domingo, 22 de agosto de 2010

GETÚLIO VARGAS

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“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.”

Para esta atual geração brasileira será difícil entender alguém que se suicide por ela, ou alguém que lute por ela. Principalmente um presidente da República. É uma geração que perdeu a sua identidade e até a sua música sertaneja virou country. Seus bailes são baladas onde se dança funk e as músicas que compõe, entre dois “você” aparece um “baby”. Uma geração conformista: “Eles venceram e o sinal está fechado pra nós/ que somos jovens...”. É a geração celular-ipod-twiter, que vive no mundo virtual, só pensa em como ganhar dinheiro da maneira mais fácil e somente se preocupa com o seu pequeno mundinho existencial. Uma geração não pensante, repetidora de idéias prontas vindas da mídia, ansiosa por sexo e drogas e qualquer coisa que altere os seus parcos cinco sentidos. Uma geração que não sabe ser nação, mas aceita ser massa e que entende país como território a ser barganhado.

      É claro que eu me refiro apenas aos 95% de jovens e não jovens que tem a mente colonizada. Deve haver 5% que ainda raciocinam por si mesmos e desconfiam que a vida não deve ser só o que aparece na televisão ou nas notícias da rede. Para eles este texto.

      Neste período de campanha para as eleições presidenciais em que vemos dois ou três candidatos mais destacados pela imprensa – justamente os candidatos que defendem o sistema político vigente, caracterizado pela entrega das nossas riquezas ao capital internacional, pela desigualdade social, miséria e corrupção – é justo que lembremos Getúlio Vargas, um presidente que foi, antes de tudo, nacionalista e defensor do povo – exatamente a antítese dos lulas, dilmas, serras e outros do mesmo gênero.

      Pode parecer estranho, mas houve um período na história do Brasil, aliás, um período muito mal contado pela oficial História do Brasil, durante o qual o povo acreditou que poderia ajudar a criar um país com identidade própria. Isso aconteceu dos anos ’30 aos anos ’50, com algum rescaldo até ’64, ano em que o Brasil foi dominado por forças trogloditas.

      Mas, em 1930, contra todas as expectativas, surgiu um movimento revolucionário a partir do Rio Grande do Sul e com o apoio da Paraíba e Minas Gerais, que depôs o então presidente Washington Luís e instalou no governo Getúlio Vargas. Longe de ser mais um movimento golpista – dentre todos os movimentos golpistas que permearam a nossa história, desde o Império, passando pela instauração da República e até aquele presidente deposto – a revolução de 1930 teve como objetivo o fim das velhas oligarquias e a tentativa de um Brasil novo.

“Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social.”

      Aqueles que dominavam o Brasil até Getúlio Vargas, e que voltaram a dominar após 1964, não suportaram as reformas do Governo Provisório. Tanto foi assim, que em 1932 o poder econômico de São Paulo forjou uma segunda revolução, esta bem mais sangrenta, na tentativa vã de recuperar os seus anteriores privilégios. Era uma época em que parte do exército brasileiro ainda era nacionalista. E tendo a bandeira do nacionalismo como objetivo principal, o governo Vargas, que perdurou por 15 anos, como ditadura apoiada pela maioria do povo, até 1945, transformou a vida dos brasileiros que, até então, eram totalmente destituídos de direitos trabalhistas e sociais. Algumas das suas realizações:

      - Criação da OAB, do Correio Aéreo Nacional, do Departamento Nacional do Café, do Departamento de Correios e Telégrafos, da carteira de trabalho, do Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool, do Código Florestal (vigente até 1965), do IBGE, do Código Brasileiro de Telecomunicações, da Lei de Proteção dos Animais (ainda em vigor).

      Foi criado o salário mínimo, a Consolidação das Leis do Trabalho, a Previdência Social, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, a Justiça do Trabalho, a estabilidade no emprego, o descanso semanal remunerado. Foi regulamentado o trabalho dos menores de idade, da mulher e o trabalho noturno. Fixada a jornada de trabalho em oito horas diárias de serviço e ampliado o direito à aposentadoria a todos os trabalhadores urbanos. Foram abolidos os impostos nas fronteiras interestaduais, já em 1931, e foi modernizado e ampliado o imposto de renda. Criado o Código de Minas e a Lei de Falências.

      Da mesma forma que a Argentina, com Peron, aos poucos o Brasil de Vargas ia-se firmando como país independente em busca de seu próprio rumo. Isto era claramente contra a política dos Estados Unidos. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial o Brasil foi obrigado a declarar guerra à Alemanha, depois que navios brasileiros foram afundados por navios estrangeiros que ostentavam a bandeira nazista. Até então, o Brasil tinha se conservado neutro na guerra e muitos estranharam o fato, por não haver nenhuma razão para a Alemanha hostilizar o Brasil, mas os Estados Unidos desejavam muito que o nosso país entrasse na guerra européia.

      25.000 pracinhas foram mobilizados e o exército brasileiro foi enviado para a Itália, onde ocupou o lugar do exército dos Estados Unidos, que pode, então, se mobilizar para invadir a Alemanha. Naquele período começaram os contatos entre militares brasileiros e dos Estados Unidos. A palavra “democracia” era usada para todos os motivos; difamava-se o governo Vargas, alianças eram feitas.

“Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.”

      Com o fim da II Guerra, em 1945, os militares brasileiros derrubaram o governo de Getúlio. Seguiram-se eleições e foi eleito o general Dutra que reforçou a aliança com os Estados Unidos, dilapidou as reservas cambiais com a sua política de importação dos Estados Unidos, o que fez com que houvesse o desaceleramento da indústria nacional e crescimento da dívida externa.

