Num encontro que reuniu, na semana passada em Caracas, representantes de partidos de esquerda de 40 paises da África, América Latina, Ásia, Europa e Oceania, foi aprovada a proposta do presidente venezuelano Hugo Chávez, de constituição da 5ª Internacional Socialista.
Segundo o jornalista Jacob Blinder, "Hugo Chávez sugeriu a Venezuela para ser sede dessa Internacional, que ela deveria vir acoplada com a criação de uma escola de formação de quadros, e que os participantes não deveriam apenas se ater a questões teóricas – mas sim partirem para ações práticas de construir (ou reconstruir) o socialismo no mundo e para que ele tenha vigência no Século XXI".
Para melhor situarmos a iniciativa de Chávez, vale uma recapitulação história.
A 1ª Internacional Socialista foi criada em 1864 por sindicalistas ingleses, proudhonistas franceses, republicanos italianos e marxistas alemães, tendo sido marcada por agudas divergências entre Karl Marx e o anarquista Mikhail Bakunin.
O primeiro defendia um modelo mais centralizador, com um comitê central procurando calibrar o avanço do movimento revolucionário em escala mundial, enquanto Bakunin a via como uma espécie de federação de unidades autônomas, que tomariam suas grandes decisões a partir das circunstâncias locais e não de uma coordenação da luta com a de outros países.
Em 1871, quando a heróica Comuna de Paris foi destruída pela ação conjunta dos reacionários franceses e alemães, o marxismo saiu teoricamente fortalecido no movimento proletário internacional, pois se constatou que fez muita falta um apoio mais efetivo dos revolucionários de outros países.
A burguesia internacional se apresentou unida no campo de batalha e venceu. Com seu brilhantismo habitual, Marx fez desta derrota uma arma contra o autonomismo dos anarquistas: se as nações capitalistas conjugariam suas forças para sufocar qualquer governo operário que fosse instalado, então os movimentos revolucionários precisariam também transpor fronteiras, para terem alguma chance de êxito.
Mas, ao anunciar como tarefa da 1ª Internacional estimular a eclosão de novas Comunas como a de Paris, Marx assustou os governos europeus, que passaram a perseguir a associação, forçando-a a realizar secretamente seus congressos seguintes.
Além disto, os ramos mais moderados do trabalhismo (começando pelos ingleses) dela se dissociaram, assustados. Até que, enfraquecida pelas cisões (os blanquistas franceses também debandaram), optou pela autodissolução, em 1876.
REFORMISTAS E "SOCIAISPATRIOTAS" - A semente plantada frutificou, entretanto, na poderosa 2ª Internacional, convocada por Friedrich Engeles, que aglutinou em 1889 os grandes partidos socialistas consolidados nesse ínterim.
A bonança, entretanto, não fez bem a esses partidos. Muitos dirigentes, deslumbrados com os aparelhos conquistados, passaram a querer mantê-los a qualquer preço, lutando por melhoras para a classe operária do seu próprio país, em detrimento da solidariedade internacional. E teorizaram que o socialismo poderia surgir a partir das reformas realizadas pacificamente e do crescimento numérico da classe média, sem necessidade de uma revolução.
A deflagração da 1ª Guerra Mundial cindiu definitivamente o movimento revolucionário: os reformistas acabaram alinhados com os governos de seus respectivos países no esforço guerreiro, enquanto os marxistas conclamaram os proletários a não dispararem contra seus irmãos de outras nações.
Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo encabeçaram a reação contra os (por eles designados pejorativamente como) sociaispatriotas e os trâmites para a fundação da 3ª Internacional, contraponto àquela que perdera sua razão de ser.
Em 1917, surgiu a primeira oportunidade de tomada de poder pelos revolucionários desde a Comuna de Paris. E os bolcheviques discutiram apaixonadamente se seria válida uma revolução em país tão atrasado como a Rússia – uma verdadeira heresia à luz dos ensinamentos marxistas.
Para Marx, o socialismo viria distribuir de forma equânime as riquezas geradas sob o capitalismo, de forma que beneficiassem o conjunto da população e não apenas uma minoria privilegiada. Então, ele sempre augurara que a revolução mundial começaria nos países capitalistas mais avançados, como a Inglaterra, a França e a Alemanha.
Um governo revolucionário na Rússia seria obrigado a cumprir tarefas características da fase da acumulação primitiva do capital, como a criação de infraestrutura básica e a industrialização do país. O justificado temor de alguns dirigentes bolcheviques era de que, assumindo tais encargos, a revolução acabasse se desvirtuando irremediavelmente.
