Malvinas: Um Setor da Direita
Britânica Apoia Entrega
Carlos A. Lungarzo
O cotidiano britânico The Daily Telegraph, fundado em 1855, com uma circulação diária
de mais de 630.000 exemplares, publicou hoje (5 de março de 2012) uma pesquisa
entre seus leitores cujos resultados se encontram em apuração no momento de
escrever este artigo, mas que estão praticamente decididos. Nela (vide), entre 25.771 pessoas
entrevistadas, 58% votaram que o UK deve render soberania em favor da
Argentina, 28% disseram que deve conservá-la, e só 14% disseram que a decisão
cabe aos ilhéus.
Há um detalhe interessante. Para quem
não conhece o jornalismo britânico, é bom advertir que o Telegraph é considerado de maneira unânime um veículo informal do
Partido Conservador inglês, a tal ponto que seu apelido na gíria londrinense é The Torygraph, ou seja, algo como “O Conservógrafo”. Outros setores da direita contestam a fidelidade dessa pesquisa,
mas, mesmo que ela não seja realmente científica, não há dúvida de que os
leitores do Daily que apoiam a
soberania britânica são minoria.
Isto pode parece esquisito. Acaso
setores latinoamericanos que se percebem de esquerda (mas que, de fato,
integram um tipo político que se pode chamar “social-nacionalista”), não dizem
que o domínio britânico nas Malvinas é um ato de colonialismo? Por outro lado,
todos sabemos que, salvo durante a curta transição do absolutismo monárquico à
direita liberal no século 19, sempre o nacionalismo tem sido um distintivo da
direita, uma forma de materializar a mística patriótica, como no Romantismo
Alemão (Herde, Fichte, Schelling e outros), de atribuir concreção a formas de
pensamento racista e excludente, como no fascismo, no falangismo, no nazismo e na
direita violenta da Europa Oriental, e de encontrar um nexo sólido entre
militarismo e religiosidade.
Entretanto, também sabemos que a
direita não é homogênea. Aliás, é tão heterogênea que às vezes se fusiona com
grupos que dizem ser de esquerda para formar frentes populistas e fascistoides.
Embora as direitas tenham em comum um modelo autoritário e darwinista, nem
todas elas são “principistas” ou “metafísicas”. Alguns setores da direita mais
moderna são extremamente pragmáticos e não se importam com os símbolos e
fetiches de sua própria ideologia, mas preferem privilegiar o lucro e o
benefício pessoal.
Os leitores do Daily são da classe média e de um setor conservador do
proletariado, que deseja maior bem-estar, e tem poucas preocupações por valores
humanitários. Aliás, o leitor típico é um “conservador popular”, que considera
os habitantes das Falklands como
“cidadãos de segunda categoria”, o que, aliás, foi a tradição da direita
britânica em muitos momentos, inclusive quando foi criada a expressão racista kelper (“comedor de algas”), hoje
abandonada, para se referir aos Falklanders.
De fato, salvando talvez a distância
do nível cultural, boa parte dos leitores do Telegraph têm muito a ver com a população “para-fascista” dos
países subdesenvolvidos. A explicação é trivial: para um grupo populista na
Europa, uma palavra de ordem que pode gostar a seus seguidores é: “não percamos
dinheiro ajudando os ilhéus”. Para eles, os direitos dos “kelpers” são
desprezíveis, e os conservadores se tornarão muito mais populares pedindo ao
governo que feche o buraco na bolsa do orçamento das ilhas, e abandone um sonho
de soberania típico da ultradireita mais rançosa e fanática. Com efeito, até
agora e ressalvando o possível futuro “brilhante” do petróleo malvineiro, as
ilhas só foram perda de dinheiro e de vidas para os britânicos.
Por sua vez, as massas fascistizadas
da América do Sul, fascinadas pelos líderes carismáticos, o culto a
personalidade, e a ilusão de uma identidade dada através do “heroísmo”,
manifestam o mesmo desprezo, embora não por razões práticas: apenas por
fanatismo e racismo. Ambos têm em comum a idéia de que os falklanders são lixo humano, como quase explicitamente disse o
governo argentino.
Para os demagogos e a direita em
geral da América do Sul, a criação de um foco de ódio contra alguém poderoso (hoje
é o UK, mas poderia ser a França ou a Holanda, ou até o Japão) é uma maneira de
distrair a atenção, de criar outra hipótese de conflito, e de manter a massa
sob os efeitos de uma Emotionale Pest,
como dizia a Escola de Frankfurt.
Fora da Argentina, as grandes massas
parecem totalmente alheias as pretensões de seus governos de formar um grande
eixo com Buenos Aires. Em particular, não se percebe nenhum interesse no
assunto nos populares brasileiros, exceto, em alguns casos, de perplexidade
pelas características algo “exóticas” do problema.
É claro que a razão não se demonstra
por maioria, e por isso quase todos os plebiscitos são apenas atos de
demagogia. Mas a maioria sim tem o direito de cuidar seus interesses. A maioria
das pessoas esclarecidas suspeitam que a mobilização pró-Argentina no Brasil
não passa de um circo (romano, não “du Soleil”), mas, se por acaso se tornasse
realidade, o conflito poderia afetar também os populares brasileiros, que já
são vítimas de excessivas injustiças como para arcar também com as alheias.
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