sábado, 14 de abril de 2012

MALVINAS: LEBENSUNWERTES LEBEN





Malvinas: Lebensunwertes Leben
Carlos A. Lungarzo
As sociedades classistas e militaristas sempre diferenciaram entre as vidas “dignas” as e vidas “inúteis”, que podiam ser sacrificadas: escravos, servos, membros de outras etnias e de outras religiões, rebeldes, oposicionistas, pobres, etc.
Esta discriminação atingiu sua forma mais brutal no genocídio, deixando viva apenas a proporção necessária para trabalhar como escravos. Os casos de maior atrocidade foram os do colonialismo dos países católicos nas Américas e na África (Espanha, Portugal, França, Bélgica), mas também houve setores exacerbados de algumas elites protestantes.
Já o extermínio foi total, quando os excluídos eram hereges, como aconteceu na cidade de Albi na França Medieval. Nesse caso, todos os hereges eram indignos de viver, e não importava que a economia da cidade parasse (como aconteceu por décadas), quando o ódio racista não deixava nenhum sobrevivente nem para cultivar a terra.
A maioria destes atos de aniquilação, que eliminaram em poucos séculos milhões de vidas, era executada em nome de Deus e das Terras por Ele Prometidas. Para o poder primitivo (que só começa a arrefecer em Ocidente após a derrota do Eixo em 1945), a potência de um estado se media pelo tamanho de sua população e a capacidade de obter novas terras. Na Europa e na Ásia, os próprios impérios alargavam seus territórios com base em alegações rituais da “integração territorial”, mantendo guerras entre reis e imperadores, que se depredavam mutuamente.
Já as terras da África, das Américas, e de algumas regiões de Oceania, eram  “integradas” com base no direito considerado divino, de dominar os lugares do mundo onde habitavam “povos inferiores”. Os Estados Europeus, até a Paz de Vestfália, supunham que tinham direito a um território ideal (que talvez nunca tenha existido) e tentavam “completa-lo” acrescentando terras que “deveriam ter sido suas”. Porém, aquela paz durou pouco, e anos depois de Vestfália as conquistas territoriais continuaram, especialmente nas colônias, onde povos pacíficos e desarmados eram massacrados sem possibilidade de defesa.
Estas terras foram conquistadas expulsando, torturando e aniquilando seus habitantes, só para depois serem depredadas, esvaziadas de riquezas naturais e, no melhor dos casos, transformadas em rudes imitações das cidades mais primitivas da Europa. Isso é típico da América Latina, onde portugueses e espanhóis consolidaram a escravidão, a dominação de classe, a pregação monástica, o ensino obscurantista e as torturas, e mantiveram aquelas populações afastadas de qualquer forma de modernidade até, pelo menos, o final do século 19.
Os nazistas aplicaram igual política de genocídio, mas suas ações foram justificadas por tortuosas teorias que eles consideravam “científicas”. Uma frase que se tornou lema da aniquilação do Terceiro Império foi a que recomendava eliminar a...
...vida sem valor de ser vivida:
Lebensunwertes Leben
Estas vidas desprezadas não são coisa do passado. Existem candidatos ao extermínio em diversos lugares do planeta, mas, recentemente, num conflito entre países ocidentais considerados democráticos, o fantasma das vidas sem valor reapareceu com despudorada arrogância.
