sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Crime político no Brasil, fica impune

Por Paulo Henrique Amorim 18/02/2008 às 21:54

A jornalista Natália Viana disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta terça-feira, dia 12, que os crimes políticos ficam impunes no Brasil

Natália é autora do livro-reportagem "Plantados no Chão - Assassinatos Políticos No Brasil Hoje", da Editora Conrad. Em 2005, Natalia recebeu menção honrosa no prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos e, em 2006, o Prêmio Andes de Jornalismo.

"O assassinato político no Brasil fica impune. E a nossa teoria é que o assassinato político no Brasil fica impune porque ele não é considerado assassinato político. Pega o caso da Dorothy, em que houve uma grita nacional e internacional. Quando há pressão as coisas andam", disse Natália.

Natália Viana disse que ?um assassinato político é um crime contra a democracia, é um crime contra o debate de idéias... Não são atentados contra uma pessoa, são atentados contra um grupo, contra um movimento, contra a democracia em última instancia?.

Clique aqui para ver imagens do livro "Plantados no Chão - Assassinatos Políticos No Brasil Hoje".

Leia a íntegra da entrevista com a jornalista e escritora Natália Viana:

Paulo Henrique Amorim ? "Plantados no Chão" é um livro que a editora Conrad acaba de lançar, um livro da jornalista Natália Viana. Ela escolheu seis casos que ela considera assassinatos políticos. Antes, o assassinato político era uma forma de terrorismo de Estado. Agora, esses crimes envolvem situações mais complexas, onde militantes de movimentos sociais batem de frente com interesses particulares. Ela seguiu a questão, por exemplo, de Dorothy Stang, missionária norte-americana que participava da Pastoral da Terra no Pará; Miguel José dos Santos, líder dos Sem-Terra do acampamento Terra Prometida em Felisburgo, morto num massacre que custou mais quatro vidas; Josenilson José dos Santos, José Ademilson Barbosa, índios da etnia Xucuru de Pernambuco, assassinatos durante a luta pela demarcação de suas terras e mais outros três casos do que ela considera assassinatos políticos no Brasil de hoje. Eu vou conversar com Natália Viana, que está em Londres. Como vai, Natália? Tudo bem?

Natália Viana ? Tudo bem. Tudo bem com você?

Paulo Henrique Amorim ? Tudo bem. Natália, o que você define como sendo um assassinato político?

Natália Viana ? Então, esse livro eu comecei a pensar junto com o pessoal da Conrad e esse livro ele começou por causa do caso do caso do Anderson Luís, que é um sindicalista carioca, do Rio de Janeiro, que foi assassinado no ano passado. E o pessoal da Conrad veio pra mim com essa indignação: como é que pessoas que estão lutando dentro do jogo democrático ainda são assassinadas hoje, em plena democracia? Então, eu comecei a pesquisar e comecei a falar com estudiosos, com professores e descobri que não existe um conceito, não existe. Hoje em dia, quando a gente fala em crime político a gente sempre lembra da época da ditadura. Crimes e assassinatos políticos eram sempre o Estado que perpetrava esses assassinatos, enfim, essas prisões políticas pra evitar que houvesse um debate democrático. Hoje em dia não é, hoje em dia é diferente, hoje em dia a grande maioria dos casos pelo menos que a gente conseguiu levantar são praticados por pessoas, por fazendeiros, por entidades privadas, enfim, seguranças, para evitar esse debate democrático. Então, a gente teve que elaborar um novo conceito. O nosso conceito é esse: hoje em dia, um assassinato político é um crime contra a democracia, é um crime contra o debate de idéias.

Paulo Henrique Amorim ? O que há de comum entre esses seis episódios, só para situar o nosso internauta, o Anderson Luís era presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Frios e Laticínios do Rio e Baixada Fluminense, filiada à CUT, assassinado misteriosamente enquanto ia ao trabalho, não é isso?

Natália Viana ? Exatamente.

Paulo Henrique Amorim ? O que eles têm em comum?

