20/09/2008
(CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE DULCINA DE MORAES)
Dulcina de Moraes (1908-1996) foi uma das grandes damas do teatro brasileiro. Filha de atores, mulher de ator, Dulcina iniciou carreira muito cedo nos palcos. Mulher inteligente, atenta, percebeu que as comédias sofisticadas ou singelas e pouco ambiciosas que montava dirante seus primeiros anos de trajetória estavam perdendo prestígio junto aos intelectuais, aos jornalistas, aos críticos. Ao contrário de seu contemporâneo Procópio Ferreira, investiu em uma renovação de repertório, trazendo para o Brasil "A Filha de Iório", de D'Annunzio, e "Bodas de Sangue", de García Lorca. Durante toda a vida dedicou sua energia ao palco. Fez pouco cinema e pouca tevê. Sua carreira abarca cinco décadas. Teve sucessos monumentais, como a peça americana "Mame", e a inglesa "Chuva", adaptada de um conto de Somerset Maugham. Dulcina nas últimas décadas de vida dedicou sua energia e seu dinheiro à Fundação Brasileira de Teatro. Por causa da FBT, que ela idealizou como uma escola e uma produtora teatral, Dulcina, já viúva de Odilon de Moraes, transferiu-se para Brasília. Buscava encontrar apoio para sua fundação, que está viva até hoje, ainda que atue com menos brilho do que na época em que a atriz esteve efetivamente à frente do empreendimento. Dulcina, atriz autodidata, ou melhor, formada pelos pais atores, foi muito criticada durante a juventude por seus exageros nos papéis que desempenhava. Talvez por isso decidiu dedicar tanto tempo e empenho e energia a uma escola de teatro. Apesar da importância da fundação, sem dúvida a maior marca deixada por Dulcina no teatro brasileiro está em seu domínio de cena, durante décadas, como primeira-atriz e dona de companhia. Elegante, sofisticada, Dulcina, com sua voz grave e cheia e melodiosa, seus gestos expressivos, dominava o palco. Eu a vi quando era adolescente e ela uma atriz com quatro décadas de ribalta nas costas. Foi no início dos anos 60, no saudoso e ótimo Teatro Bela Vista, de Nidia Lycia. Ela fazia a comédia "Mame" e o drama "Chuva". Era notável tanto num gênero quanto noutro. Em "Mame", no papel de uma americana bem doida, muito excêntrica, que perde todo o dinheiro na crise de 1929 e tem um sobrinho pra criar, ela fazia público rolar de rir com pouca cousa, uma entonação ou um modo de olhar, recurso de que só grandes atores sabem lançar mão. No drama, fazia Sadie Thompson, prostituta dos Mares do Sul que está sendo expulsa de uma ilha e, no navio em que embarca, encontra um pastor fanático, o reverendo Davis, que resolve salvar sua alma, mas acaba por estuprá-la. O desempenho de Dulcina como Sadie era soberbo. Nos anos 60 ela representava o papel com toda a dramaticidade e o peso que havia imprimido a ele quando o criou, em 1949. E sua atuação não soava datada. Quinze anos mais tarde soava cintilante, cheia de energia e vigor, de paixão e fúria. Nunca vou esquecer de sua voz, no final da peça, fustigando: "Vocês, homens, são todos uns porcos". Dulcina, como Itália Fausta, Henriette Morineau, Dercy Gonçalves, Alda Garrido, faz parte da grande geração de mulheres que depois abriu espaço para Cacilda Becker, Tônia Carrero, Cleyde Yáconnis, Nidia Lycia, Fernanda Montenegro, Nicette Bruno, Lelia Abramo, Maria Fernanda, Glauce Rocha, Dina Sfat, Lilian Lemmertz, Miriam Muniz, Ruth Escobar, Célia Helena, Miriam Mehler, e tantas tantas outras notáveis integrantes do fantástico clã matriarcal do teatro brasileiro. Algumas já se foram, outras estão muito aqui, muito ativas. Essas mulheres poderosas é que, a partir das últimas décadas do século passado, acolheram a leva de novas ótimas atrizes que estão na cena aqui e agora.
FONTE : http://os.dias.e.as.horas.zip.net/arch2008-09-14_2008-09-20.html
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