A vida sem valor de vida é aquela que, para o governo argentino e para os numerosos aliados que aproveitaram a confusão internacional para melhorar seus negócios com o segundo país do Mercosul, teriam os 3000 habitantes das Malvinas, os falklanders, chamados às vezes com a racista expressão de “kelpers”.
O chanceler argentino, Héctor Timerman fez vários usos  daquele argumento do 3º Império Alemão.
Esta frase define bem a situação: a integridade territorial é mais importante que autodeterminação dos povos.
Ou seja, aquelas rochas onde se descobriu recentemente petróleo, mas que são reclamadas desde 1833, quando o ouro negro nem era conhecido, valem, para o digno chanceler, mais que 3000 vida humanas.
Os malvinenses sabem o que podem esperar da administração argentina, lembrando o terror e as humilhações que lhe impôs a invasão de 1982. É verdade que os únicos 3 civis mortos de 1982 foram mulheres atingidas pelo fogo britânico. Não houve mortos civis atribuíveis aos argentinos. Mas, os 74 dias de guerra tornavam isso difícil, especialmente sendo que Argentina tinha ido as ilhas pensando que o UK se renderia logo, e tiveram uma surpresa inesperada. (Os militares, porém, não ficaram sem diversão, pois torturaram seus próprios soldados)
Os heróis da Casa Rosada, após destruir 30.000 vidas “indignas” no continente, não tinham tempo para continuar com os ilhéus. Estes foram maltratados e humilhados verbalmente, e uns duzentos deles foram confinados como prisioneiros de guerra, mas os militares argentinos não conseguiram que eles aprenderam espanhol em poucos dias. Talvez fosse a falta de didática. Naquele momento, a totalidade da atenção da Argentina era preparar sua defesa contra a resposta britânica, na qual não tinham acreditado antes. A vida e integridade física dos ilhéus foi poupada.
Hoje, se a Argentina recebesse juridicamente a soberania das Ilhas, ninguém poderia evitar que os novos amos fizessem o que quisessem com seus habitantes.... Afinal, o princípio de soberania territorial garante ao soberano o poder sobre terras e corpos.
Até o conservador Ronald Reagan criticou seus aliados, o genocida Galtieri, e a reacionária Thatcher, pela insensatez de expor seus povos por causa de that little ice-cold bunch of land down there (aquele pequeno grupo congelado de terra, lá no fim do mundo)
Recém agora a mídia difunde algo a opinião dos ilhéus. Uma minoria dos melhores intelectuais argentinos conheceu as opiniões dos habitantes das Ilhas após uma curta viagem no começo de 2012.
“Eles nos consideram verdadeiros fascistas” disse um desses intelectuais. “Eles não entendem como a Argentina pode exigir a soberania sem nenhuma consulta aos habitantes; nosso país os trata como se eles fossem lixo”.
O argumento de que Galtieri era um ditador e este é um governo popular não é, nesse sentido, seriamente demarcatório. A ditadura argentina foi exaltada por setores que se autodenominaram “de esquerda”, e por nacionalistas revolucionários que a mídia chamou de esquerda (porque os conservadores clássicos nem sempre diferenciam violência de esquerda e violência fascista). A ditadura foi apoiada pelo Partido comunista e por pequenos partidos neostalinistas que, apesar de sua insignificância foram úteis para bloquear as investigações obre a violação dos DH nos anos 80. Hoje, até uma parte dos parentes de desaparecidos defendem o Anschluss argentino das Malvinas.

