Então, depois de ler, estarrecido, o texto no qual o cientista político Cesar Benjamin acusava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de lhe haver relatado uma tentativa de estupro que teria cometido em 1980, resolvi esperar a evolução do caso antes de condenar inapelavelmente quem um dia foi herói deste sofrido país.
Mas, a minha avaliação inicial foi das mais negativas. Dai haver afirmado claramente, em artigo escrito de batepronto, que o relato de Benjamin, da forma como foi apresentado, lhe valeria uma condenação como caluniador em qualquer tribunal.
Algo assim só seria aceitável com a corroboração da suposta vítima ou, pelo menos, das outras pessoas que ele afirmou estarem presente na conversa.
Nas edições subsequentes, a Folha de S. Paulo nada acrescentou que verdadeiramente respaldasse a versão de Benjamin -- o qual não se manifestou, sequer.
E as reações vieram em cascata:
- o publicitário Paulo de Tarso da Cunha Santos, citado por Benjamin, afirmou que "o almoço a que se refere o artigo de fato ocorreu", que "o publicitário americano mencionado se chamava Erick Ekwall", e que não houve "qualquer menção sobre os temas tratados no artigo";
- ex-companheiros de cela de Lula no Dops, José Maria de Almeida (PSTU), José Cicote (PT) e Rubens Teodoro negaram a tentativa de estupro, tendo Almeida acrescentado que não havia ninguém do Movimento pela Emancipação do Proletariado na cela e Cicote se lembrado vagamente de que um sindicalista de São José dos Campos seria apelidado de "MEP";
- Armando Panichi Filho, um dois dois delegados do Dops escalados para vigiar Lula na prisão, disse nunca ter ouvido falar disso e não acreditar que tenha acontecido, mesmo porque, segundo ele, nem sequer havia "possibilidade de acontecer”;
- o então diretor do Dops Romeu Tuma também desmentiu "qualquer agressão entre os presos";
- o Frei Chico, um dos irmãos do presidente Lula, lembrou que a cela do Dops era coletiva e que nunca Lula ficou sozinho, pois estava preso com os outros diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (Rubão, Zé Cicote, Manoel Anísio e Djalma Bom);
- Lula, de acordo com o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto de Carvalho, teria ficado triste e abatido, afirmando que isso era "uma loucura".
Despeitada, a Veja fez questão de acrescentar que João "há cerca de três anos, ganhou uma indenização da Comissão de Anistia e foi viver em Caraguatatuba, no Litoral Norte de São Paulo", como se isto desqualificasse seu posicionamento.
TENDLER: BENJAMIN FEZ JUS
AO TROFÉU DE "LOIRA DO ANO"
AO TROFÉU DE "LOIRA DO ANO"
De tudo que foi publicado, quem trouxe mais luzes para a compreensão do imbroglio foi o cineasta Silvio Tendler, participante do encontro cujo nome Benjamin disse ter esquecido.
A coluna da Mônica Bergamo fez uma rápida menção ao esclarecimento de Tendler, registrando que ele recomendara jocosamente a outorga a Benjamin do "troféu de loira [burra] do ano" por não haver entendido "uma brincadeira, como outras 300" que o Lula fazia todos os dias.
Mas, a Folha ficou devendo a seus leitores o relato completo do cineasta. que praticamente pulverizou seu factóide. Vide estes trechos:
"O Lula adorava provocar... era óbvio para todos que ouvimos a história, às gargalhadas, que aquilo era uma das muitas brincadeiras do Lula.Balanço final:
"Todos os dias o Lula sacaneava alguém, contava piadas, inventava histórias. A vítima naquele dia era o marqueteiro americano. O Lula inventou aquela história, uma brincadeira, para chocar o cara.
"Como é possível que alguém tenha levado aquilo a sério? Só um débil mental, um cara rancoroso e ressentido como o Benjamin, guardaria dessa forma dramática e embalada em rancor, durante 15 anos, uma piada, uma evidente brincadeira."
- a tentativa de estupro em 1980 não foi confirmada por ninguém, nem mesmo pela suposta vítima;
- Lula parece haver feito em 1994 uma piada de mau gosto, como tantas outras que marcam sua trajetória de falastrão contumaz.
Concedeu, entretanto, uma página inteira para Benjamin colocar essa bobagem em circulação, municiando a propaganda direitista.
O flagrante desrespeito às boas práticas jornalísticas foi admitido pelo ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva, ao concordar com a observação de um leitor, segundo quem "não há outra opção ao jornal que publica artigo tão impactante quanto o de César Benjamin que a de, com suas equipes, tentar reconstituir os fatos narrados pelo autor".
Com a correção e a dignidade que o caracterizam, mas (perceptivelmente) sem poder dizer tudo que gostaria, o ombudsman fixou a posição correta:
"...é indispensável oferecer ao outro lado espaço e destaque similares para defender pontos de vista opostos aos do artigo de sexta-feira. O ideal seria a apuração factual dos eventos relatados e os argumentos contraditórios saírem com o artigo".Sem motivo nenhum para ser comedido, afirmo: jornalisticamente, a atuação da Folha foi indefensável, desprezível, manipuladora.
Desceu aos esgotos, repetindo o episódio em que usou outro bobo útil de esquerda para tentar envolver a ministra Dilma Rousseff com um plano para sequestrar Delfim Netto que nunca saiu do papel (de quebra publicando, para denegri-la, uma ficha policial falsa que circulava na internet).
Ou seja, a fábrica de factóides da rua Barão de Limeira está especializando-se em manipular episódios obscuros para afixar etiquetas falaciosas em personagens políticos: Dilma Rousseff, sequestradora; Lula, estuprador.
Agora, a propaganda enganosa da direita vai martelar essas acusações mentirosas até que passem por verdade, como ensinava Goebbels.
Cesar Benjamin, que não é ingênuo, jamais deveria ter-se prestado a um papel desses.
Agora, ou ainda vem a público, com enorme atraso, comprovar sua acusação, ou estará definitivamente morto para a política.
Quanto à Folha, já morreu para o jornalismo faz tempo.
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