http://www.vermelho.org.br/noticia/233425-1
8 de março de 2017 - 7h21
Simone de Beauvoir: o que é ser mulher?
Justamente por ter uma lógica própria de se colocar no mundo, Simone decidiu escrever O Segundo Sexo
ao perceber que nunca havia se perguntado: o que é ser mulher? Essa
continua sendo uma pergunta atual, que deve ser feita por todas nós em
algum momento da vida.
Por Bia Cardoso, do Blog BlogueirasFeministas
É de Simone
de Beauvoir uma das principais frases do movimento feminista: “Não se
nasce mulher, torna-se mulher”. A mulher não tem um destino biológico,
ela é formada dentro de uma cultura que define qual o seu papel no seio
da sociedade. As mulheres, durante muito tempo, ficaram aprisionadas ao
papel de mãe e esposa, sendo a outra opção o convento. Porém, a própria
Simone rompe com esse destino feminino e faz de sua vida algo
completamente diferente do esperado para uma mulher.
Nascida em uma família da alta burguesia francesa, Simone era a mais
velha de duas filhas. Durante sua infância a família faliu e, por
considerar que as filhas não conseguiriam bons casamentos, pois não
havia dinheiro para um bom dote, George de Beauvoir se convenceu de que
somente o sucesso acadêmico poderia tirar as filhas da pobreza.
De fato, Simone de Beauvoir teve mais poder de escolha que muitas
mulheres de sua época. A educação e o desenvolvimento acadêmico são até
hoje maneiras de forjar mulheres mais independentes, que rompem com os
padrões de sua época. Ela faz uma crítica aos valores burgueses nos
quais foi criada no livro “Memórias de uma moça bem comportada”.
Simone de Beauvoir tinha 41 anos quando publicou O Segundo Sexo,
em 1949. Já naquela época a obra levantou inúmeras polêmicas. Uma das
principais acusações é que Simone ridicularizava os homens. Isso é uma
acusação que muitos usam contra o feminismo. Porém, as pessoas parecem
não querer compreender o que realmente se passa na vida das mulheres e
como todo o poder está concentrado nas mãos dos homens. O Segundo Sexo não
é uma fonte historiografica para conhecer a história da mulher desde a
antiguidade. É uma obra de inspiração, fundamental para descortinar a
maneira pela qual as mulheres são criadas justamente para serem menos
que os homens. Você pode baixar O Segundo Sexo em .pdf no blog Livros Feministas.
Lendo algumas das críticas que foram feitas a O Segundo Sexo,
muitas parecem absurdas, mas ainda lemos opiniões conservadoras e
moralizantes em diversos cadernos de opinião da mídia brasileira,
especialmente quando se trata da sexualidade feminina. Entre seus
críticos estava François Mauriac, escritor francês, que em uma de suas
enquetes no Figaro Littéraire perguntou: “Estaria a iniciação
sexual da mulher no seu devido lugar no sumário de uma revista literária
e filosófica séria?” A questão dividiu os intelectuais. Para muitos O Segundo Sexo é
um “manual de egoísmo erótico,” recheado de “ousadias pornográficas”;
não passa de “uma visão erótica do universo”, um manifesto de “egoísmo
sexual”. Jean Kanapa insiste: “Mas sim, pornografia. Não a boa e
saudável sacanagem, nem o erotismo picante e ligeiro, mas a baixa
descrição licenciosa, a obscenidade que revolta o coração”. A polêmica
mistura tudo. A contracepção e o aborto são ligados nas mesmas frases às
neuroses, ao vício, à perversidade, e à homossexualidade. Segundo uma
carta da enquete, “a literatura de hoje é uma literatura de esnobes, de
neuróticos e de impotentes.” Claude Delmas deplora “a publicação por
Simone de Beauvoir dessa enjoativa apologia da inversão sexual e do
aborto”. Pierre de Boisdeffre em Liberté de l’ésprit assinala “o sucesso de O Segundo Sexo
junto aos invertidos e excitados de todo tipo”. Leia mais em “O Auê do
Segundo Sexo” de Sylvie Chaperon, publicado no Cadernos Pagu 12, de
1999.
