segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

O MONITOR DA REPRESSÃO - por Líbia Luiza

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O MONITOR DA REPRESSÃO

por *Líbia Luiza Num esquema geral de enquadramento de ideologias e partidos surgido nas Assembleias Francesas do século XVIII, durante a Revolução Francesa, foram definidos como ''esquerda'' e ''direita'' posições políticas características e por vezes polarizadas. Para Bobbio (1909, p. 33), ''esquerda'' e ''direita'' não indicam apenas ideologias, mas também posições opostas em relação a diversos problemas cuja solução remete à ação política. Esses contrastes não são só de ideias, mas também de interesses e de valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade, eles existem em toda sociedade e para o autor, não há possibilidade deles simplesmente desaparecerem. Não obstante estas definições, alguém pode eventualmente assumir uma posição mais à esquerda numa matéria e uma postura de direita noutra, ou até de extremo sentido em qualquer delas. Além do mais, ainda há outros esquemas de enquadramento que tendem a delimitar entre os conceitos de pensamento ''conservador'' e ''revolucionário''. Dada tal complexidade, como seria possível, portanto, apontar um pensamento como doutrinador?.
Primeiramente, vejamos a etimologia da palavra: ‘‘Doutrinar 1. (regência múltipla): formular, transmitir, pregar doutrina ou nela instruir alguém; ensinar. "doutrinou a criança (nos princípios da fé)". 2. (transitivo direto): incutir em (alguém) opinião, ponto de vista ou princípio sectário; inculcar em alguém uma crença ou atitude particular, com o objetivo de que não aceite qualquer outra.’’ Partindo de tais definições, é possível verificar que doutrinar está ligado ao sentido de persuadir, estabelecer um ponto de vista como o verdadeiro (sem talvez, mostrar os demais). Parece também se relacionar um pouco com o sentido de ‘‘dogma’’: algo imposto e incontestável. Isto é, verdade absoluta, que deve ser aceita através da autoridade e que não é passível de questionamentos.
Faremos então um recorte simplificado do que é o ensino público brasileiro tradicional e também do que a sociedade em geral pensa sobre ele: numa sala de aula brasileira tradicional, um professor (tradicional) assume uma posição de autoridade: teoricamente, ele é o mais preparado para transmitir informações em alguma matéria específica. Ele posiciona-se de pé, enquanto os alunos estão sentados. Ele fala, os alunos ouvem. Ele também gerencia o comportamento dos alunos, e pune quando achar conveniente. Ademais, os alunos são submissos às ordens deste professor. Podendo ser, inclusive, advertidos ou ainda, expostos à chacota perante os demais por atitudes guiadas pelo próprio professor.
Pressupõe-se também que o aluno é leigo, ingênuo, desinstruído, submisso, incapaz de formular suas próprias opiniões. Mas sim, onde entra a tal doutrinação?. Teoricamente, ela está inserida numa relação desse tipo, e ocorre quando o professor não ensina o assunto de modo neutro e desenviesado.
No entanto, como seria isso na prática?. Um professor chega na sala de aula e diz: ‘Segundo cientistas, a Terra possui formato geoide, quase esférico, mas isso é contestável... Conforme terraplanistas, a Terra é plana.’ Ou ainda: ‘Conforme uns, o nazismo é de extrema-direita, conforme outros, é de esquerda.’ Ou: ‘Essa cor é branca, mas há quem diga que é...’ [insira a sua pseudociência]. Imaginou a confusão?. E no vestibular, todas as respostas seriam as corretas?. Isso seria uma relativização sem precedentes!. Tudo poderia ser considerado como verdadeiro. E ainda, pensar dessa maneira é infantilizar o aluno, é subestimar sua capacidade de pensar por si mesmo, raciocinar e julgar... De fato, educar é um ato político. Não há coisa como ''educação neutra''. Como diria Eagleton (1997, p.17): ''Não existe tal coisa como pensamento livre de pressupostos, e então qualquer idéia nossa poderia ser tida como ideológica.'' A propósito, a própria atitude de levantar bandeiras a favor da neutralidade, é em si, ideológica. Posicionar-se a favor de permanecer as coisas do modo que estão é definido, conforme filósofos e cientistas políticos, como pensamento conservador.
Vejamos agora o contexto político brasileiro atual: o Brasil passa por um momento de recrudescimento político-ideológico de modo extremo. Grupos de direita que se apoiaram na muleta ideológica do antipetismo agora querem impor pautas no Congresso como a ‘‘Escola sem partido’’ e adotar políticas em prol do combate ao petismo, ao comunismo, e enfim, a tudo o que definem como ‘‘esquerdismo’’. Algo bem macartista mesmo.
É fato, portanto, que essa perseguição que grupos de direita impõem aos professores, é um reacionarismo: no fundo de todo esse discurso, não querem um ‘‘‘‘ ensino neutro’’’’ (e haja aspas para o que isso teoricamente significa), mas um ensino conservador, para o que eles definem como bom: ‘‘moral, pátria, deus e bons costumes’’. E a não existência desses ‘‘valores’’ na escola é visto como algo a ser combatido. O professor já não pode mais ser livre para lecionar, teria que obedecer a esses pressupostos, se não, é considerado inimigo: exposto, filmado e perseguido.
O ''Monitor da Doutrinação'', portanto, é o novo modo de criminalizar os professores que não atendem a essa pauta irracional da direita. Algo bem orwelliano mesmo, com direito a câmeras, e agora, a uma plataforma de denúncias e perseguição ao que denominam de ‘‘‘‘doutrinação ideológica’’’’. Referências: BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Ed. da Universidade Estadual Paulista, 1909. EAGLETON, T. Ideologia. Uma introdução. São Paulo: Boitempo, 1997.

*Líbia Luiza é advogada e vive em Barreiras, Bahia,Brasil

Um comentário:

  1. Ótima matéria e triste realidade brasileira e que lutemos para que seja breve.

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