domingo, 11 de outubro de 2009

A guerra civil brasileira

A marca de 150 mil mortes violentas por ano no Brasil é o maior indicador de que estamos vivendo nada menos do que uma Guerra Civil. Um conflito mal disfarçado, consequência da falta de ação de um Estado que, em cinco séculos de história, nunca funcionou como vetor pacificador, civilizatório. Esta é a análise proposta pelo médico e historiador Luís Mir, autor do livro Guerra Civil – Estado e Trauma, que pinta com cores fortes o quadro da violência no País e atribui à degradação social o mote principal da explosão das situações de risco para o cidadão comum.

Da forma como são apresentados, os números conferem à análise um tom convincente. De todas as mortes registradas por ano, 55 mil são assassinatos. Neste quesito, o Brasil figura destacadamente no ranking mundial: com 3% da população do globo, o país registra 13% de todos os homicídios do mundo. "Nos últimos 20 anos – 1980 a 2000 – foram assassinadas no Brasil 600 mil pessoas. De 1990 a 2000, dois terços: 369.101, dos quais 70% jovens entre 15 e 24 anos. Somos um país genocida com um Estado Pacífico, ou um Estado genocida com uma sociedade pacífica?", questiona o autor na apresentação do livro. Uma pergunta que ele próprio se propõe a responder nas mais de 900 páginas do ensaio.
Ao apresentar suas justificativas para o título, Luís Mir assume uma linguagem especial, quase como de um correspondente de guerra, descrevendo em agudas expressões o número de baixas, as estratégias e os custos desta guerra. Como exemplo da contundência do estilo, Mir descreve a ação policial com termos que desenham uma realidade beligerante: "A grotesca ofensiva policial-militar à criminalidade ambicionada pelo Estado brasileiro ignora a essência desta realidade (per capita baixo) e colabora dramaticamente para a acentuação do ressentimento étnico e a sua violência explosiva. As ofensivas são amorais e obscenas porque impõem soluções de pacificação que vitimam civis inocentes e esteiam infinitamente a violência".
O livro não poupa a ação passiva do Estado, apontado como promotor e responsável pela situação de insegurança que vivemos desde o Descobrimento. Mir destila sua crítica às elites dominantes que ‘controlam o Estado e sempre elegeram a repressão, o uso sistemático da violência como primeira solução para lidar com as desigualdades sociais. A redistribuição de renda – que poderia diminuir o fosso entre ricos e pobres, entre a elite e segregados – nunca foi considerada uma alternativa viável pelos donos do poder", conclui.
Na apresentação das estatísticas, o autor dá a impressão de colocar no mesmo tacho de fervura questões que não podem ser somadas aritmeticamente. Quando fala em 150 mil mortes violentas por ano, Luís Mir soma quase 100 mil vítimas de acidentes de trânsito. Em princípio, vítimas também da violência. Mas a informação colide com o argumento da degradação social como fator desencadeador: as causas e justificativas de um caso e outro são muito diferentes. Nos homicídios, há o peso pessoal-emocional, da eliminação motivada da vida; nos acidentes de trânsito, a irresponsabilidade e soberba podem ser os principais motes, atingindo vítimas sem identidade. Nada que afete profundamente o resultado do ensaio, apenas uma ideia para ser confrontada ao longo da leitura.

(Guerra Civil – Estado e Trauma, de Luís Mir - Geração Editorial, 960 páginas)

FONTE : http://letralegal.blogspot.com/2009/02/guerra-civil-brasileira.html

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