Nenhuma obra, literária ou acadêmica, de Simone de Beauvoir foi recebida
com indiferença. Sua principal contribuição é sempre propor a discussão
democrática e as rupturas das estruturas psíquicas, sociais e
políticas. Por ser escrito por uma mulher e para mulheres, O Segundo Sexo levanta
diversas questões, até mesmo no meio literário. Há muito tempo a
literatura classificada como feminina é sinônimo de textos sem grande
aprofundamento teórico. Além disso, não era comum tratar de assuntos
como sexualidade, maternidade e identidades sexuais, mesmo na França do
pós-guerra.
Em 2009, Fernanda Montenegro estreou a peça Viver Sem Tempos Mortos,
baseada nas cartas autobiográficas de Simone de Beauvoir. A temporada
de 2011 foi encerrada em dezembro, mas há a possibilidade da peça
reestrear novamente no futuro. Em entrevista a Revista Bravo, Fernanda
Montenegro respondeu algumas perguntas sobre sua relação com a obra de
Beauvoir:
Qual o primeiro livro dela que você leu?
Foi O Segundo Sexo, que saiu em 1949 e se transformou num
clássico da literatura feminista, sobretudo por apregoar que as mulheres
não nascem mulheres, mas se tornam mulheres. Ou melhor:que as
características associadas tradicionalmente à condição feminina derivam
menos de imposições da natureza e mais de mitos disseminados pela
cultura. O livro, portanto, colocava em xeque a maneira como os homens
olhavam as mulheres e como as próprias mulheres se enxergavam. Tais
ideias, avassaladoras, incendiaram os jovens de minha geração e
nortearam as nossas discussões cotidianas. Falávamos daquilo em todo
canto, nos identificávamos com aquelas análises. Simone, no fundo,
organizou pensamentos e sensações que já circulavam entre nós.
Contribuiu, assim, para mudar concretamente as nossas trajetórias.
De que modo alterou a sua?
Sou descendente de italianos e portugueses, um pessoal muito simples,
muito batalhador, e me criei nos subúrbios cariocas. Desde cedo, conheci
mulheres que trabalhavam. E reparei que, entre os operários, na briga
pela sobrevivência, os melindres do feminino e as prepotências do
masculino se diluíam. Era necessário tocar o barco, garantir o sustento
da família sem dar bola para certos pudores burgueses. Nesse sentido, a
pregação feminista de que as mulheres deviam ir à luta profissionalmente
não me impressionou tanto. Um outro conceito me seduziu bem mais: o da
liberdade. A noção de que tínhamos direito às nossas próprias vidas, de
que poderíamos escolher o nosso rumo e de que a nossa sexualidade nos
pertencia. Eis o ponto em que o livro de Simone me fisgou profundamente.
Lembro-me de quando vi pela primeira vez a cena da bomba atômica
explodindo. Ou de quando me mostraram as imagens dos campos de
concentração nazistas. O impacto negativo que aquilo me causou foi
parecido com o impacto positivo que O Segundo Sexo exerceu sobre
mim. Garota, já suspeitava que não herdaria o legado de minha mãe e de
minhas avós, que não caminharia à sombra masculina. O livro de Simone me
trouxe os argumentos para levar a suspeita adiante. Continue lendo em A
vida é um demorado adeus.
Justamente por ter uma lógica própria de se colocar no mundo, Simone decidiu escrever O Segundo Sexo
ao perceber que nunca havia se perguntado: o que é ser mulher? Essa
continua sendo uma pergunta atual, que deve ser feita por todas nós em
algum momento da vida.
INÍCIO
Nenhum comentário:
Postar um comentário