Linchamento: A quem Serve?
Carlos A. Lungarzo
O linchamento é uma aberração
que subsiste nos países onde o ódio social, a superstição e o sadismo foram
superlativos: casos típicos são as teocracias orientais, o sul profundo dos EUA
(onde, até datas recentes, os negros eram vítimas do linchamento massivo),
alguns países da América Latina e, notoriamente, a África do Sul na época de apartheid.
Na América Latina, a maior densidade de linchamentos está
na Argentina e no Brasil. Neste, teve lugar, em 1990, em Matupá (MG), um dos
linchamentos mais cruéis registrados no país contra três homens que tentaram
furtar algo de uma casa. Segundo investigações feitas por diversos procuradores
tempo depois, a polícia militar que os capturou os teria entregado à ralé
linchadora, que os queimou vivos no meio a uma grande farra de psicopatia
regada a álcool e drogas. O assunto percorreu o mundo, e deixou claro nos
países mais desenvolvidos, que no Brasil persistia um fenômeno que até nos EUA
havia declinado até quase desaparecer; esse fenômeno era...
...a cumplicidade da polícia, que considerava o linchamento
como um método para eliminar possíveis delinquentes sem comprometer-se de
maneira direta.
Um traço importante é caráter sacrificial do
linchamento. Durante a tortura de um dos linchados, um dos linchadores lhe
ordenou
“Pede perdão a Deus!”,
O moribundo responde como se essa
exigência fosse o mais natural.
“Perdão, Deus, por tudo o que eu fiz.
Perdoa, meu pai”,
Mato Grosso é um modelo de barbárie, acima da média
do Brasil, embora a corrida por “quem é o pior” seja difícil. No dia 22 de
setembro de 2011, policiais militares torturaram até a morte num restaurante o
estudante negro Toni Bernardo da Silva, por causa de estar incomodando a um
grupo de pessoas que, segundo a juíza, corriam perigo por causa da conduta
desajustada do rapaz: um menino bêbado e desarmado colocando em risco dúzias de
fregueses!!! Aliás, a solução para “proteger” as famílias indignadas era o
linchamento.
O monstruoso caso foi levado a justiça
internacional sem que até agora tenha podido ser feita coisa nenhuma. (O que é
esperável num sistema jurídico internacional em que os negócios estão muito acima
dos direitos humanos.)
http://mamapress.wordpress.com/2014/05/07/juiza-defende-tortura-e-linchamento-culpa-vitima-e-inocent
Novamente, nestes dias, o Brasil voltou a
impressionar o planeta com as barbáries aqui praticadas. Um novo linchamento,
na cidade Guarujá, do Litoral Sul do Estado de São Paulo, foi ainda mais
bárbaro, se Isso for possível.
Desta
vez, uma mulher que não tinha feito nada, foi linchada por cerca de cem
pessoas.
Não foi nada raro que a policia “se atrasasse” chegando
quando a vítima estava mortalmente ferida. Mesmo assim, os policiais sabiam que
a tortura tinha durado 30 minutos, e, muito mais esquisito ainda, só
conseguiram deter algumas pessoas bastante depois.
O Caso de Fabiane
O Linchamento de
Fabiane Maria de Jesus, moradora de 33 anos de um bairro de Guarujá, é um dos
mais monstruosos que já se cometeram no país desde que se tem notícia. Preocupa
enormemente o fato de que, salvo ativistas de direitos humanos, nem a esquerda,
nem membros do governo têm atuado além da simples crítica.
Recentemente, ao referir-se a esse linchamento, um
deputado de esquerda dizia que se havia cometido uma grave atrocidade com uma
pessoa inocente.
E se fosse culpável:
Será que o linchamento seria correto?
Mas longe foi um professor da PUCMG (não lembro o nome,
mas ninguém vai lamentar) que, num programa de Globonews disse que “o
linchamento é uma forma em que a sociedade mostra sua indignação”.
Quem são os
culpáveis do atroz crime contra Fabiane?
