terça-feira, 13 de outubro de 2009

CASO BATTISTI: IMPRENSA BRASILEIRA ATUA COM DESLEIXO OU MÁ FÉ?

Aleijado por disparo do pai, Alberto Torregiani hoje é vítima profissional e inicia carreira política na direita

Um ótimo exemplo da leviandade com que parte da imprensa brasileira está acompanhando o Caso Battisti nos foi dado na semana passada.

A Folha OnLine publicou, no dia 07/10, uma notícia por ela creditada à "Ansa, em Milão" e que nem sequer entrou no portal latinoamericano dessa agência, de tão irrelevante: Vítima de Battisti quer ser ouvida pelo Supremo:
"O italiano Alberto Torregiani, uma das vítimas de um dos crimes pelos quais o ex-ativista de esquerda Cesare Battisti é condenado na Itália, pediu nesta quarta-feira para ser ouvido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que analisa o pedido de extradição feito pela Justiça italiana.

"Alberto é filho de Pierluigi Torregiani, que foi morto em frente à joalheria da família, em Milão, e também foi vítima da mesma ação, cometida em 1979. Ele foi atingido por um tiro e ficou hemiplégico.

"'Se os juízes não conseguem decidir porque falta alguma informação, eu os aconselho a escutarem também as vítimas. Eles conhecem a história apenas das cartas processuais', disse Torregiani, retomando um pedido que já havia feito.

"Em março passado, ele solicitou ser ouvido pelo Supremo, o que foi rejeitado, já que o STF não prevê depoimentos..."
Para que serve uma notícia destas, se não há hipótese nenhuma de Alberto Torregiani vir a depor na conclusão do julgamento do pedido de extradição italiano?

Obviamente, sua serventia, única e exclusiva, é criar prevenção contra Battisti, tentando tanger o STF para o desfecho que a Itália tanto quer enfiar-nos goela adentro.

Assim como a Ansa, a Folha de S. Paulo também percebeu que este mal dissimulado exercício de lobby era matéria de segunda linha, daquelas que só servem para fazer volume no pacote de notícias que as agências internacionais enviam diariamente a seus clientes: não o aproveitou.

Surpreendentemente, O Estado de S. Paulo embarcou, atrasadíssimo, nessa canoa furada. O vetusto jornalão conservador publicou idêntica ladainha no dia 10/10!

Afora a repetição do mesmíssimo blablablá, a notícia Vítima de grupo de Battisti quer depor acrescentou duas informações reveladoras.

A primeira é que Torregiani não tem absolutamente nada a testemunhar no Supremo:
"É difícil traçar um quadro do que está ocorrendo, mas os acontecimentos nos levam a pensar que está sendo procurada uma maneira de adiar a extradição", avalia Torregiani. Battisti sempre afirmou sua inocência e sustenta que o disparo que deixou Torregiani numa cadeira de rodas partiu da arma de seu próprio pai.

"E o que isso tem a ver?", replica Torregiani. "Battisti não fazia parte do comando, mas é uma questão de responsabilidade. Ele foi condenado por ter participado da tomada de decisão, por ter sido o mandante do crime, e o que importa são as intenções. O crime foi premeditado e agora ele deve assumir a responsabilidade por seus atos."
Isto veio ao encontro do que ele mesmo havia declarado à Ansa, que publicou em 30/10/2009 a notícia Filho de vítima diz que Battisti não estava presente em assassinato do pai :
"O italiano Alberto Torregiani, filho do joalheiro Pierluigi Torregiani, supostamente assassinado por Cesare Battisti, disse que não ficou surpreso com as declarações do ex-militante divulgadas pela imprensa brasileira, nas quais ele alega inocência.

"'Ele não disse nada de novo', considerou ele, que ficou paraplégico após ser atingido no mesmo tiroteio em que seu pai foi morto.

"Torregiani revelou que Battisti não participou da ação que culminou no assassinato de seu pai porque havia ido à localidade de Mestre, onde teria matado o açougueiro Lino Sabbadin. 'Está tudo nos autos do processo', explicou.

"Para ele, no entanto, 'o problema é que existe uma sentença de condenação definitiva e testemunhos que indicam ele e seus cúmplices como responsáveis pelo homicídio de meu pai'".
Aqui também houve duas omissões significativas. Torregiani esqueceu de dizer:
  • que, segundo "os autos do processo", os dois assassinatos foram planejados na casa do dirigente máximo do grupo Proletários Armados para o Comunismo, Pietro Mutti, em reunião na qual é atribuída a Battisti (que, na verdade, não estava presente) apenas a omissão, ou seja, não teria objetado; e
  • que depois Mutti, como delator premiado, imputou mentirosamente a Battisti a autoria direta dos dois assassinatos, tendo a acusação engolido suas lorotas interesseiras como se fossem a tábua dos 10 mandamentos.
Aí a defesa levantou um pequeno e singelo detalhe: a distância entre as duas localidades (500 quilômetros) não podia ser transposta no intervalo de tempo transcorrido entre as ações (duas horas).

A derrubada de uma das mentiras de Mutti foi um embaraço? Longe disso. Apenas se remendou a peça acusatória, colocando Battisti como assassino de Lino Sabbadin e autor intelectual da morte do joalheiro Pierluigi Torregiani.

Quanto a Mutti, a própria Corte de Milão assim se pronunciaria sobre sua teia de falsidades, em 31/03/1993:
"Este arrependido é afeito a jogos de prestidigitação entre os seus diferentes cúmplices, como quando implica Battisti no assalto de Viale Fulvio Testi para salvar Falcone, ou Battisti e Sebastiano Masala em lugar de Bitti e Marco Masala no assalto à loja de armas 'Tuttosport', ou ainda Lavazza ou Bergamin em lugar de Marco Masala em dois assaltos em Verona".
E o que pretenderia, afinal, Alberto Torregiani fazer no Brasil, se admite que não viu Battisti entre os assassinos do seu pai?

Ora ele afirma que "está tudo nos autos do processo", ora ele diz que os ministros do STF "conhecem a história apenas das cartas processuais".

Pretenderá dizer-nos aquilo que nem mesmo acusadores tão tendenciosos ousaram sustentar no julgamento de cartas marcadas a que Battisti foi submetido em 1987?

E é aqui que entra a segunda informação reveladora da matéria do Estadão:
"Autor do livro Já Estava na Guerra, Mas Não Sabia, em que contou sua experiência, Torregiani entrou há pouco tempo na política. É responsável pelo Departamento de Justiça do Movimento pela Itália, liderado por Daniela Santanchè...".
Para quem não sabe, trata-se de um agrupamento reacionário cuja líder é coproprietária de um night-club para ricaços da Sardenha, uma senhora assumidamente neofascista e que rompeu com Berlusconi por considerá-lo demasiado tímido na defesa dos ideais direitistas...

Então, a motivação de Alberto Torregiani salta aos olhos: quer apenas aparecer no noticiário, já que engata uma carreira política e literária como vítima profissional, nas fileiras da extrema-direita italiana.

Que a Folha OnLine e O Estado de S. Paulo tenham concedido espaço para esta não-notícia é patético... ou suspeito.

O único sítio apropriado para ela são os sites e blogues da extrema-direita, dedicados a martelar incessantemente propaganda enganosa, como Goebbels recomendava.

Para estes, aliás, as notícias da Folha OnLine e de O Estado de S. Paulo acabaram servindo como munição. Vários, começando pelo do Reinaldo Azevedo, reproduziram uma ou outra.

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