segunda-feira, 5 de julho de 2010

LEI DA FICHA LIMPA: O POVO COMO OBJETO, NÃO SUJEITO, DAS MUDANÇAS

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"Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali, sozinho
Eu vou ficar tanto pior"
(Chico Buarque)

Como qualquer cidadão com espírito de justiça, contemplo indignado a falta de critério dos eleitores brasileiros, que elegem notórios corruptos e delinquentes contumazes, espertalhões que trocam falsamente de domicílio eleitoral para concorrerem em grotões onde a vitória é mais fácil, ministros que usaram todo o peso do seu poder para achatar um coitadeza qualquer, etc.

Mas, como revolucionário, só vislumbro um caminho coerente para a erradicação dessa praga: convencermos os eleitores a repudiarem os feios, sujos e malvados da política.

O caminho policialesco de se pressionar autoridades para barrá-los burocraticamente é uma admissão implícita de falta de fé no povo, na possibilidade de esclarecimento do eleitorado.

Equivale a abdicar-se da conquista dos corações e mentes, optando pela imposição da vontade de uma minoria mobilizada sobre a maioria bovinizada.

E os folclóricos da política, os candidatos de mafuá, os Enéas da vida: vamos encontrar um subterfúgio qualquer para impugnar também suas candidaturas?

E essas fanáticas e obscurantistas bancadas evangélicas, como vamos fechar as portas aos mercadores da fé?

No fundo, o rolo compressor virtual que tenta impingir autoritariamente a Lei da Ficha Limpa, inclusive incorrendo no absurdo jurídico da retroatividade, é composto por cidadãos que, por enxergarem um pouco mais do que os outros, querem enfiar-lhes goela adentro seus valores.

Nem só no cinema (
Tropa de Elite) e no futebol (Dunga) o autoritarismo escorraçado pelo povo brasileiro em 1985 insinua-se sorrateiramente, tentando voltar pela porta dos fundos; certas correntes virtuais fazem lembrar os ferrabrazes que iniciaram as escaladas de Hitler e Mussolini.

Repito: revolucionários existem para livrar o povo de sua cegueira, a fim de que ele possa ser o sujeito na construção de uma História diferente.

Não para arrastá-lo, como objeto, na direção que se crê ser melhor para ele.

OS VÉUS QUE OCULTAM A
FACE MEDONHA DO VILÃO

A pior mazela dos políticos não são as pequenas falcatruas que praticam, mas sua subserviência aos valores do capitalismo, que norteiam e nortearão toda sua atuação, irremediavelmente, enquanto não resgatarmos a humanidade do primado do lucro sobre as necessidades humanas.

Tendem a ser desonestos porque o sistema a que estamos submetidos estimula a ganância, o privilégio e a competitividade, o "levar vantagem" sobre os outros a todo custo e por quaisquer meios. É o sistema o inimigo, não seus zumbis, os indivíduos por ele teleguiados.

Bem mais danosa para os eleitores é a atuação limpa dos políticos, ajudando a estabelecer e manter a exploração do homem pelo homem, do que essas delinquências de ladrões de galinhas de que tanto se ocupa a imprensa burguesa, exatamente para desviar a atenção do principal: mais do que qualquer um dos que o servem, o capitalismo, em si, é criminoso e constitui ameaça terrível para a sobrevivência da humanidade.

Quando discernirmos quem é o verdadeiro vilão estaremos no caminho certo para o combatermos. Por enquanto, ingenuamente, ajudamos a manter as ilusões que convêm aos poderosos, os muitos véus atrás dos quais o vilão oculta sua face medonha.

Desde os tempos da UDN, já lá se vai mais de meio século, o moralismo na política serve aos objetivos da direita, duma ou doutra maneira.

Pois parte do pressuposto e inspira esperanças de que o sistema possa ser saneado, purificado, quando, na verdade, está podre até a medula e tem de ser revolucionado.

Trabalhei, duas décadas atrás, na assessoria de comunicação do Palácio dos Bandeirantes. Dia após dia, ficava enojado com os dirigentes do Estado mais poderoso do Brasil: velhacos e pulhas, quase todos.

De vez em quando, havia solenidades às quais compareciam os prefeitos e presidentes de câmaras municipais de todos os municípios paulistas. Tinha vontade de chorar: saltava aos olhos que quem tentava sofregamente substituir os poderosos chefões não passava de mais do mesmo, piorado.

Eles tinham todos os defeitos dos que haviam chegado ao topo da carreira, acrescidos de uma crassa ignorância. A versão tosca daquela ralé moral da qual eu era profissionalmente obrigado a me ocupar, tapando o nariz.

Enfim, fico pasmo ao constatar que muitos companheiros de esquerda contribuem para colocar a cidadania correndo atrás de miragens. Quanto tempo desperdiçamos percorrendo caminhos que não levam a lugar nenhum!

OS CAÇADORES DE CABEÇAS
E OS JUDAS DE OCASIÃO

E vejo com enorme apreensão esses rolos compressores que se formam para impor medidas ao arrepio do Direito.

Quem só leva em conta o interesse imediato aplaude: aberrações como a retroatividade implícita que o Tribunal Superior Eleitoral acatou, servem ao objetivo do momento.

Mas, e quando os contestadores do sistema formos enquadrados em leis que nem sequer existiam quando os atos imputados ocorreram, acharemos graça?

Pois, enquanto durar o capitalismo, seremos sempre nós, os empenhados em construir uma sociedade mais justa e igualitária, os alvos preferenciais das injustiças.

Se ajudarmos a implodir barreiras contra o autoritarismo, acabaremos prejudicados adiante, correndo o risco de ser linchados por vias legais. Como o foi Cesare Battisti no julgamento italiano, realizado num período em que os rolos compressores esmagavam o Direito na terra de Mussolini.

Então, apesar de ter sido sempre crítico contundente de Gilmar Mendes, tendo várias vezes o apontado como o presidente mais parcial e desastroso da história do STF; apesar de desprezar profundamente o ministro José Antonio Dias Tóffoli, por sua omissão vergonhosa no Caso Battisti; apesar de considerar particularmente desprezível o senador Heráclito Fortes; ainda assim lembro que a Lei da Ficha Limpa, da forma como querem aplicá-la, é juridicamente insustentável e comporta mesmo os questionamentos legais que lhe estão sendo feitos, bem como a concessão de liminares para sustar seus efeitos.

Chega de populismo primário e irresponsável! Nosso papel é o de elevar a consciência política dos cidadãos, para que eles possam tomar seu destino em mãos.

Não o de tangê-los a agirem como caçadores de cabeças, justiceiros que se limitam a malhar os Judas de ocasião, sem que isto sequer arranhe os fundamentos da dominação capitalista.

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