Sem dúvida, os
executores são um grupo significativo. Várias pessoas que se reúnem para matar
outra formam uma explosiva gangue de sádicos covardes. Mas, observemos o
aspecto de alguns desses detentos (até o momento de escrever isto são apenas
cinco). O mais notório é um homem de quase 50 anos, de aspecto físico doentio,
segundo parece, ex viciado em drogas, que mal sabe falar. É, como alguns dos
outros, um sujeito marginalizado. Sua mentalidade talvez o poderia ter
conduzido ao crime comum, ou, se fosse mais afortunado, a integrar uma força
policial. É muito provável que, dada a falta de um acolhimento para sua
violência, haja decidido cometer um linchamento: um crime fácil, com quase cem
pessoas contra uma mulher desarmada, e, ao mesmo tempo, se gabar entre os
vizinhos de sua ação contra os “bandidos”.
Os outros
linchadores são de diverso estilo. Não se conhecem ainda todos, mas os poucos
que a polícia prendeu (com evidente falta de entusiasmo) parecem “pés rapados”,
lumpen tradicional em busca de emoções. Mas não são os únicos nem os
principais. Praticamente, qualquer grupo social que se sente identificado com a
ética oficial do sistema, pode ser um linchador. Por isso, mesmo em sociedades
relativamente civilizadas, é difícil processar os linchadores, porque eles se
reciclam permanentemente. Qualquer que considere a vida alheia banal, que
acredite na divisão absoluta entre Bem e Mal, que adira à mentalidade
teocrática do castigo, pode ser linchador. Só quando a repulsão individual ante
a monstruosidade do ato balança o equilíbrio psíquico da pessoa, esta, sem necessariamente
rever suas crenças, vê o linchamento como algo “sujo”.
Vejam uma prova
interessante desta afirmação. No Ocidente, os únicos países perfeitamente
seculares, são os Escandinavos e, eventualmente, grande parte da França (porém
no toda). Na Europa Oriental, devem ser acrescentados os poucos países que realmente
adotaram uma filosofia marxista (o que não foi o caso da URSS, onde após o fim
da união, reapareceram todas as religiões da época do tsar). Em realidade, o
único país secular dos supostos ex países comunistas é a República Tcheca.
Tomando o exemplo da Escandinávia, que é o mais tipicamente secular, pode
ver-se que o último caso de linchamento nos quatro estados nórdicos, foi em
1800, quando Anna
Klemens (1718–1800),
uma mulher marginal acusada de bruxaria, foi linchada em Brigsted em Horsens, Dinamarca,
por um “tribunal” de fanáticos luteranos. Este foi o último linchamento na
Escandinávia. Entretanto, em nossa “Sul América do Futuro”, 214 anos depois, os
linchamentos continuam com todo seu gás, e aumentando.
NOTA. Além
disso, a mulher que comandou o linchamento foi executada e os seis homens que
colaboraram foram obrigados ao exílio. Antes desse caso, o único linchamento
nesse século na Dinamarca foi o de Dorte Jensdatter, amarrada dentro de sua
casa por uma uma gangue de camponeses, que tocaram foco na mesma em Øster
Grønning em Salling em 1722.
O fato de
que a ralé seja chegada ao linchamento não é raro. Desde crianças, temos sido
ensinados a que o mais bárbaro ato da espécie humana, a guerra, é um ato de
coragem e lealdade, quando, de fato, é o resultado da ambição e consiste em
massacrar pessoas indefensas com poderosas armas. Também nos ensinaram que
devemos reger nossa moral por fábulas escritas por maníacos doentios (afortunadamente
anônimos), que, em seus momentos de surto, achavam representar a voz divina.
Como podemos
pedir agora que esse pessoal, enganado durante séculos, reduzido à barbárie
pelas instituições, seja culpável de ter tomado a sério o que lhe ensinaram?
Incitadores ao Linchamento
Os incitadores
ao linchamento são, geralmente, lumpen de classe média, puritanos, pessoas que
têm alguma pose e tem medo de perdê-la. No século XVIII até o nobreza assistia
aos linchamentos, mas eles decidiram se afastar deste espetáculo, porque
pensavam que era demasiado brutal, e só era adequado para uma turba que
encontra prazer na sede de sangue. As elites dessa época já eram mais
ilustradas e tinham certo pudor. Então, foram as classes médias, os pequenos
burgueses e os autênticos lumpen que os atuavam nos linchamento.
