domingo, 29 de agosto de 2010

Heloisa Buarque de Hollanda » Estética da Periferia

Estética da Periferia

Atualizado em 18 de agosto | 16:56

Respostas às perguntas para catálogo da Exposição Estética da Periferia

Gringo Cardia e Heloísa Buarque de Holanda

1) Qual é a importância da estética que vem da periferia?

Num tempo em que a comunicação não possuía o alcance que tem hoje e, controlava os conteúdos a serem difundidos, as estéticas do povo ficavam circunscritas aos seus territórios, encontrando pouca ressonância, salvo quando artistas e intelectuais lançavam outros “olhares” sobre tais manifestações.

Hoje, a noção de território não é mais determinante. Com o suporte das novas tecnologias a comunicação assumiu não só maior velocidade, como novas características no relacionamento social e individual. Vivemos a era dos fluxos. A materialidade que outrora determinou as relações humanas e o próprio conhecimento, está transformada. Nesse sentido, as estéticas produzidas pelas periferias ganham nova visibilidade, uma vez que as tecnologias, em seu caráter rizomático[1], destituíram a hegemonia de algumas expressões estéticas em favor da multiplicidade de estéticas.

Quanto ao valor cultural que tem as estéticas da periferia é inquestionável a importância dessas expressões culturais no conjunto da diversidade que nos caracteriza. Não podemos definir identidade cultural nacional, simplesmente porque ela não existe no singular. Nossa cultura é plural e as estéticas centrais e periféricas, como o tecnobrega de Belém, o funk carioca ou o hip hop paulistano, compõem essa multiplicidade, sendo cada vez mais reconhecidas, também por isso.

2) A estética da periferia sempre subverte os padrões culturais vigentes? Qual a sua impressão sobre essa afirmação?

De modo geral as estéticas populares periféricas mobilizam códigos e significados menos comportados, pois emanam como solução imediata às práticas de sobrevivência, geralmente, árduas. Muito das manifestações estéticas da periferia emergem com certa espontaneidade e, enquanto expressão de desejos de populações, pode afrontar as estéticas centrais e os códigos morais vigentes. Deixa-se, muitas vezes, de apreender ou reconhecer os conteúdos revelados por tais estéticas, por pré-conceitos que definem a arte e seu papel, ou por descrença nas qualificações desse público criador e reprodutor de tais estéticas.

Um outro exemplo de subversão das estéticas da periferia está assinalado nas características assumidas pelo modernismo em São Paulo e no Brasil. Aqui transformamos os princípios da arte e da estética vigentes a partir da redefinição antropofágica de nossas influências européias e eruditas somadas aos traços mais populares de nossas manifestações culturais.

No entanto, nem sempre as estéticas periféricas têm força para subverter os padrões culturais mais oficiais. Ao longo da história poderíamos identificar diversas manifestações que, embora incríveis, ousadas e criativas, não conseguiram a adesão necessária para fazerem oposição ao discurso das estéticas centrais.

3) Como você percebe esse movimento de estética que vem da periferia e, cada vez mais é aceita para o consumo amplo da sociedade?

Os “frankfurtianos” (Adorno, Marcuse, Horkeimer) afirmaram que quanto mais avançasse o capitalismo, mais enredado nos interesses de mercado ficariam todos os “produtos e subprodutos” humanos. E desse conjunto fazem parte as subjetividades, os valores, as relações interpessoais e etc… Não compartilho totalmente desse pressuposto, mas não deixo de negar que o interesse comercial pela criatividade das estéticas periféricas causa-me um certo incômodo. Penso que a cooptação do mercado poderia ser minimizada, se os mecanismos de incentivo cultural e as formas de subsídio à cultura fossem melhor ajustados, num primeiro plano, aos interesses do bem público e dos criadores, e, só posteriormente, aos interesses de ordem comercial.


[1] A noção de rizoma, cunhada pelo filósofo Gilles Deleuze e pelo psicanalista Felix Guatari foi extraída da botânica (espécie de raiz) mas, nesse contexto pretendido justifica uma nova ordem na articulação de idéias e significados. Nesse caso, qualquer ponto do rizoma pode ser conectado a qualquer outro. É a afirmação de uma heterogênese em oposição à ordem filiativa do modelo de árvore e raiz. O rizoma é distinto disso tudo, pois não fixa pontos nem ordens – há apenas linhas e trajetos de diversas semióticas, estados e coisas, e nada é desdobramento obrigatório, ou remetem, necessariamente, a outra coisa.



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