Visceralmente avesso aos podres poderes, só tomei conhecimento da existência de Cezar Peluso, ministro do Supremo Tribunal Federal, quando ele apresentou seu relatório no kafkiano julgamento do pedido de extradição do escritor italiano Cesare Battisti.
Fiquei pasmo: tendo várias vezes entrado em contato com a Justiça em minha longa trajetória de lutas, jamais vira um relator tão arbitrário. Conseguiu ser pior ainda do que os farsantes que atuavam nas auditorias militares durante a ditadura de 1964/85.
Assim o analisei imediatamente após a primeira sessão de julgamento:
Fiquei pasmo: tendo várias vezes entrado em contato com a Justiça em minha longa trajetória de lutas, jamais vira um relator tão arbitrário. Conseguiu ser pior ainda do que os farsantes que atuavam nas auditorias militares durante a ditadura de 1964/85.
Assim o analisei imediatamente após a primeira sessão de julgamento:
"O ministro Cezar Pelluzo produziu um relatório tão parcial e tendencioso que, fosse o STF um tribunal que se desse ao respeito, não poderia sequer ter sido aceito.Peluso está prestes a assumir a presidência da mais alta corte do País. Rodízio tem consequências nocivas como esta: conferir tamanho poder a quem dele fará o pior uso possível. Se como ministro tem sido uma calamidade, imaginem como presidente!
"Pois o que se espera de um relator é uma apreciação desapaixonada, que avalie com equilíbrio os argumentos de ambas as partes, não o alinhamento incondicional com uma parte (a Itália) contra a outra (Cesare Battisti e o governo brasileiro)".
Daí a importância do que é revelado sobre Peluso no artigo Acórdão do Caso Battisti: críticas e propostas, de Carlos Lungarzo.
Como militante da Anistia Internacional há três décadas, Lungarzo acompanhou atentamente a trajetória recente desse juiz. E traça um perfil devastador, que nos deve inspirar muitas reflexões:
"...Peluso é o verdadeiro arquiteto da condenação do escritor italiano. (...) Peluso teceu complicadas falácias, às quais grudou fatos pseudo-históricos que temperou com sarcasmos e ofensas ao ministro da Justiça. Tático preciso no curto prazo, o relator rogou de joelhos a tutela da Itália, e poluiu os discursos de seus 'dissidentes', como no caso de Eros Grau, para tergiversar seu voto.
...ele não desesperou quando, apesar de todos seus esforços para criar o caos, não conseguiu que Eros Grau desistisse de votar pelo direito de Lula. Apertou os dentes e comentou sobre as conseqüências desse ato: se Battisti não fosse extraditado, ficaria eternamente preso no Brasil, porque só ele poderia liberá-lo. É mais que provável (embora não ainda provado) que sua experiência tenha ajudado o advogado da Itália a retificar a proclamação de resultado na extemporânea sessão de dezembro, fora de qualquer prática legal, coagindo Eros Grau a cair na 'virada de mesa', como foi chamada por Marco Aurélio.
Peluso não é um político ambicioso, um magistrado performático: é um personagem de O Nome da Rosa com experiência em acender fogueiras. Ele ficou famoso por vários votos que emitiu no STF desde que foi nomeado ministro.Aborto de Anencéfalos
No dia 27/09/2004, o procurador geral Cláudio Fonteles, fundamentalista católico e militante franciscano, (...) requereu ao Plenário do STF uma definição sobre a liminar concedida por Marco Aurélio de Mello a uma mulher grávida de um feto anencefálico para poder abortar legalmente.
O julgamento, promovido pelo lobby dos bispos, mostrou (muito antes do caso Battisti) os riscos de uma sociedade na qual a justiça é distribuída por fanáticos místicos e pessoas que, sob qualquer pretexto, se aliam a eles... De maneira imprevisível para um país ocidental, pretensamente líder no continente, na alvorada do século 21, a liminar foi cassada parcialmente por 7 votos contra 4 durante a sessão do 20/10.
Nem todos esses sete votos em favor da tortura ritual foram da mesma intensidade. O voto de Cézar Peluso destacou-se por ser o único que cassava a liminar na íntegra, interrompendo de imediato qualquer processo no qual pudesse ser aplicada.