Há um excelente artigo de Jean Wyllis em Carta
Capital, onde ele indica as outras possíveis causas dos linchamentos, entre
elas, a demora do estado para implementar leis que valorizem a cultura africana
e promovam realmente a igualdade racial. Mas, além desta observação, ele destaca
fatos cruciais: a falta de uma verdadeira e profunda ação educativa e social, a
herança da ditadura, a indiferença com a tortura praticada massivamente pela
polícia, e outras reflexões que deveriam fazer deste artigo uma pedra angular
na apreciação do problema dos linchamentos.
Sabemos, porém. que, ainda há outros culpados, que
estão sempre detrás dos crimes sociais e do estado.
Por um lado, a polícia adota as técnicas do xerife
Wyatt Earp e muitos outros dos anos 1850 a 1900, quando se punha preço aos
criminosos como se fossem objetos perdidos, junto a fotos de seus rostos.
Oferecer dinheiro por denúncias é um método
pérfido, que visa que o cidadão denuncie pessoas por lucro. Além disso,
qualquer pessoa que tenha olhos sabe que, para quem olha uma foto num cartaz,
há sempre vários rostos que parecem atender a imagem, salvo que o procurado
seja muito conhecido (tipo Bin Laden, por exemplo). Então, essas fotos são um
convite sumamente explícito ao linchamento. Como foi dito por alguns ativistas
de direitos humanos, a Internet ainda facilita o linchamento, pois é um método
eficiente para convocar os linchadores.
Por outro lado, deve culpar-se os blogueiros, que
estimulam a perseguição de pessoas que nem sequer estão bem identificadas. Embora
falou-se que o responsável pela publicação da foto em Guarujá poderia ser
responsabilizado, até este momento, não se sabe de que nenhuma ação haja sido
tomada contra ele.
Mas, os principais culpados são alguns
apresentadores de TV, os “especialistas” em segurança, simples charlatães que a
mídia contrata para incrementar o ódio popular, e, obviamente, os numerosos
pastores, padres e outros mercadores da superstição, que atiçam a ralé
ignorante e sanguinária contra quaisquer “pecadores” que apareçam. Isto se faz
não apenas com os que cometem delitos, mas até com aqueles que são simples
dissidentes das crenças impostas pelas elites. Especialmente ridículo (porém
trágico) é o caso do brutamontes que começou uma campanha contra os ateus, acusando
todos eles de criminosos, e deveu parar por causa de que esta perseguição
cretina indignou até algumas pessoas religiosas.
Linchamento e Tortura
Um
linchamento, no Brasil, não é atualmente, apenas um julgamento sumário e
execução arbitrária. Os linchamentos inventados por Charles Lynch (Virginia, EUA, 1736-1796) eram
bárbaros, porém punham a ênfase na morte do réu e na “eficiência”. Já os
linchamentos que se aplicam nas Américas e nos países islâmicos têm por objeto
que a vítima receba uma morte o mais
sádica e dolorosa possível.
Portanto,
linchamento é tortura, mas, além disso,
é uma tortura especialmente cruel: esmagamento, evisceração, mutilação, esvaziamento
dos olhos, queimaduras, empalamento, torturas sexuais, amputações, e assim em
diante.
Não existe
tampouco o tiro de misericórdia
dos vigilantes de Charles Lynch. As ralés enlouquecidas deixam a vítima morrer
de sangramento ou de queimaduras, e celebram o espetáculo da morte enchendo-se
de cachaça e gritando. Se não aconteceu isso com Fabiane, foi porque a polícia
chegou o bastante tarde para
que os linchadores fizessem a primeira faina, e o suficientemente cedo para evitar o espetáculo que tiraria a
“seriedade” ao fato.
Aliás, mesmo
nos regimes e ditaduras mais bárbaras, é infrequente que alguém seja torturado
por mais de três pessoas ao mesmo tempo. No caso de Fabiana, falou-se de cem pessoas. Em
fim, o linchamento está entre as piores formas de tortura.
Linchamento e Ódio
O
ódio coletivo (racial, classista, justicialista, xenófobo, etc.) se transforma
no que o psicólogo austríaco Wilhelm
Reich (1897-1957) chamou “praga emocional” (Emotionale Pest): um estado de
alienação que favorece o surto massivo de rancores, orientados por objetivos
como racismo, genocídio, homofobia e, especialmente,
justicialismo.
