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Entrevista: “Não há déficit da Previdência”, afirma desembargador do TRT2
Desembargador
do TRT da 2ª Região, professor titular de Direito do Trabalho da
Faculdade de Direito da USP (Fadusp) e autor de 43 livros nas áreas de
Direito do Trabalho e legislação trabalhista e previdenciária, Sergio
Pinto Martins fala nesta entrevista sobre a “contraditória afirmação” de
que existe déficit na Previdência brasileira.
O
desembargador também aponta caminho diverso da contrarreforma para dar
sustentabilidade à Previdência. “Fazer a economia funcionar normalmente,
aumentando o número de empregados ou de segurados que contribuem para o
sistema. Em vez de o governo fazer propaganda de que se não for feita
reforma, vai quebrar o sistema, deveria fazer propaganda para que as
pessoas se conscientizassem que tem que contribuir para o sistema e que
todos vão ser beneficiados”.
Confira a entrevista na íntegra
Desembargador, em um dos seus artigos, o senhor diz não acreditar no déficit da previdência. Poderia nos explicar o porquê?
Há
fundamento constitucional no artigo 76 do ADCT [Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias], acrescentado pela Emenda Constitucional
n.º 27, de 22 de março de 2000, que estabeleceu que, no período entre
2000 a 2003, 20% da arrecadação de contribuições sociais da União, já
instituídos ou que vierem a ser criados no referido período, seus
adicionais e respectivos acréscimos legais, seria desvinculado de órgão,
fundo ou despesa. A Emenda Constitucional n.º 42/2003 prorrogou o
período de 2003 a 2007. A Emenda Constitucional n.º 93/16 ampliou o
porcentual de desvinculação de recursos da União (DRU), passando a
prever que são desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de
dezembro de 2023, 30% da arrecadação das contribuições sociais da União.
Agora, o porcentual não é de 20, mas de 30%.
No
ano 2000, a arrecadação da contribuição sobre o lucro foi de R$ 8,665
bilhões e somente R$ 4,441 bilhões foram destinados à Seguridade Social.
A COFINS no ano 2000 arrecadou R$ 38,634 bilhões, sendo que R$ 21,553
bilhões foram destinados para outros fins, mas não para a Seguridade
Social. A CPMF arrecadou em 2000 R$ 14,397 bilhões, mas só foram
destinados R$ 11,753 bilhões para a Saúde.
No
ano de 2001 houve arrecadação de contribuições sociais de R$ 136,879
bilhões. R$ 31,5 bilhões foram repassados ao Orçamento Fiscal da União,
visando gerar superávit primário.
O
Ministério do Planejamento afirmou que em 2013 o déficit do sistema
seria de R$ 83,66 bilhões. Em 2015, o déficit do sistema teria sido de
R$ 86 bilhões.
Entretanto,
segundo dados da Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (Anfip)
e da Fundação Anfip, em 2005 o sistema teve superávit de R$ 73,5
bilhões; em 2006, R$ 60,2 bilhões; em 2007, R$ 72,9 bilhões; em 2008, R$
64,9 bilhões; em 2009, R$ 33,1 bilhões; em 2010, R$ 55,5 bilhões; 2011,
R$ 76,6 bilhões; em 2011, R$ 76,6 bilhões; em 2012, R$ 81,4 bilhões; em
2013, R$ 78,6 bilhões, em 2014, R$ 53,8 bilhões.
É
contraditória a afirmação de que não há recursos suficientes ou existe
déficit do sistema e 30% das contribuições da Seguridade Social são
usadas para pagar outras contas e não os benefícios da Seguridade
Social.
Não há déficit da Previdência Social. Logo, por esse motivo não é o caso de se falar em reforma da Previdência Social.
É
correta a afirmação de que a Conta Previdência, mantida basicamente
pelas contribuições dos trabalhadores e empregadores, de onde saem ou
deveriam sair os valores para as aposentadorias e pensões, não tem
déficit?
A
meu ver sim. O que existe é que no curso do tempo determinados
benefícios foram criados, mas não há fonte de custeio específica, porque
o segurado não precisa provar que contribuiu e tem direito a um salário
mínimo de benefício na área rural.