Alguém interrogou Peluso sobre a crueldade gratuita de uma lei que exigia gerar um filho que estava destinado a morrer imediatamente. O juiz não duvidou em sua resposta:
- Todos nascemos para morrer.
Durante uma sessão do tribunal, o advogado Barroso (um dos defensores do caso Battisti) e outros se referiram ao sofrimento de uma mãe que deveria passar meses de uma gravidez de altíssimo risco, para dar à luz uma criança com a qual criaria laços de carinho, e que veria morrer horas depois numa agonia horrível. Também então respondeu com convicção, para que ninguém pudesse acusá-lo de algum sentimento profano:
- O sofrimento não degrada a dignidade humana. É, ao contrário, essencial. O remorso também é sofrimento.
Se você duvida de que alguém possa ter dito algo dessa espécie num país ocidental no século 21, clique aqui.Células-Tronco
No 29/05/2008, o STF chegou a uma conclusão favorável sobre a lei que permite o uso de células tronco embrionárias em pesquisas biológicas. Aquela sessão é considerada por todos uma das mais tumultuadas e confusas já tidas no tribunal. Segundo alguns observadores, inclusos colegas de Peluso, este teria hesitado sobre se deveria votar a favor ou contra. Entretanto, até alguns ministros conservadores se impressionaram pelos argumentos dos cientistas, e pelo terrível espetáculo de ativistas cadeirantes que reclamavam seu direito á vida e à felicidade nas redondezas do fórum.
Mas a lei contava com a maldição da CNBB, e de dois de seus Oberführer mais importantes: o monástico procurador Fonteles e o advogado dos militares, Ives Gandra Martins, ferrenho inimigo do Plano Nacional de DH e da Lei de Igualdade Racial. Peluso ficou algum tempo acima do muro, o suficiente para que seu voto fosse computado como negativo. No dia seguinte, tentou consertar a situação e, envergonhado, acusou aos membros da audiência de não ter entendido seu voto, que, segundo ele, era positivo.Contra os DH
A magistratura curte, em sua maioria, um senso de sacralidade sobre sua própria atividade. Isto ficou em evidência quando a historiadora, escritora e antropóloga francesa Fred Vargas formulou suas famosas 13 perguntas ao Ministro Peluso, nas quais as falácias do relatório ficavam expostas, e as afirmações inverídicas sobre fatos eram contrastadas com os fatos reais acontecidos durante os 4 crimes tortuosamente imputados a Battisti.
Peluso, comprometido com o holocausto de Battisti, recusou-se a responder as perguntas formuladas por Vargas, e até a pedir documentos que a Itália sonegava, que teriam importância fundamental para julgar o extraditando. P. ex., o relator rejeitou a possibilidade de conferir (com uma perícia feita no Brasil) a falsificação que o Tribunal do Júri de Milão fez das procurações atribuídas a Battisti. Veja minha demonstração passo-a-passo das provas encontradas por Fred Vargas aqui.
O currículo de Peluso contra os DH não se limita a atacar o direito à diversidade religiosa (quando defendeu a presença do crucifixo no STF), nem a negar os direitos biológicos ao aborto e à saúde, nem mesmo a condenar inocentes em função de interesses da direita, a cuja parte mais arcaica e inquisitorial ele pertence. Não é “apenas” isso, não...
No ano 2005, antes de ter adquirido sua fama atual, já Peluso adotou uma atitude condizente com sua vocação. Concedeu habeas corpus ao coronel Mario Colares Pantoja, comandante do massacre em Eldorado dos Carajás (Pará), no qual 19 manifestantes sem-terra pacíficos foram assassinados. Um prêmio merecido para aqueles que querem limpar o planeta de inconformados que exigem os direitos que só os senhores merecem. Se a faxina for feita com sangue, o espaço ficará mais limpo.
Este é um retrato rápido, rigorosamente documentado, do homem que mantém Cesare Battisti como refém. Uma pessoa que louva o sofrimento (dos outros), que acredita na identidade entre o ser humano e o esperma ancorado no óvulo, despreza os plebeus que se incomodam com o despotismo do Judiciário, louva a presença de cadafalsos num país considerado laico, e facilita a vida de genocidas.
Puritanismo, sadismo, carolice, desprezo pela humanidade. Este é o homem que os milhares de amigos de Battisti devemos confrontar. Detrás dele, o poder da espada, a cruz e a mídia. Uma luta desigual da qual não podemos fugir."
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