Prevaleceu, entretanto, a posição de que a revolução russa seria o estopim da revolução mundial, começando pela tomada de poder na Alemanha. Então, alavancada e apoiada pelos países socialistas mais prósperos, a construção do socialismo na Rússia se tornaria viável.
SOCIALISMO NUM SÓ PAÍS - Os bolcheviques venceram, mas seus congêneres alemães foram derrotados em 1918. A maré revolucionária acabou sendo contida no mundo inteiro e, como era previsível, várias nações capitalistas se coligaram para combater pelas armas o nascente governo revolucionário. Mesmo assim, o gênio militar de Trotsky acabou garantindo, apesar da enorme disparidade de forças, a sobrevivência da URSS.
Quando ficou evidente que a revolução mundial não ocorreria tão cedo, a União Soviética tratou de sair sozinha da armadilha em que se colocara. Devastada e isolada, precisou criar uma economia moderna a partir do nada.
Nenhum ardor revolucionário seria capaz de levar as massas a empreenderem esforços titânicos e a suportarem privações dia após dia, indefinidamente. Só mesmo a força bruta garantiria essa mobilização permanente, sobrehumana, de energias para o desenvolvimento econômico. A tirania stalinista cumpriu esse papel.
A revolução saiu dos trilhos marxistas, deixando de conduzir ao "reino da liberdade, para além da necessidade". Como único país dito socialista, a URSS passou a projetar mundialmente seu modelo despótico, que encontrou viva rejeição nas nações avançadas.
Avaliando que Stalin sacrificava os movimentos revolucionários de países como a Espanha, França e Alemanha aos interesses egoístas da URSS, Trotsky convocou em 1938 a 4ª Internacional, comprometida com os ideais revolucionários puros, inclusive o de que a revolução proletária é mundial e somente assim poderá ser vitoriosa.
Nunca conseguiu ser uma força política verdadeiramente influente, por mais que tivesse razão na maioria das questões. Durante a guerra fria, os revolucionários tendiam a alinhar-se com os polos do socialismo real, mesmo discordando de suas políticas. Quantos não se horrorizavam intimamente com as repressões desencadeadas na Hungria (1956) e Checoslovaquia (1968) mas, mesmo assim, as defendiam em público?!
Então, o papel da 4ª Internacional acabou sendo apenas moral: representava a melhor tradição do pensamento revolucionário, mas pouco conseguia realizar de concreto, além de ser minada por intermináveis disputas internas.
E, com a queda do muro de Berlim, a 4ª Internacional não conseguiu oferecer alternativa ao refluxo revolucionário em escala mundial.
No entanto, continua agrupando trotskistas do mundo inteiro e deverá realizar seu 16ª congresso mundial em 2010.
Olhando as coisas de forma realista, a 4ª Internacional tem existência apenas vegetativa, não cumprindo seu papel de unir as forças revolucionárias do mundo inteiro para uma nova ofensiva global contra o capitalismo.
CRÉDITO PARA A NOVA TENTATIVA - Poderá fazê-lo a 5ª Internacional de Chávez?
Neste momento, os bolivarianos têm a proposta internacionalista mais influente e pujante, daí não ser descabida a proposta de Chávez e nem mesmo o papel que ele pessoalmente assumiu, ao lançar o movimento.
Mas, o grande desafio será fazer dessa associação uma verdadeira Internacional, reunificando o movimento revolucionário. Ou seja, com presença marcante também nos países do 1º mundo, onde a aguda contestação das décadas de 1960 e 1970 cedeu lugar à insossa hegemonia direitista, às vezes reforçada pela coopção de partidos outrora comunistas.
O que Marx dizia em 1848 continua valendo: é nas nações de economia avançada que se decide o destino do mundo.
Atacar a corrente capitalista no elo mais fraco, os países periféricos, serve para a sobrevivência e acumulação de forças dos movimentos revolucionários. Mas, não se deve perder de vista que o objetivo maior continua sendo o de colocar a imensa riqueza e potencial produtivo das nações prósperas a serviço da humanidade.
Devemos, sim, dar um crédito de confiança a esta 5ª Internacional, pois é um passo na direção certa.