Este
ódio é deflagrado pela convergência das deficiências de cada um dos atores em
sua vida individual, especialmente no aspecto
sexual. Tendo rompido com a psicanálise, Reich tirou os mitos da
teoria de Freud sobre o sexo, e deu a primeira explicação da psicopatia das
massas a partir da real repressão sexual[i].
Pesquisas posteriores têm mostrado que torturadores, genocidas, linchadores, e pessoas com ofícios
violentos, satisfazem a dificuldade para obter prazer normal, através da
imposição de sofrimentos nos outros[ii].
Esta
afirmação é evidente mesmo sem fazer nenhuma pesquisa. Por exemplo, a
frequência de estupro entre agentes de repressão na América Latina, nos EUA e
até em alguns países da Europa Ocidental (a Itália e a Espanha, especialmente)
mostram que o ódio do repressor, ou do linchador tem um componente sexual que,
junto com o místico, é prevalente. Em realidade, como quase toda religião
estigmatiza a sexualidade, ambos podem considerar-se equivalentes.
Salvo
numa minoria de casos patológicos, os humanos e outros mamíferos primam pela
tendência à solidariedade e ao afeto, e não à destruição. Como acontece que milhões
desses seres sejam transformados em linchadores por causa de uma “praga
emocional”? Este é um problema cuja investigação foi sempre censurada por
exércitos e igrejas, que ocultam os segredos “industriais” de sua engenharia
do ódio. Mas, existe a impressão de que a alienação massiva e sistemática
consegue criar uma “mística coletiva”.
Isso
estimulou a Reich, Fromm, Marcuse, Mannheim e muitos outros, a buscar uma
explicação para o nazismo. Entretanto, essa praga com raízes psicológicas
precisa de um meio social apto para seu crescimento, e por isso as marés de
ódio surgem em certas culturas em circunstâncias específicas. Entre os diversos “escapes” para os afetados por uma praga emocional,
está o linchamento, que pode ser entendido também como uma forma de vendetta, deflagrada por um detonador externo,
como um ladrão, um estuprador, ou, simplesmente, um desconhecido.
Todavia, embora o linchador não
precise de grandes causas para externar sua violência, a existência de
“valores importantes” reforça muito a intensidade
e a duração de sua vingança. O ódio
contra um cara que assalta um bar para roubar uma coxinha pode ser suficiente
para que ele seja aniquilado depois de horas de espancamento e tortura. Os
linchadores não se importam com a coxinha, mas se importam com o fetiche da propriedade privada. Defendendo
essa propriedade, suas míseras pessoas viram mais importantes, e talvez eles
recebam o reconhecimento do dono do bar, o que os fará sentir-se importantes.
Por exemplo, os mesmos vizinhos de
Fabiana, dizem que o principal linchador, que se dizia arrependido ao declarar
na polícia, andou pelas ruas da vizinhança se vangloriando de ter contribuído a
linchar à menina.
Linchamento e Superstição
Para sustentar uma vendetta poderosa e duradoura, os detonadores devem ser valores
“sagrados” e, por isso, a massa linchadora é messiânica e supersticiosa.
Defende a ordem estabelecida e combate qualquer alteração nas relações
sociais, pois, embora estes valores tenham sido criados para proveito das
elites às quais poucos pertencem, o prazer dos linchadores é uma realização
masoquista: a de sentirem-se usados por amos poderosos.
O linchador místico pretende “fechar” as feridas
abertas pelo criminoso (reais ou imaginadas) aplicando o linchamento. Por sua vez, o feitor sentirá a mesma catarse
destruindo a “vida inútil” do escravo. Como fez notar o general Roméo Dallaire
em 1994, durante sua desesperada tentativa de proteger Ruanda do genocídio[iii], o gosto pela vingança “parecia um tônico”
ingerido pelo linchador que, depois de matar um inimigo, sentia-se “tonificado”
para matar o seguinte[iv]. Esta relação entre vingança mística e
aniquilação é intrincada e aparece em proporções diversas no nazismo, nos
exércitos convencionais e nos sacrifícios rituais.
Amy Louise Wood[v] relata que os linchamentos no sul dos EEUU (o cinturão da Bíblia) estavam rodeados de
preces, cânticos, e conselhos ao linchado para que se arrependesse e ficasse
menos tempo no purgatório. Mas, padres e pastores se assustavam de que a visão
da agonia alimentasse a luxúria dos assistentes. Sabia-se que a maioria dos
linchadores é incapaz de um coito normal, mesmo que seja rápido e sem qualquer
afeto. Então, eles precisam do estupro ou, em sua falta, da masturbação.