Quem são os Habitantes das Ilhas

Os atuais malvineiros são, em mais de um terço, descendentes dos primeiros habitantes das Ilhas. Esse 30% tem 8 ou 9 gerações no local. O restante daqueles 3000 chegaram as ilhas desde diversos países (geralmente britânicos ou escandinavos) nas últimas 3 a 5 gerações. Os 1500 militares e seus familiares que estão no local, não entram no cálculo da população e eles NÃO FORAM os que expulsaram os argentinos 179 anos antes. (Alguém duvida? Qual seria sua idade agora?)
Um pequeno grupo de marujos e militares argentinos foi deslocado pelos ingleses em 1833. Os atuais militares britânicos nas Malvinas não são residentes estáveis, e são rotados cada tanto tempo. Eles são tão culpáveis pelo que aconteceu em 1833, como os atuais judeus pela morte de Cristo.
Qualquer de nós, habitantes do Brasil ou da Argentina, descendentes de italianos, espanhóis e portugueses  TEMOS MENOS GERAÇÕES EM NOSSOS PAÍSES QUE OS MALVINEIROS. Vejam este argumento:
Nós deveríamos devolver aos índios latinoamericanos suas terras, e voltar às pátrias de nossos ancestrais, com maior motivo que os malvineiros. Porque, se aceitarmos a brutal e obscurantista teoria das culpas hereditárias e coletivas, todos nós seríamos culpados dos massacres de índios na América Latina, o que não houve em Malvinas.
Mas ninguém exige disso porque os índios são “vidas que não merecem ser vividas”, da mesma maneira que a vida dos falklanders.
O desprezo pelos malvineiros atenta contra os principais princípios de humanidade e de legalidade internacional:
1)    Viola o princípio de autodeterminação.
2)    Obriga a que 3000 pessoas devam mudar, caso sobrevivam, seus valores sociais e culturais, seus meios de vida, sua liberdade, sua religião, seu direito, e sejam humilhados devendo reverenciar os valores do invasor, e aceitar sua autoridade.
Eles deverão pagar as culpas de pessoas sobre as quais não têm a mínima idéia, que, segundo os argentinos, expulsaram aos habitantes das ilhas há 197 anos, após uma administração argentina, nebulosa e polêmica, de 18 meses.
3)    Consiste num ato ranço de chauvinismo, que nem os próprios nazistas utilizaram na Europa Ocidental. Os  Sudetes, embora ocupados ilegalmente, continham grandes comunidades germânicas que se identificavam com o Reich. A Áustria aceitou ser massivamente anexada pela Alemanha.
 O fascismo subdesenvolvido e delirante que se perfila no Cone Sul, matizado por tentativas de bloqueio econômico e bancário, é uma versão farsesca do anexionismo nazifascista, mas, como toda paródia, é provável que não seja tão eficiente quanto o original.
Muitos observadores dizem que não há hoje possibilidade de uma guerra. É provável. Mas, quem pode garantir? Em janeiro de 1982 nenhum observador de país nenhum teria arriscado dizer que as Malvinas seriam invadidas. Quem dizer isso, seria internado de imediato num manicômio.
Ninguém sabe bem o que acontece, porque num clima de delírio tudo parece verdadeiro e imaginário ao mesmo tempo. Mas não se pode descartar totalmente alguma ação violenta por parte de fanáticos mobilizados pelos discursos linchadores do Palácio San Martín, sobre os quais posteriormente o governo não assumirá nenhuma responsabilidade, como nas séries de TV.
Os países que se solidarizam teoricamente com o genocídio dos malvineiros, devem pensar que essa teoria pode tornar-se real, e que deveriam evitar desgostos a seus povos se afastando lentamente do ridículo circo romano, como está fazendo atualmente o Uruguai.
Pensem que hoje existem mais de 200 contenciosos internacionais por fronteiras e pedaços de terra, mas que de nenhum deles se fala com um espírito belicoso, agressivo, com queima de bandeiras, talvez sem saber que os ingleses têm tecelagens para fabricar outras.
Os que, por ambição, fanatismo, arrogância ou simples falta de inteligência, brincam de aliados da fúria neocolonial argentina, deveriam pensar o que teria acontecido em 1982, se toda a América Latina se tivesse unido a Argentina naquele plano messiânico. Muito provavelmente, a maioria de nossas cidades ainda não teriam sido reconstruídas.
Finalmente, embrulha o estômago pensar que falsos defensores de direitos humanos, democratas fingidos e celebridades desesperadas por holofotes enaltecem a criminosa saga de uma ditadura que fez mais de 30.000 vítimas indefesas durante a mais cruenta repressão que se registra em Ocidente desde 1945.
A observação dos blogs em uma dúzia de países, mostra que a maioria dos leitores da América Latina repudia o servilismo de seus governos que aderem a histeria redentora dos hermanos austrais. Mas, seria bom que essas pessoas se interessem mais pelo problema, e não apenas critiquem. Deles depende que seus países não sejam envolvidos num conflito que só pode prejudicar as leves esperanças de democratização da América Latina.


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