Caso Pinheirinho: A
Opinião dos Especialistas
Carlos A. Lungarzo
Em
vários artigos que escrevi sobre a pertinência de julgar o caso de Pinheirinho
no Tribunal Penal Internacional,
eu acredito ter mostrado que os abusos cometidos pelo Estado de São Paulo e o
Judiciário Paulista constituem claros paradigmas de Crimes contra a Humanidade, que é uma das variantes de crimes
que podem autorizar o julgamento dos responsáveis por esta corte.
A existência de Crime Contra a Humanidade (e não apenas “abuso de poder”)
está justificada por vários incisos do Estatuto de Roma que foram violados por
essa criminosa e fanaticamente sanguinária ação. Veja
aqui meu primeiro artigo sobre o assunto, mas não esqueça que na época não se
sabia o caso de abuso sexual; ele deve ser acrescentado!
Acredito que, mesmo se uma condena
formal fosse difícil, a denúncia dos algozes contribuirá a difundir a nível
internacional a imagem de um submundo camuflado por slogans pretenciosos, onde
mais de um 80% das pessoas vivem em condições de total insegurança jurídica e
privação de direitos básicos.
Minha convicção se viu reforçada
quando, na semana passada, alguns operadores jurídicos progressistas
manifestaram sua opinião sobre o assunto. Especialmente preciosa é a posição do
procurador do estado de São Paulo, Márcio Sotelo Felippe, que,
usando tanto raciocínios factuais como as profundas teorias que ajudaram a
entender o nazismo (como a banalidade do
mal, de H. Arendt), aprovam o encaminhamento deste processo ao Tribunal Penal Internacional.
Ele confirmou a suspeita de que os
crimes cometidos em Pinheirinho são crimes contra a humanidade, e que a caterva
que dirigiu o democídio pode ser julgada pelo Tribunal Penal Internacional.
Da mesma opinião é o ex-magistrado
Walter F Maierovitch, que se manifestou numa entrevista registrada neste vídeo.
A Banalidade do
Mal
No mais brilhante dos textos do
procurador Márcio Felippe, ele compara o marco ideológico em que se inscrevem
as atrocidades de Pinheirinho com os crimes do nazista Adolf Eichmann, coordenador do holocausto judeu. (Vide)
Felippe aceita a teoria da Banalidade do Mal, com a qual Hanna Arendt explica a frieza do
megacriminoso, e a naturalidade com que confessa sua crença de que aquela
tarefa de extermínio era mais uma obrigação militar imposta pelo princípio de
obediência devida.
Para Eichmann o importante era acatar
ordens, único referencial ético que parecia entender, pois todo o mal derivado
daquelas ordens (como assassinar 6 milhões de judeus) era para ele apenas uma
consequência banal da sacralidade do dever. Felippe compara esta visão do mundo
com a conduta de juízes, policiais e agentes do estado, que constroem uma
estrutura onde todos os valores são banais, salvo o direito de propriedade.
Numa apresentação brilhante, Felippe
aplica estes sutis raciocínios parta despir as grotescas justificações do crime
dadas pelos lacaios das elites. De fato, um advogado lobista ao serviço de máfias neoliberais, obtém um generoso espaço
na imprensa paulista para dizer algo de cinismo e falsidade rompantes: o
direito de propriedade seria o direito humano mais importante desde a origem da
civilização. Felippe refuta esta provocação com finos argumentos surgidos da
teoria da banalidade. Contudo, a provocação
não merecia um raciocínio tão apurado, pois já no século 17 os abolicionistas
repudiavam os que, como este triste leguleio, achavam que um bushel de trigo era mais valioso que a
vida de 3 crianças negras. (Cf. Mannix
& Cowley: Negro Cargoes,
Penguin 1977)
Com base nesta comparação impecável,
o procurador mostra que os organizadores do ataque são também culpáveis de crimes contra a humanidade. Embora
estes crimes também possam ser quantificados, como outros, e dessa reflexão se
deduza que o dano produzido em Pinheirinho foi menor que o produzido pelo
nazismo, ambos os delitos são
da mesma classe e devem ser
julgados pelas mesmas entidades.
Numa entrevista à Radio Brasil Atual, Felippe qualifica os
crimes cometidos em Pinheirinho como de lesa humanidade, e afirma que o Tribunal Penal Internacional deve
expedir mandados de prisão contra o governador do Estado e o presidente do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Ele acrescenta ainda entre os que devem ser condenados, o especulador Naji Narras, porque a ação contra o
povo de Pinheirinho tinha por objetivo beneficiá-lo economicamente.