Só o futuro dirá se vai ou não cumprir seu papel... mas, aos revolucionários cabe sempre arregaçarem as mangas e tentarem direcionar os acontecimentos para o futuro almejado, não ficarem apenas criticando à distância, como sábios no topo da montanha.
Segundo o jornalista Jacob Blinder, "Hugo Chávez sugeriu a Venezuela para ser sede dessa Internacional, que ela deveria vir acoplada com a criação de uma escola de formação de quadros, e que os participantes não deveriam apenas se ater a questões teóricas – mas sim partirem para ações práticas de construir (ou reconstruir) o socialismo no mundo e para que ele tenha vigência no Século XXI".
Para melhor situarmos a iniciativa de Chávez, vale uma recapitulação história.
A 1ª Internacional Socialista foi criada em 1864 por sindicalistas ingleses, proudhonistas franceses, republicanos italianos e marxistas alemães, tendo sido marcada por agudas divergências entre Karl Marx e o anarquista Mikhail Bakunin.
O primeiro defendia um modelo mais centralizador, com um comitê central procurando calibrar o avanço do movimento revolucionário em escala mundial, enquanto Bakunin a via como uma espécie de federação de unidades autônomas, que tomariam suas grandes decisões a partir das circunstâncias locais e não de uma coordenação da luta com a de outros países.
Em 1871, quando a heróica Comuna de Paris foi destruída pela ação conjunta dos reacionários franceses e alemães, o marxismo saiu teoricamente fortalecido no movimento proletário internacional, pois se constatou que fez muita falta um apoio mais efetivo dos revolucionários de outros países.
A burguesia internacional se apresentou unida no campo de batalha e venceu. Com seu brilhantismo habitual, Marx fez desta derrota uma arma contra o autonomismo dos anarquistas: se as nações capitalistas conjugariam suas forças para sufocar qualquer governo operário que fosse instalado, então os movimentos revolucionários precisariam também transpor fronteiras, para terem alguma chance de êxito.
Mas, ao anunciar como tarefa da 1ª Internacional estimular a eclosão de novas Comunas como a de Paris, Marx assustou os governos europeus, que passaram a perseguir a associação, forçando-a a realizar secretamente seus congressos seguintes.
Além disto, os ramos mais moderados do trabalhismo (começando pelos ingleses) dela se dissociaram, assustados. Até que, enfraquecida pelas cisões (os blanquistas franceses também debandaram), optou pela autodissolução, em 1876.
REFORMISTAS E "SOCIAISPATRIOTAS" - A semente plantada frutificou, entretanto, na poderosa 2ª Internacional, convocada por Friedrich Engeles, que aglutinou em 1889 os grandes partidos socialistas consolidados nesse ínterim.
A bonança, entretanto, não fez bem a esses partidos. Muitos dirigentes, deslumbrados com os aparelhos conquistados, passaram a querer mantê-los a qualquer preço, lutando por melhoras para a classe operária do seu próprio país, em detrimento da solidariedade internacional. E teorizaram que o socialismo poderia surgir a partir das reformas realizadas pacificamente e do crescimento numérico da classe média, sem necessidade de uma revolução.
A deflagração da 1ª Guerra Mundial cindiu definitivamente o movimento revolucionário: os reformistas acabaram alinhados com os governos de seus respectivos países no esforço guerreiro, enquanto os marxistas conclamaram os proletários a não dispararem contra seus irmãos de outras nações.
Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo encabeçaram a reação contra os (por eles designados pejorativamente como) sociaispatriotas e os trâmites para a fundação da 3ª Internacional, contraponto àquela que perdera sua razão de ser.
Em 1917, surgiu a primeira oportunidade de tomada de poder pelos revolucionários desde a Comuna de Paris. E os bolcheviques discutiram apaixonadamente se seria válida uma revolução em país tão atrasado como a Rússia – uma verdadeira heresia à luz dos ensinamentos marxistas.
Para Marx, o socialismo viria distribuir de forma equânime as riquezas geradas sob o capitalismo, de forma que beneficiassem o conjunto da população e não apenas uma minoria privilegiada. Então, ele sempre augurara que a revolução mundial começaria nos países capitalistas mais avançados, como a Inglaterra, a França e a Alemanha.
Um governo revolucionário na Rússia seria obrigado a cumprir tarefas características da fase da acumulação primitiva do capital, como a criação de infraestrutura básica e a industrialização do país. O justificado temor de alguns dirigentes bolcheviques era de que, assumindo tais encargos, a revolução acabasse se desvirtuando irremediavelmente.