      Eleito senador por dois estados – Rio Grande do Sul e São Paulo -, em 1946, foi o único parlamentar a não assinar a Constituição de 1946, atuando como opositor do Governo Dutra, a quem considerava um traidor, e da nova ordem que se instalava. Depois de dois anos no Senado, retirou-se para a sua cidade natal de São Borja.

“Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.”

      Aos 68 anos, concordou em concorrer nas eleições de 1950 para a presidência da República. Com um discurso de conciliação, percorreu 77 cidades na sua campanha eleitoral, lembrando as suas realizações durante o Estado Novo. Era alvo do ódio dos entreguistas manipulados por Washington e pagos por Wall Street. Um deles, Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa, chegou a declarar: “O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. Lacerda foi um precursor do jornalismo golpista, tão comum em nossos dias.

      Eleito, Getúlio procurou fazer um governo claramente nacionalista, batendo de frente contra os interesses dos Estados Unidos – que queriam um Brasil colonizado e submisso aos seus interesses, conforme presenciamos hoje. Entre as suas muitas realizações de cunho nacionalista, as mais marcantes foram:

      O decreto nº 30.363, de 1952, que dispôs sobre o retorno de capital estrangeiro, limitando-o a 8% do total dos lucros de empresas estrangeiras para o país de origem, revogado em 1991.

      A lei n° 2004, de 1953, sobre o monopólio estatal da exploração e produção de petróleo, revogada em 1997.

      Marcantes, porque essas leis tocaram nos privilégios das oligarquias. Naquela época, os agentes dos Estados Unidos fizeram correr o boato de que o Brasil não tinha petróleo e quando finalmente se verificou o contrário, tentaram passar uma lei de privatização no Congresso, que entregaria para eles todo o controle da extração do petróleo, enquanto o Brasil receberia apenas os “royalties”, ou seja, uma espécie de aluguel pela extração por empresas multinacionais - o que acontece hoje.

“Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.”

      Mas na época de Getúlio não era tão simples assim. Foi criada a PETROBRÁS (que, então, era totalmente brasileira) que deu ao Estado o controle sobre o petróleo. E a lei que criou o monopólio estatal do petróleo no Brasil foi revogada em 1997, durante o governo podre de Fernando Henrique Cardoso, que vendeu o Brasil ao capital estrangeiro.

      A outra lei que tocou no bolso dos mercadores foi a de remessa de lucros para o exterior. Na época, era um carnaval. Uma empresa instalava-se aqui, utilizava a nossa mão de obra barata, produzia riquezas para si e exportava todo os seus lucros para a matriz, no exterior – conforme é hoje.

      Mas com Getúlio não era tão simples assim. Fez promulgar um decreto que previa o envio de apenas 8% dos lucros das multinacionais no Brasil. Decreto que foi revogado em 1991, durante o governo de Collor de Mello, colocado e retirado do poder pela Rede Globo.

      E a Rede Globo da época de Getúlio eram o Jornal Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda – que também era dono da Rádio Globo -, o jornal O Estado de São Paulo, que atacava a política nacionalista (como até hoje o faz, quando algum político menos corrupto tenta ser nacionalista) e os Diários Associados, de Assis Chateubriand, que também era dono da rede Tupi de televisão. Muito dinheiro rolava para subvencionar esses veículos de (des)informação.

      Mas a lei que detonou o golpe contra Getúlio foi aquela que reajustou o salário mínimo em 100%, em fevereiro de 1954.

“Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.”

      A partir daquele momento as forças mais reacionárias mostraram as suas unhas. E os seus canhões. Os militares, liderados por Golbery do Couto e Silva, escreveram o “Manifesto dos Coronéis”, retirando o apoio a Getúlio na área militar. E foi armado o que foi chamado de “Atentado da Rua Tonelero”. Naquele suposto atentado, um major (Rubens Vaz) foi assassinado e Carlos Lacerda teria sido ferido no pé.

      Lacerda afirmou que o autor teria sido Gregório Fortunato, um agregado de Getúlio. Mas há diversas versões para o fato. O "Jornal do Brasil" entrevistou o pistoleiro Alcino João do Nascimento, aos 82 anos em 2004, o qual garantiu que o primeiro tiro que atingiu o major Rubens Vaz partiu do revólver de Carlos Lacerda. Existe também um depoimento de um morador da rua Tonelero, dado à TV Record, em 24 de agosto de 2004, que garante que Carlos Lacerda não foi ferido a bala. Os documentos, laudos e exames médicos de Carlos Lacerda, no Hospital Miguel Couto, onde ele foi levado para ser medicado, simplesmente desapareceram.

“Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.”

      A partir daquele fato o governo foi envolvido no que Getúlio chamou de “mar de lama”. O Exército deu a ele a possibilidade de renunciar. Simples assim. Os aliados sumiram. O Ministro da Justiça, Tancredo Neves, sugeriu o licenciamento e Getúlio respondeu que somente sairia do governo morto.

      Getúlio Vargas cometeu suicídio com um tiro no coração em seus aposentos no Palácio do Catete, na madrugada de 24 de agosto de 1954. Junto a ele foi encontrada uma carta, que depois seria chamada de carta-testamento que, em seu final, diz assim:

“E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

(Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)”


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Os trechos em negrito e em itálico são da carta-testamento de Getúlio Vargas.

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