terça-feira, 23 de junho de 2009

Sobre um parágrafo de Michel Foucault: resposta a muitas questões?

Heliana de Barros Conde Rodrigues

Professora-adjunta do Departamento de Psicologia Social e Institucional, Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

RESUMO


Em "Resposta a uma questão", artigo-réplica a perguntas encaminhadas a Michel Foucault pela revista Esprit, um parágrafo concernente às relações entre a constituição da medicina clínica e a Revolução Francesa nos parece, ainda hoje, paradigmático do modo de pensar foucaultiano. O presente ensaio dele parte, no intuito de distinguir a perspectiva foucaultiana daquelas ligadas à História das Mentalidades e à Sociologia do Conhecimento. Em seguida, usa-o como ferramenta analítica de uma recente polêmica, relativa a uma investigação que se propõe a mapear o cérebro de "adolescentes infratores". Avalia-se que o parágrafo mencionado faculta entender de modo singular o repúdio de uma parcela da intelectualidade e da militância ao projeto de pesquisa em pauta. Com isso, a "Resposta a uma questão" se amplia a uma resposta a muitas questões, especialmente ao que se pode entender por defesa dos Direitos Humanos no campo dos saberes e regimes de verdade.

(...)Mas se a nota vem no tempo oportuno e, decerto, também parcialmente apoiada em tal estatuto – não fossem muitos de seus signatários pesquisadores universitários, teríamos chegado a conhecê-la?18 –, será repudiável pelo conteúdo? É a partir daqui que damos início ao desdobramento do parágrafo de Foucault em "muitas questões".

Segunda questão: podemos extrair da prática política critérios de julgamento de cientificidade? Consoante Foucault (1972), "a prática política não reduz a nada a consistência do campo discursivo no qual ela opera" (Foucault, 1972: 76). Em face dessa autonomia ao menos relativa, estaríamos impedidos de nos pronunciar sobre as ciências? Não se trata disso. Ainda de acordo com Foucault, embora a prática política não seja o tribunal universal da razão, pode-se, em nome dela, "colocar em questão o modo de existência e de funcionamento de uma ciência" (Foucault, 1972: 77) – interrogar, em suma, aquilo que está diretamente relacionado com a prática política.

Voltemos à nota. Seu conteúdo se atém a essa relação direta? Nem sempre. Arvora-se ela em tribunal último? Dificilmente se poderia afirmá-lo. Senão vejamos.

Talvez o trecho em que a relação entre política e cientificidade esteja manifestamente em pauta seja o seguinte:

Privilegiar aspectos biológicos para a compreensão dos atos infracionais dos adolescentes em detrimento de análises que levem em conta os jogos de poder-saber que se constituem na complexa realidade brasileira e que provocam tais fenômenos é ratificar sob o agasalho da ciência que os adolescentes são o princípio, o meio e o fim do problema, identificando-os seja como "inimigo interno" seja como "perigo biológico", desconhecendo toda a luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes, que culminou na aprovação da legislação em vigor – o Estatuto da Criança e do Adolescente. Pensar o fenômeno da violência no Brasil de hoje é construir um pensamento complexo... (grifos nossos).

Dizer, no calor da hora, que "os jogos de poder-saber" provocam "os atos infracionais dos adolescentes" – é o que se depreende do texto – e que a pesquisa dos cérebros, ao contrário, visa a reduzi-los a aspectos biológicos é aderir às hipóteses abandonadas por Foucault, no caso assim sintetizáveis: os setores progressistas aqueles que lutaram pelo ECA, digamos – são dotados de percepções e idéias complexas, levando em conta, no modo de perceber e conceituar as infrações, os fatores sociais, ao passo que os setores reacionários, de forma simplista e redutora, vêem e conceituam os mesmos fenômenos como decorrentes de uma má herança e/ou um mau ambiente. (...)

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FONTE : http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652008000200010.

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