguntas que foram formuladas a
Battisti pelo público se referiram, em geral, a questões literárias (por
exemplo, a relação entre personagens ficcionais e a história pessoal) ou de
tipo emocional. Houve perguntas sobre o estado de ânimo de Cesare, quando soube
que, a despeito da recusa de extradição assinada por Lula, ainda deveria
esperar mais uma nova decisão do STF para ganhar a liberdade. Prudentemente,
ninguém na sala qualificou essa decisão do STF. (É verdade que um comentário
sobre o sadismo e o espírito vingativo do ex-relator tampouco teria sido um
comentário político. Seria apenas um diagnóstico psiquiátrico acertadíssimo.)
No plano literário, Ao Pé do Muro foi comparado por membros
da mesa com certos trechos de Dostoievskii, do militante negro americano George
Jackson e da grande promessa de literatura anglo-africana, a jovem romancista nigeriana
Chimamanda Adichie.
O evento foi encerrado por uma sessão
de autógrafos onde Battisti assinou algumas dúzias de livros. O interesse dos
assistentes se manifestou em todo momento. Foi um dos eventos em que a
dispersão da audiência só aconteceu após do encerramento de todas as
atividades.
Tendo em conta as difíceis condições para
sua realização, a falta de apoio dos comunicadores e das autoridades
universitárias e culturais do estado, bem como algumas sabotagens informativas,
pode-se considerar que o lançamento foi um grande sucesso.
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