Caso Assange: UK Deve Respeitar a
Lei
Carlos
Alberto Lungarzo
Prof. Tit. (r) Univ. Est. Campinas,
SP, Br.
19 de agosto
de 2012
O jornalista Bergman é
ameaçado de demissão do programa 60 minutos, por lançar uma campanha
contra o consumo de cigarro. Ele se queixa então com sua esposa, que tenta
confortá-lo.
Sharon Tiller (personagem de Lindsay
Crouse) - Este é um
país grande, com imprensa livre. Você pode trabalhar em outro lugar.
Lowell Bergman (personagem de Al Pacino, esposo de Sharon) - “Imprensa livre?” A imprensa é livre para quem é
proprietário dela.
Filme O Informante, a partir de
02:11:40 do começo.
O governo neoliberal do Reino Unido tem deixado no ar uma
ameaça que o coloca na linha dos governos fascistas dos anos 30 e de tiranias
religiosas como Irã: invadir a embaixada
de um país com que mantém relações normais.
A atitude do chanceler William Hague foi ambígua, afirmando
por um lado, que se estava cogitando uma solução negociada, mas lembrando, por
outro, que existe uma lei britânica que permite invadir uma embaixada.
Esta ameaça seria uma infâmia em qualquer caso, mesmo se o
asilado fosse um chefe de Al-Qaida. Nesse caso, o que poderia fazer o governo do
UK seria romper relações com o Equador, e expulsar todos os membros da
Embaixada. Deveria permitir, porém, que esses diplomatas levassem consigo seu
asilado, quem quer que fosse, com total segurança.
Se ainda no
caso de um terrorista seria uma barbárie invadir uma embaixada, não existem
termos, nem em português nem em inglês (e, possivelmente, tampouco em sueco)
para qualificar a atrocidade que deixou no ar o chanceler britânico William Hague.
O asilado não é nenhum
terrorista, mas é um militante da liberdade de expressão, aquela liberdade que os EEUU e o UK
dizem cinicamente defender, e que a Suécia realmente defendeu e praticou até
2006, quando triunfou a atual gangue neoliberal semifascista.
Razões Jurídicas Contra a Invasão
A Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas de 1961 (Vide) garante
a imunidade dos edifícios das embaixadas estrangeiras, em seu Artigo
22. Todos os grifos são meus:
1. As
instalações (premises) da missão
serão invioláveis. Os agentes do Estado receptor não
podem entrar nelas, exceto com o consentimento do chefe (head) da missão.
2. O
Estado receptor tem a obrigação especial de adotar
todas as medidas apropriadas para proteger as instalações da missão contra
qualquer intromissão ou dano, e evitar qualquer perturbação da paz de missão ou
menoscabo
à sua dignidade.
3. As
instalações da missão, sua mobília e outras propriedades e os meios
de transporte da missão deverão ser imunes de procura, busca,
condicionamento ou execução.
Observe que, do inciso 3 deduz-se
evidentemente que os automóveis da Embaixada estão protegidos também pela
imunidade. A Convenção não faz nenhuma exceção: não diz que esteja proibido levar
ao aeroporto a um hóspede da embaixada, mesmo que não seja um diplomata. Inclusive,
como as autoridades do país hospedeiro não têm o direito de fazer buscas nos
meios de transporte, tampouco podem, a
fortiori, determinar quem pode ou não viajar nesses transportes.
O Artigo 27, inciso 3, reforça este direito garantindo a
inviolabilidade de todos os containers usados
para o transporte (malas diplomáticas).
Se, num ataque de omnipotência, o governo britânico decidisse
romper relações com Equador por causa deste incidente, o Artigo 45 (a) da
Convenção de Viena exige que todas as pessoas e bens dentro da embaixada sejam
respeitados. Então, o UK não poderia aproveitar
a confusão para entrar e capturar Assange.
O governo Equatoriano
tem, então, todo o direito de transportar Assange até um avião de sua mesma
bandeira e desloca-lo ao Equador. Com extremo cinismo, a grande mídia internacional omite dizer
isto, e coloca em suas matérias frases duvidosas como “a situação é
complicada”, ou “o futuro é incerto” e outras ambiguidades para aumentar a
guerra psicológica. Obviamente, o governo de Equador não fará isto (embora
tenha todo o direito) porque sabemos que os governos imperialistas usam o
direito da força. Quem pode impedir um acidente de carro, que existem em
quaisquer cidades do mundo (embora sejam mínimos no UK), onde, por um “acaso”,
o carro diplomático que transportasse Assange explodisse, matando todos seus ocupantes?
Com o extraordinário bom senso e inteligência que o
caracteriza, imaginamos que o presidente Correa fará todo o possível por
negociar uma saída consensual.
Hoje, ao
falar desde a sacada da Embaixada, Assange não foi vítima de nenhum ataque, o
que pode entender-se como um sinal que não há interesse direito em fazer graves
provocações. Todavia, na última Quinta Feira, a tentativa “dissimulada” e
pacífica de entrada de alguns policiais nos jardins da Embaixada parece um
“teste” para os nervos da Embaixatriz e sua equipe.
Pela
Convenção de Viena, então, forças do UK estão absolutamente proibidas de entrar
na Embaixada e obstruir seus transportes. Mas, eis que o chanceler deixou certo
clima de suspense sobre a possibilidade de que o recinto seja invadido. Ele
disse que o UK estaria disposto a negociar, mas, quando os jornalistas
perguntaram se o governo poderia atacar a Embaixada, o ministro disse que há
uma lei que permitiria o fazer.