Prevaleceu, entretanto, a posição de que a revolução russa seria o estopim da revolução mundial, começando pela tomada de poder na Alemanha. Então, alavancada e apoiada pelos países socialistas mais prósperos, a construção do socialismo na Rússia se tornaria viável.
SOCIALISMO NUM SÓ PAÍS - Os bolcheviques venceram, mas seus congêneres alemães foram derrotados em 1918. A maré revolucionária acabou sendo contida no mundo inteiro e, como era previsível, várias nações capitalistas se coligaram para combater pelas armas o nascente governo revolucionário. Mesmo assim, o gênio militar de Trotsky acabou garantindo, apesar da enorme disparidade de forças, a sobrevivência da URSS.
Quando ficou evidente que a revolução mundial não ocorreria tão cedo, a União Soviética tratou de sair sozinha da armadilha em que se colocara. Devastada e isolada, precisou criar uma economia moderna a partir do nada.
Nenhum ardor revolucionário seria capaz de levar as massas a empreenderem esforços titânicos e a suportarem privações dia após dia, indefinidamente. Só mesmo a força bruta garantiria essa mobilização permanente, sobrehumana, de energias para o desenvolvimento econômico. A tirania stalinista cumpriu esse papel.
A revolução saiu dos trilhos marxistas, deixando de conduzir ao "reino da liberdade, para além da necessidade". Como único país dito socialista, a URSS passou a projetar mundialmente seu modelo despótico, que encontrou viva rejeição nas nações avançadas.
Avaliando que Stalin sacrificava os movimentos revolucionários de países como a Espanha, França e Alemanha aos interesses egoístas da URSS, Trotsky convocou em 1938 a 4ª Internacional, comprometida com os ideais revolucionários puros, inclusive o de que a revolução proletária é mundial e somente assim poderá ser vitoriosa.
Nunca conseguiu ser uma força política verdadeiramente influente, por mais que tivesse razão na maioria das questões. Durante a guerra fria, os revolucionários tendiam a alinhar-se com os polos do socialismo real, mesmo discordando de suas políticas. Quantos não se horrorizavam intimamente com as repressões desencadeadas na Hungria (1956) e Checoslovaquia (1968) mas, mesmo assim, as defendiam em público?!
Então, o papel da 4ª Internacional acabou sendo apenas moral: representava a melhor tradição do pensamento revolucionário, mas pouco conseguia realizar de concreto, além de ser minada por intermináveis disputas internas.
E, com a queda do muro de Berlim, a 4ª Internacional não conseguiu oferecer alternativa ao refluxo revolucionário em escala mundial.
No entanto, continua agrupando trotskistas do mundo inteiro e deverá realizar seu 16ª congresso mundial em 2010.
Olhando as coisas de forma realista, a 4ª Internacional tem existência apenas vegetativa, não cumprindo seu papel de unir as forças revolucionárias do mundo inteiro para uma nova ofensiva global contra o capitalismo.
CRÉDITO PARA A NOVA TENTATIVA - Poderá fazê-lo a 5ª Internacional de Chávez?
Neste momento, os bolivarianos têm a proposta internacionalista mais influente e pujante, daí não ser descabida a proposta de Chávez e nem mesmo o papel que ele pessoalmente assumiu, ao lançar o movimento.
Mas, o grande desafio será fazer dessa associação uma verdadeira Internacional, reunificando o movimento revolucionário. Ou seja, com presença marcante também nos países do 1º mundo, onde a aguda contestação das décadas de 1960 e 1970 cedeu lugar à insossa hegemonia direitista, às vezes reforçada pela coopção de partidos outrora comunistas.
O que Marx dizia em 1848 continua valendo: é nas nações de economia avançada que se decide o destino do mundo.
Atacar a corrente capitalista no elo mais fraco, os países periféricos, serve para a sobrevivência e acumulação de forças dos movimentos revolucionários. Mas, não se deve perder de vista que o objetivo maior continua sendo o de colocar a imensa riqueza e potencial produtivo das nações prósperas a serviço da humanidade.
Devemos, sim, dar um crédito de confiança a esta 5ª Internacional, pois é um passo na direção certa.
Só o futuro dirá se vai ou não cumprir seu papel... mas, aos revolucionários cabe sempre arregaçarem as mangas e tentarem direcionar os acontecimentos para o futuro almejado, não ficarem apenas criticando à distância, como sábios no topo da montanha.
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