Natália Viana ? O que eles têm em comum é o fato de que todos eles eram ligados a movimentos que reivindicavam algum direito e estavam participando de manifestações. Na grande maioria dos casos eles já tinham sofrido ameaças, como é o caso da Dorothy Stang, dos Xucuru e do Felisburgo. E os outros casos, não. Eles estavam participando de uma manifestação e foram agredidos pela polícia. O que eles têm em comum: eles revelam um quadro de repressão aos movimentos, de repressão a essa busca dos direitos, tanto por parte de agentes do Estado ? no caso, polícias ? como por parte de agentes privados ? no caso, a maioria era fazendeiro. Além disso, a gente descobriu alguns padrões. Porque além desses seis casos a gente levantou outros 170 casos de assassinatos que aconteceram nos últimos quatro anos. A gente descobriu que a grande maioria dos assassinatos acontece depois de já haver muitas denúncias, inclusive de as autoridades já estarem sabendo, todo mundo... se é uma cidade pequena, todo mundo já está sabendo que pode acontecer alguma coisa. Também outro padrão é que nas investigações a polícia geralmente afasta o crime político. A polícia não vai atrás do contexto do que está acontecendo. Muitas vezes a polícia vai atrás dizendo que é um crime passional ou uma divisão interna.

Paulo Henrique Amorim ? A polícia, de certa maneira, ela tenta acobertar o fato de que pode ser um crime político?

Natália Viana ? Então, tem duas maneiras de olhar. Existem localidades em que realmente a polícia tende a acobertar porque a polícia é ligada. Por exemplo, no caso dos Sem-Terra, que acontece muito, a polícia é ligada a fazendeiros, mas é ligada porque, enfim, tem uma relação, numa cidade pequena e tal. Então, eles procuram não olhar pra esse lado. Por outro lado, muitas vezes, enfim, falta de equipamento, falta de pessoal, falta até de treinamento da polícia. Quando você conversa com pessoas que estão ligadas a essas pessoas que foram assassinadas é muito claro você perceber que eram pessoas tão ligadas a esses movimentos que a primeira hipótese ou a hipótese tem que levar em conta a militância, a vida das pessoas.

Paulo Henrique Amorim ? E como é que é a punição aos criminosos? Você acompanhou pelo menos diretamente seis casos específicos. No caso da Dorothy Stang os assassinos foram condenados pela Justiça. E nos outros cinco casos? O que aconteceu?

Natália Viana ? Então, é por isso que a gente começou com o caso da Dorothy Stang. Porque é muito gritante a diferença entre o caso da Dorothy e os outros. No caso da Dorothy, agora recentemente, o mandante foi condenado, isso depois de 2 anos. Você pega um caso como o de Felisburgo, que aconteceu em 2004, onde até hoje...

Paulo Henrique Amorim ? Você falava do Miguel José dos Santos, líder sem-terra do acampamento Terra Prometida em Felisburgo, que foi morto no massacre que custou mais quatro vidas além de outros 13 feridos. Uma chacina comandada por Adriano Chafik, dono da fazenda Nova Alegria. O que você tem a dizer sobre o Miguel José dos Santos?

Natália Viana ? O que eu quero dizer é que, inclusive, comparando com o caso da Dorothy, o caso de Felisburgo é um caso horrível, muito mais grave, uma chacina que aconteceu, onde o próprio dono da fazenda entrou dentro da terra armado, botaram fogo em todos os barracos, foi uma coisa devastadora até, enfim, não só fisicamente mas também psicologicamente para as pessoas. Isso aconteceu em novembro de 2004. Até hoje ninguém foi punido.

Paulo Henrique Amorim ? Mas porque você diz que foi uma chacina comandada por Adriano Chafik, dono da fazenda Nova Alegria? Você tem como provar isso?

Natália Viana ? Eu tenho os depoimentos de várias pessoas que estavam lá e que deram depoimentos e falam, não sou poucas, são muitas pessoas. Todo mundo que estava lá disse que viu o próprio Adriano, além disso, a própria polícia foi atrás dele. Ele chegou a ser preso logo depois do crime. Mas o que acontece é que ele entrou com um Habeas Corpus e foi solto.

Paulo Henrique Amorim ? O processo da polícia está em que pé, você sabe?

Natália Viana ? Quando eu terminei o livro, a polícia ainda estava levantando as evidencias, nada tinha acontecido e o advogado de defesa do Chafik, como acontece muito quando há advogado de defesa muito bem pago no caso, eles estão protelando o julgamento. Eles ficam pedindo mais provas, ficam mandando documento errado, pra voltar e tal. E tudo quem me falou foi o advogado de acusação.

Paulo Henrique Amorim ? Então, uma outra característica desses assassinatos políticos estudados no seu livro é que, fora o caso da Dorothy Stang, há uma impunidade. Há impunidade nos outros cinco casos, posso dizer isso?