A lei
aludida é o Ato de Recintos Diplomáticos e Consulares de 1987, especialmente
o capítulo 46, aprovado pelo Parlamento Britânico em 1987. (Vide). Este
estabelece limites a imunidade e foi aprovado por causa de um grave incidente
produzido em 1984, frente à embaixada da Líbia. Naquele ano, um grupo de
manifestantes protestou pacificamente na rua contra o ditador Gaddafi, mas o
pessoal diplomático respondeu com armas de fogo desde as janelas, matando uma
pessoa.
A partir
daí, a imunidade dos recintos diplomáticos pode ser alterada por causas de
saúde pública, segurança nacional e planejamento urbano. Nenhuma destas cláusulas se
aplica ao caso em pauta, pois asilar uma pessoa procurada (seja justa ou
não a perseguição) não afeta a saúde nem
a segurança de ninguém, muito menos o planejamento urbano.
Trata-se de
um desafio ao direito internacional com base na força militar e econômica que
os países imperialistas possuem. A reação da OEA, que se reunirá em 24/08
deveria ser de enérgico repúdio e de começar um movimento prevendo a
possibilidade de endurecer as relações multilaterais com o UK. Entretanto, sendo
que os interesses políticos e diplomáticos estão vinculados a conveniência,
lucro e poder, e não a qualquer ética social (salvo em caso de alguns pequenos
países, dos quais Equador e Uruguai são exemplos), é difícil que a reação da
América Latina tenha a dignidade que a gravidade do assunto merece.
A Jurisprudência Internacional
Suponhamos
que o UK não ataque a Embaixada. Entretanto, ele se recusa a dar um
salvo-conduto a Assange, o que tornaria a saída do perseguido uma aventura
perigosa. Mas, vejamos que, embora as grandes potências achincalham dos mesmos
princípios que dizem defender, e jogam no lixo os tratados que eles obrigaram
assinar a outros, existe sim uma jurisprudência internacional que favorece a Assange a
seu hospedeiro, a República do Equador.
O caso da
Julian Paul Assange é muito similar ao do político peruano Víctor Haya de La Torre,
que foi tratado em 1950 pela Corte
Internacional de Justiça da Haia (vide). De La
Torre era um líder da esquerda populista, porém em algum momento aliado com a
esquerda marxista. Ele tentou promover uma revolução, mas foi perseguido pela
ditadura de Manuel Odria. Deveu, então, asilar-se na embaixada de Colômbia em
Lima, para evitar ser preso por seus inimigos. (Vide o acórdão completo da
Corte neste link)
Observe as
semelhanças com o caso Assange:
1. De La Torre foi
acusado de rebelião e se refugiou na embaixada da Colômbia.
2. Peru negou salvo-conduto para tirar o
asilado do país, e exigiu sua devolução.
De La Torre tinha uma proposta política progressista e
seu perseguidor era um tirano. Mas, se os perseguidos por razões políticas
devem ser protegidos, com maior razão devem ser protegidos os perseguidos pelo
exercício dos direitos mais básicos e essenciais, como o direito de esclarecer a opinião pública e difundir a verdade.
A acusação de estupro contra Assange é tão notoriamente
falsa que a promotoria sueca se recusou do gentil convite do Equador para interrogar
Assange dentro da própria Embaixada. É óbvio que esta displicência visa
acirrar os ânimos para que pretexto de perseguir Assange continue no ar.
Por outro lado, o sistema político e judicial do UK não
está agindo por razões legais, mas apenas como triste serviçal dos EEUU, que se
considera com o direito a indiciar, julgar e condenar pessoas que estão em outros
países, como se o mundo todo fosse deles.
Além disso, a violação dos secretos americanos foi feita
para mostrar a natureza dos crimes de guerra dos novos bárbaros da época
industrial, e seus massacres nos países invadidos. Não é exagero dizer que ninguém
prestou ao mundo um serviço tão grande durante o século 21 como a organização
Wikileaks, vazando documentos de governos criminosos ou de condutas criminosas
de governos quaisquer.
Então, digamos que De La Torre e Assange tem o mesmo
direito. Sentado isto, observemos qual é a parte resolutiva do acórdão da Corte
Internacional em 1950.
A
Corte se pronunciou por 13 votos a 1 com o seguinte enunciado:
A Colômbia não tem qualquer obrigação de entregar
Víctor Haya de la Torre às autoridades Peruanas.
(Veja
o parágrafo final do documento já citado).
Conclusões
·
Atacar a Embaixada seria um crime gravíssimo
contra a ordem internacional e, se acontecer, ninguém terá direito a reclamar
contra ações similares que tenham como alvo as legações britânicas, mesmo se
essas ações fossem socialmente erradas.
·
Existe pouca jurisprudência internacional
sobre um caso como este, porque apenas ditaduras como a
Argentina, o Peru, a URSS, a Etiópia e a China tiveram a insolência de bloquear
a saída de asilados que estavam em embaixadas. Entretanto, a jurisprudência, mesmo pequena,
mostra que a Corte Internacional de Justiça não autoriza ao governo receptor à
exigir a devolução do asilado, como está fazendo o UK com evidente má fé e
prepotência.
·
A negativa a dar um salvo-conduto a Assange
pode ser vista como um direito do país receptor, mas este não pode
impedir que Assange seja transportado por
um veículo oficial equatoriano até um avião dessa bandeira.
Ou seja, existem direitos tanto da soberania
britânica, como da Equatoriana. Neste caso, é direito do UK manter sua ordem de
captura contra Assange, mas seria um crime de estado aplicar esta ordem a
alguém que está dentro de uma Embaixada, ou acima de um veículo dessa
Embaixada. O ato de 1987 não modifica
neste ponto a Convenção de Viena de 1961
.
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