Pessoalmente, tenho dúvidas sobre
incorporar Nahas ao elenco de réus de lesa humanidade. A maioria dos
especuladores e empresários (pelos menos nos países atrasados, ou, para sermos moderninhos,
“emergentes”) se beneficia de toda classe de crime, incluídos aqueles contra a
humanidade. Mas somente alguns deles são verdadeiros cúmplices desse tipo de
crime.
Por exemplo, fabricantes de armas em
geral e, em particular, os mais poderosos, como o nazista Alfred Krupp von
Bohlen, os financiadores de ditaduras, como as empresas argentinas e
brasileiras, as agências de publicidade que “vendem” a imagem de regimes
truculentos, devem ser considerados cúmplices e, às vezes, mentores dos criminosos. Quando eles contribuem de maneira
significativa ao crime de lesa humanidade, devem ser, claramente, julgados
pelas leis que punem esses crimes. A
absolvição de Krupp em Nuremberg foi um típico cambalacho entre os aliados
ocidentais e os capitais alemães.
Ora, os especuladores são apenas
pessoas sem limites morais e humanitários, que aproveitam a degradação do
sistema político e judicial para exigir benefícios injustos, mas, em muitos
casos, como parece ser o de Nahas,
sem ter participação no planejamento e execução das atrocidades. Este é um
assunto delicado por dois motivos.
Por um lado, porque qualquer pessoa
que se beneficia por crimes contra a humanidade poderia ser considerada
diretamente culpável ou cúmplice do crime.
Por outro, porque os crimes contra os direitos humanos não devem ser
confundidos com violações ou abusos aos direitos econômicos, já que isto pode
esvaziar o caráter proeminente dos direitos humanos. Em realidade, acumular
fortuna não é um direito, mas um privilégio, e quase nunca esse acúmulo é
eticamente limpo. Além disso, sendo que a propriedade (salvo a básica para
viver dignamente) não é um direito,
algumas punições de crimes econômicos sob a rubrica de crimes humanitários
poderiam tornar mais fraca a atitude contra os direitos humanos, e sugerir que
a questões relativas a dinheiro ou propriedade também têm um lugar no projeto
de DH.
Entendo, porém, que dado o poder
absoluto das elites econômicas no Brasil, sua denúncia ao TPI pode diminuir sua impunidade. A observação do brilhante
procurador sobre Nahas me parece valiosa, porém é um assunto sobre o qual não
tenho clareza e prefiro não me manifestar.
Problemas e
Atores
No caso Pinheirinho houve,
inicialmente, uma forte onda organizada de defesa popular. A audiência de ALESP organizada por Giannazi e Diogo, as denúncias de abuso sexual feitas por Suplicy, a recente audiência na
Comissão de Direitos Humanos do Senado são sinais de ação defensiva contra o
ataque demolidor do clube do democídio paulista. No plano da iniciativa não
oficial, foram realizados e propostos numerosos atos, encontros, campanhas de
solidariedade material e moral. Ao nível da propaganda, as páginas da Internet
que descrevem o drama de Pinheirinho em forma objetiva publicadas nas
principais línguas de Europa, se mantêm estabilizadas num número entre 900 mil
e 1,1 mi, o que parece indicar que o efeito internacional poderia estagnar-se,
pelo menos, por enquanto.
Até o começo de fevereiro, havia mais
de 600 denúncias de abusos da polícia contra os moradores, incluindo detenção
violenta, pancadas, coronhadas, tiros com balas deformáveis, uso de armas
letais, incêndio de tendas, difusão de gases de efeito “moral”, feridas graves,
suspeitas não resolvidas de homicídio, etc. Uma parte delas aparece
detalhadamente num informe do CONDEPE
que já circulou pela Internet.
Mas, não há certeza de que esses
crimes estejam sendo apurados e o único que realmente ganhou enorme impacto
público foi a vigorosa denúncia de Suplicy contra o abuso sexual de uma família
e o grave ferimento a bala de um rapaz.
Subsistem numerosos interrogantes,
que se não fossem esclarecidos em curto tempo, poderão ficar no esquecimento,
como aconteceu com Carandiru, Carajás, Praça da Sé, os múltiplos Febéns, e vários
outros crimes de estado da aliança PMDB-PSDB, que já somam centenas.