Pessoas com estas disfunções podem sentir certo tesão quando veem outras
sofrerem, embora existam muitas disfunções que nada têm a ver com isto. Há um
fato conhecido da famosa atriz Sarah Bernard que coincide com esta explicação:
a atriz sentia-se muito excitada por fatos de sangue e era frequente que
pedisse para assistir a execuções de condenados à morte, para o qual viajava a
qualquer lugar da Europa onde sabia que haveria esse tipo de “diversão”. Outro
caso famoso são as touradas, que usualmente têm um efeito afrodisíaco nas
mentes doentias dos faenadores e do
público.
Cota-Mackinley, Woody e Bell[vi],
numa experiência com estudantes universitários, analisaram com detalhe a
influência da religiosidade no sentimento de vingança. Note-se que isto não é
um acaso. Não há nenhuma religião, salvo as pagãs, que estimule a prática do
sexo por prazer. Embora nem todos os sexófobos sejam religiosos, uma enorme
maioria (possivelmente, acima de 90%) é crente de algum rito. Então, o
linchador acumula a insatisfação sexual com a crença numa proteção divina para
sua vida doente e vulnerável.
Nos estudos de autores americanos sobre o
linchamento, há numerosos diálogos de linchadores que disseram que “achavam um
dever com Deus matar um bandido”. Aliás, não parece um acaso que os
linchamentos que se realizaram nos Estados do Sul, fortemente cristãos, tenham
significado mais de 80% dos linchamentos totais no país. Nos estados mais
seculares, como os do norte, o linchamento era quase desconhecido.
O linchador não acha relevante saber se seu alvo é inocente
ou culpável, porque apenas precisa da convicção de que sua presa deve ser linchada[vii]. Vejam:
os monstros que mataram Fabiane nem pararam para pensar: “será que é ela?”. O
mais provável é que eles mesmos não se importaram. Ela é uma das pessoas lincháveis. Se ela não cometeu nenhum crime, não
importa. A justiça baseada na superstição e a impotência não precisa culpados
reais: apenas precisa satisfazer sua sede de sangue.
Finalmente, é bom mostrar que o linchador alienado pode ter
um tutor intelectual frio, que o
guia para que encontre o alvo certo. Como já vimos, quase sempre o linchador é
modesto e pouco exigente; ele quer alguém para linchar, dentro de um certo
contexto, mas não importa muito como seja exatamente o linchado. Já o tutor tem
algum objetivo; ele quer promover seu programa de TV, sua carreira de
magistrado, ou, nos casos mais humildes, aparecer como o herói de uma
coletividade.
E Agora?
Pode parecer
injusto que esta massa linchadora que matou Fabiane, seja responsabilizada por
algo que nem eles mesmos entendem. São pessoas brutais, sádicos enlouquecidos ,
que banalizam totalmente a existência dos outros. Algumas são pessoas minadas
pelo álcool, a miséria, a droga, e foram empurrados a esta condição
sub-biológica (acho ofensivo para os animais dizer que são subhumanos), pela
própria sociedade, pelas instituições, pelas elites que os condenam à miséria,
pelos magistrados que passam sua togada vida diferenciando entre o Bem e o Mal,
de acordo com o código de Zaratustra. Por outro lado, existem muitos
linchadores na classe média, que são bem integrados socialmente, trabalham, têm
posses, mas compartilham com os outros uma idéia difusa de vingança. O
criminoso, ou, ainda, aquele que se supõe que é o criminoso, mesmo que não
seja, é o outro, é alguém fora do
sistema. Já que o linchador não consegue linchar subversivos ou guerrilheiros,
um suposto criminoso é bom. Então, entre a massa pobre de linchadores e a ralé
pequeno burguesa há uma afinidade: o messianismo, a crença no bem e o mal
absolutos, e a compensação física para suas frustrações.
Alguns relatos
da década de 50 mostram que fazendeiros do Mississipi se sentiam mais calmos
depois de ter assistido a um linchamento de negros e suas esposas apanhavam menos que outros dias, ou,
eventualmente, tinham uma relação sexual menos violenta com elas.