Os
que defendem a existência do déficit argumentam que a Constituição de
1988 determinou que o Sistema de Seguridade Social abrangeria a Saúde, a
Previdência Social e a Assistência Social e, dessa forma, ao
direcionarmos recursos cada vez mais crescentes para as aposentadorias e
pensões estaríamos diminuindo os investimentos em saúde e assistência
social. Isso é verdade?
No
meu ponto de vista, não. Existem diversas fontes de custeio previstas
na Constituição e nas leis. Existem diversas fontes de custeio da
Seguridade Social no artigo 195 da Constituição: I- do empregador, da
empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes
sobre: a- a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,
mesmo sem vínculo empregatício; b- o faturamento, que são duas as
contribuições: a COFINS (Lei Complementar n. 70/91) e PIS (Lei
Complementar n.º 7/70); c- o lucro (Lei n.º 7.689/88); II- do
trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral
de previdência social; III- sobre a receita dos concursos de
prognósticos; IV- do importador de bens ou serviços do exterior ou de
quem a lei a ele equiparar.
Outras
receitas da Seguridade Social são: I - as multas, a atualização
monetária e os juros moratórios; II - a remuneração recebida por
serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros;
III - as receitas provenientes de prestação de outros serviços e de
fornecimento ou arrendamento de bens; IV - as demais receitas
patrimoniais, industriais e financeiras; V - as doações, legados,
subvenções e outras receitas eventuais; VI - 50% dos valores recuperados
a título de tráfico de entorpecentes; VII - 40% do resultado dos
leilões dos bens apreendidos pelo Departamento da Receita Federal; VIII -
outras receitas previstas em legislação específica (art. 27 da Lei n.º
8.212). Cinquenta por cento do prêmio do seguro obrigatório de veículos
automotores de vias terrestres deve ser destinado ao Sistema Único de
Saúde-SUS, para custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados
vitimados em acidentes de trânsito.
E porque cada vez mais se fala em “déficit previdenciário”?
Porque
é uma forma de tentar justificar a necessidade da reforma. Isso já foi
feito outras vezes nas outras reformas previdenciárias. Não é novidade.
Como estudioso do tema, como o senhor avalia o atual sistema previdenciário brasileiro?
Acho que é um sistema bom e que tem mais benefícios que em outros países.
O que pode ser feito para dar sustentabilidade à previdência?
Fazer
a economia funcionar normalmente, aumentando o número de empregados ou
de segurados que contribuem para o sistema. Em vez de o governo fazer
propaganda de que se não for feita reforma, vai quebrar o sistema,
deveria fazer propaganda para que as pessoas se conscientizassem que tem
que contribuir para o sistema e que todos vão ser beneficiados se mais
pessoas contribuírem. Aliás, o melhor deveria ser não gastar dinheiro do
sistema de Previdência Social para se fazer propaganda, mas pagar os
benefícios ou prestar os serviços.
Vários
setores da sociedade entendem que, antes de qualquer projeto de reforma
previdenciária, seria necessário promover uma auditoria completa nas
contas da previdência. Qual a sua opinião a esse respeito?
Eu
já disse isso no meu livro Reforma Previdenciária [ed.Atlas], em 2004.
Isso se justifica pelo fato de que há dados contraditórios. O governo
afirma que há déficit e a Anfip assevera o contrário. São retirados até
30% dos recursos provenientes de contribuições do sistema de Seguridade
Social e depois se afirma que há déficit. Logo, não há déficit.
Qual a sua avaliação sobre a PEC 287/2016?
Penso
que ela é negativa em vários aspectos, principalmente em limite de
idade, pois certas pessoas, como em Alagoas, podem não se aposentar. O
segundo ponto é contribuir 49 anos para fazer jus ao benefício integral.
As pessoas não vão conseguir se aposentar com o valor integral, pois ou
vão morrer antes ou não vão conseguir provar todo o tempo necessário.
Edição de ANDES-SN com imagem de Anajustra
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