·
A
polícia reconhece que infiltrou alcaguetes entre os povoadores, para
“protege-los”. De fato, como sempre, foram introduzidos aí para identificar os
líderes e depois poder prendê-los e tortura-los. Também, para gerar provocações
e atos de vandalismo dos quais se acusará depois aos moradores. Mas, faltam
detalhes sobre esta operação.
·
Finalmente, o mais importante: HOUVE
OU NÃO MORTOS?
·
A
última informação era que a denúncia foi um erro, mas, então, onde está a lista
de todos os que realmente passaram pelo IML? Quantos eram exatamente, os moradores que estavam no cenário da
chacina, e quantos foram contados depois.
Observe-se que ainda hoje não se sabe
com precisão quantos habitantes tinha a comunidade no dia 22 de janeiro.
O coordenador da Comissão de DH da
OAB de São José dos Campos, Aristeu
César Pinto Neto tinha dito que alguns moradores denunciaram a morte de
pessoas, entre elas crianças. Observe a reflexão do advogado registrada na
mídia de 23 de janeiro:
"Requisitamos ao
IML (Instituto Médico-Legal) relatório sobre as ocorrências do domingo e
solicitamos aos hospitais que forneçam a documentação pertinente, já que houve
narrativas por parte dos moradores de que houve mortes. São muitos relatos
convergentes, como o de um episódio em que uma bomba de gás foi lançada em uma
tenda com uma mãe e crianças que depois saíram em ambulâncias"
É verdade que não é possível acusar
sem provas, e é verdade que a Agência Brasil, que tinha reproduzido a denúncia
de Pinto Neto, se retificou algo depois (Vide). Mas, a retificação da Agência
Brasil apenas mostra que ela não dispõe de provas de que existam assassinatos. Não prova que esses assassinatos não
existissem. Eles podem ter existido ou não, mas para saber isso é
necessário fazer uma investigação.
Aliás, durante semanas foi condicionado o acesso de jornalistas,
foi impedido o acesso de pessoas independentes, foi descartada qualquer nova
investigação, e incluso o deputado Adriano Diogo esteve em risco de ser
sequestrado pela polícia, quando tentou fazer algo tão básico e humano como
conhecer o estado dos feridos.
O advogado da OAB que fez a denúncia
de assassinatos foi imediatamente removido, num clima de notório
constrangimento por parte da instituição. Não teria sido mais consistente
exigir provas de sua afirmação, do que mandar ele calar a boca? O fato de que
as autoridades da OAB que puniram o advogado por seu comentário se tenham
mostrado tão afobadas não é, sem dúvida, uma prova, mas deixa no ar uma grande
suspeita de que setores independentes da comunidade podem ter tido algum grau
de cumplicidade com os crimes do governo e o judiciário.
Proposta
Face a esta obscura situação,
acredito que há numerosas razões para pedir que o Tribunal Penal Internacional inicie uma investigação sobre o caso
Pinheirinho e, como medida cautelar, expeça ordens de captura contra:
·
O
governador do Estado de São Paulo
·
O
Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
·
O
Secretário de Segurança do Estado de São Paulo.
·
O
Prefeito da cidade de São José dos Campos.
·
A
juíza da comarca de SJ dos Campos, que interveio neste problema.
Os próximos artigos sobre este
assunto estarão destinados a concretizar a forma de realizar a denúncia que
proponho.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPrezado Carlos Lungarzo,
ResponderExcluircabe lembrar que já existe óbito sim.
E o desaparecimento da jovem mãe Juliana Dantas, e seu bebê recém nascido.
Tenho muitos depoimentos desabafos, onde perguntam por esta jovem.
Hora de colocar a boca no trombone, pois o Povo Pinheirinho está com medo, e muitos me ligam para pedir COMIDA!
Que país é este que destrói vidas, destrói pessoas desta forma?
Tenho visitado lugares insalubres, onde crianças que tinham quintal e pomar, agora vivem em meio a garagens, tocas, casas de desconhecidos, vulneráveis a sabe-se lá mais que coisa! E pais desempregados, desgastados, desvalidos, perdidos, trabalhando apenas para comer, quando conseguem.
***
Quem sou?
Uma IN voluntária - não faço isto por querer - e sim por ver a necessidade de amenizar a dor que corre em mim, ao ver meu semelhante em condições degradantes, me vi obrigada a tentar mitigar a dor que este DESgoverno promoveu.
Carmen Sampaio
11 9620 2079.