Voltando ao Brasil:
Já que o
Estado no consegue dar educação, civilidade
e valores que ensinem às pessoas a monstruosidade contida nestes atos, é necessário
evitar que estes atos proliferem. Atualmente, estamos numa época
delicada, em que os atos de violência se multiplicam. Com efeito, depois de 11
anos do governo do PT, a direita tem poucas esperanças em conseguir um triunfo
eleitoral, e deve recorrer ao golpe branco, como já se fez várias vezes
(denuncismo, calúnia, falsas investigações, etc.).
A direita
sempre promoveu a violência, desde o império Romano até o nazismo, e no Brasil
não é uma novidade. Pessoas que destroem bens públicos, que são usados pelos
populares, certamente não estão propondo uma sociedade mais justa. Já foi
comentado várias vezes, que muitos dos mascarados que vandalizam as cidades são
pagos. Mas pagos por quem? Será que não há algum nexo entre financiar hooligans para que façam estragos e
financiar grupos de “justiceiros” para tornar a sociedade cada vez mais
selvagem?
O linchamento,
além de bárbaro e desumano, é um excelente método para promover o ódio social.
A direita diz continuamente que “o governo federal no promove a segurança”. Aliás,
exatamente a mesma coisa se diz na Argentina e na Venezuela. Coincidência???
Já citei
acima a interpretação dado por um “sociólogo(?)” da PUCMG defendendo os
linchadores. Temos várias dúzias de apresentadores de TV especializados em
sangue, entre eles, a mulher que fez propaganda da tortura de um jovem negro, e
foi denunciada por mensagem de ódio.
Em fim, o linchamento
conduz ao caos social, e nada melhor para criar um clima de golpe que esse
caos.
A prisão,
como castigo, é inadequada na imensa maioria das vezes. Só aumenta o
ressentimento do preso e sua maior degradação. Isto é ainda maior quando a
pessoa não têm recursos para sair da miséria. Portanto, os linchadores mais
marginalizados devem ter um sistema de seguimento que faça possível sua
recuperação. Como o linchamento requer certos sentimentos de crueldade, de
servilismo com as instituições e de desprezo por pessoas igualmente
marginalizadas que ele, sua recuperação pode ser muito difícil, mas deve ser
tentada.
Além disso,
é necessário neutralizar este tipo de ações, tendo em conta que elas encorajam
a brutalidade em escala reprodutiva. Não se pode esquecer que a direita
especula com uma espetacular baderna geral para os jogos da Copa, o que poderia
colocar a democracia em xeque.
Sobre a
relação entre política e linchamento, recomendo este artigo. Ele é interessante
do ponto de vista de etiologia do fenômeno.
http://www.brownpoliticalreview.org/2014/04/lynching-in-latin-america-crime-or-popular-justice/
[i] Reich,
Wilhelm: Psicologia de Massas do
Fascismo (São Paulo, Martins Fontes, 2008). Vide especialmente o capítulo
7.
[ii] Nos EEUU, percebe-se desde os anos 90, um
acúmulo de abusos sexuais por parte de
militares, extremamente superproporcional ao
que existe entre civis com as mesmas características. Entre os muitos estudos
estatísticos, este é um dos mais expressivos, apesar de estar algo envelhecido.
Marshall
L.: The connection between militarism and violence against women. Copyright
February 26, 2004.
[iv] Recomendo
veementemente a leitura de:
Dallaire, Roméo: Shakes Hands with the Devil. The Failure of Humanity in Rwanda
(Carroll & Graf, NY, 2003). O
livro do tenente geral Dallaire, chefe da missão da ONU em Ruanda em 1993-1994,
descreve aquele genocídio com um incrível calor humano. Embora sendo um tema
diferente ao de nosso livro, ninguém têm dado uma visão mais sincera e profunda
do cinismo das grandes potências e da forma em que os imperialistas desprezam
os direitos humanos.
[v] Wood,
Amy L.: Lynching
and spectacle: witnessing racial violence in America, 1890-1940 (UNC
Press, 2009)
[vi] Cota-McKinley et al.: Vengeance: Effects of gender, age, and religious
background. Aggressive
Behavior; 27, 5, sept. 2001 (341- 403)
[vii] Schulz,
William F.: The phenomenon of torture: readings and
commentary (University of
Pennsylvania Press, 2007), passim.
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