Natália Viana ? Sim, exatamente isso que eu ia falar. Fora a Dorothy Stang, há impunidade em todos os outros casos. No caso de Felisburgo foram 18 pessoas que entraram ali armadas atirando pra todo lado, só três estão presos. Faz dois anos isso. No caso dos índios Xucuru ninguém foi condenado também ainda. A própria vítima, que é o cacique Marquinhos, que foi vítima de uma tentativa de assassinato, o delegado acabou dizendo que a culpa foi dele porque ele estaria bêbado e teria provocado o...

Paulo Henrique Amorim ? A culpa é da vítima.

Natália Viana ? A culpa é dele no caso, segundo o delegado. No caso do Anderson Amaurílio, estudante do Movimento Passe Livre de Londrina. Ele foi atropelado no meio de uma manifestação. Eles estavam com um cordão em volta de um ônibus, o ônibus continuou avançando apesar dos estudantes estarem fazendo cordão, a polícia dizendo para os ônibus avançarem e ele foi atropelado. Ficou debaixo do ônibus. Ninguém foi punido.

Paulo Henrique Amorim ? A polícia mandou o ônibus avançar em cima dos manifestantes?

Natália Viana ? Mandou, mandou. Existe uma gravação, uma filmagem que mostra isso.

Paulo Henrique Amorim ? Um vídeo?

Natália Viana ? Isso.

Paulo Henrique Amorim ? Eu posso ter acesso a esse vídeo?

Natália Viana ? Não. Eu não tenho esse vídeo. Mas você pode ter acesso se você entrar em contato com a investigação, com os que estão investigando o caso.

Paulo Henrique Amorim ? E os outros casos, o Jair Antonio da Costa, diretor do Sindicato dos Sapateiros de Igrejinha, no Rio Grande do Sul, morto por policiais.

Natália Viana ? O Jair Antonio da Costa, o que aconteceu foi o seguinte: ele estava num protesto por mais empregos, ele foi cercado por um bando de policiais e foi estrangulado com cacetete na frente de um monte de gente também, mas a investigação da própria polícia negou que houvesse ? a investigação interna ? alguma intenção de assassinato e a outra investigação, na Justiça, ainda está coletando provas e testemunhos e não tem previsão pra terminar. Finalmente, o Anderson Luís foi assassinado no ano passado em situações misteriosas.

Paulo Henrique Amorim ? Por que em situações misteriosas? Ele era do Sindicato de Frios e Laticínios no Rio e na Baixada. O que aconteceu com ele?

Natália Viana ? O que aconteceu com ele é que ele estava saindo de casa cedo, na manhã, pra ir trabalhar, estava na calçada, em frente a um ponto de ônibus e um carro passou e atirou contra ele. Eu conversei com o delegado no ano passado, quando eu estava fazendo o livro, e ele falou que duas das maiores hipóteses eram uma briga interna do sindicato ou crime passional. Disse que há evidencias que dizem, enfim, Anderson Luís teria amantes e tal. Mas o fato é que a investigação deles afastou desde o princípio uma disputa no caso, patrões e empregados. O Anderson Luís era uma estrela ascendente no sindicalismo e ele estava de fato conseguindo ampliar o sindicato, o Sindicato dos Trabalhadores em Frios e Laticínios no Rio e da Baixada Fluminense, muito fortemente. A tese do livro comprova isso, mas essa tese nem é levantada. Até hoje também a polícia não trouxe um nome de possível suspeito, nada aconteceu.

Paulo Henrique Amorim ? Ou seja, o assassinato político fica impune.

Natália Viana ? Sim. O assassinato político no Brasil fica impune. E a nossa teoria é que o assassinato político no Brasil fica impune porque ele não é considerado assassinato político. Pega o caso da Dorothy, em que houve uma grita nacional e internacional. Quando há pressão as coisas andam.

Paulo Henrique Amorim ? Se ela fosse brasileira, se fosse Dorotéia, o mandante teria sido punido?

Natália Viana ? De jeito nenhum.

Paulo Henrique Amorim ? Se ela fosse uma moreninha, uma índia de nome Dorotéia da Silva.

Natália Viana ? Não. O fato de ser uma freira colaborou, o fato de ser uma pessoa querida na região colaborou e o fato de ser americana colaborou muito porque, afinal, o FBI acompanhou as investigações.

Paulo Henrique Amorim ? O FBI acompanhou?

Natália Viana ? Acompanhou. E mandaram relatórios para os Estados Unidos, então, de qualquer maneira tinha que se fazer alguma coisa. Aconteceu uma coisa muito interessante no caso da Dorothy Stang que eu acho importante falar: foi a primeira vez que o advogado-geral da União pediu que o caso fosse transferido para uma Comarca mais distante. Porque um dos maiores problemas que gera impunidade é que quando essas pessoas vão ser julgadas, naquela Comarca local, eles têm relações, eles têm muito mais relações inclusive do que, digamos, os sem-terra, ou de outros lugares. Eles têm relações com o júri, relações com a Justiça e até cria-se um ambiente favorável a ele na cidade. Então, transferir para outro lugar ? ou federalizar, no caso, transferir para a Justiça Federal ? poderia acabar com um pouco da impunidade. Só que o caso Dorothy Stang acabou não indo para a esfera federal, poderia abrir um precedente, mas não abriu porque, enfim, depois de tanta pressão, a esfera local ali andou muito rápido, de qualquer jeito.

Paulo Henrique Amorim ? Natália, se for uma pergunta indiscreta você não precisa responder, é claro. Você está em Londres estudando, é isso?

Natália Viana ? Estou, estou fazendo mestrado em radiojornalismo.

Paulo Henrique Amorim ? Ah é? E qual é a sua tese?

Natália Viana ? Estou fazendo um documentário sobre um templo rastafári que acabou de ser invadido e demolido aqui em Brixton. Foi um tempo que foi... não vou contar a história inteira, mas o council, a autoridade local, tomou o templo de volta e agora eles estão demolindo.

Paulo Henrique Amorim ? Ok. Qual é a sua idade, Natália?

Natália Viana ? Eu tenho 27 anos.

Paulo Henrique Amorim ? Você em 2005 recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos e 2006 o Prêmio Andes na categoria jornalismo.

Natália Viana ? É, porque eu trabalhei durante esse tempo todo na "Caros Amigos" e eu pude produzir bastante matérias e reportagens.

Paulo Henrique Amorim ? Então, esse livro foi encomendado pela Conrad, é isso?

Natália Viana ? Foi. Eles chegaram pra mim com essa idéia, eu achei demais, achei muito legal. Quando eu percebi que não havia um conceito de crime político, que ninguém tinha olhado isso, eu fiquei com mais vontade ainda. Porque no dia que os crimes políticos começarem a serem vistos dessa maneira, começar a haver uma repercussão maior, se eles não caem na vale do crime comum, alguma coisa pode ser feita. A idéia principal desse livro, que está até no capítulo da introdução de Jan Rocha é que esses crimes não são assassinatos de uma pessoa, são atentados contra um movimento e uma causa democráticos que estão tentando, dentro do diálogo, jogo democrático, tentando fazer direitos serem cumpridos. Não são atentados contra uma pessoa, são atentado contra um grupo, contra um movimento, contra a democracia em última instancia.

Paulo Henrique Amorim ? O fim da introdução do Jan Rocha é: "a morte de um líder não é a simplesmente a eliminação de uma pessoa inconveniente, mas um golpe contra a esperança, contra o futuro".

Natália Viana ? Exatamente.

Paulo Henrique Amorim ? Muito bem. Natália, muito obrigado, foi um prazer falar com você. Não sei se você sabe, mas nós somos colegas, não é?

Natália Viana ? Claro.

Paulo Henrique Amorim ? Colegas de editora.

Natália Viana ? Ah, é?

Paulo Henrique Amorim ? Eu lancei um livro pela Conrad também. Chama-se "Plim-Plim".

Natália Viana ? Já sei sobre o que, né? Que legal.

Paulo Henrique Amorim ? Natália, você tem na Conrad a foto de todos esses seis pra gente fazer uma galeria no nosso site?

Natália Viana ? Na verdade eu vou até te pedir pra você entrar em contato com a assessora de imprensa porque a gente tem a foto de quase todos, mas são fotos muito escabrosas. A gente resolveu não colocar, a gente resolveu fazer desenhos porque são fotos muito feias mesmo.

Paulo Henrique Amorim ? Tá bom, OK. Natália, obrigado.

Natália Viana ? Obrigado você.

URL:: http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/437501-438000/437552/437552_1.html


FONTE : http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/02/412210.shtml

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