Correa & Assange: Primeira Vitória, mas não Última
Carlos Alberto Lungarzo
Prof. Tit. (r) Univ.
Est. Campinas, SP, Br.
25 de agosto
de 2012
Na reunião da Organização
dos Estados Americanos de ontem, o governo de Rafael Correa e todas as
forças progressistas da América Latina e do mundo, tiveram a primeira vitória
no que pode ser uma longa e árdua corrida para liberar Julian Assange da caçada de bruxas lançada pelos Estados Unidos.
Equador não conseguiu, porém, que o termo “ameaça” (em
referência ao ato de terrorismo verbal dos britânicos de sugerir que atacariam
a embaixada) fora incluído no texto. Mas, esse detalhe semântico é menor, pois
todos os países, incluso os EEUU, porém não Canadá, aprovaram o segmento onde
se lembra a inviolabilidade das delegações diplomáticas e se insta ao UK e ao
Equador a continuar as negociações. Os EEUU não votaram o ponto 4 no qual os
países da América Latina declaram seu apoio ao Equador, mas ele foi aprovado
por todos os latinos.
Jean-Luc Mélenchon, ex-candidato marxista à presidência
da França foi fator decisivo no triunfo de Hollande,
ao desequilibrar a balança da direita com 11,1% dos votos que ganhou no
primeiro turno e repassou a Hollande no segundo. Ele propõe que a França se
some aos países que apoiam a Equador contra ao Reino Unido. Este é um assunto
complexo, pois a brava França sempre esteve dividida entre direita e esquerda,
e hoje o governo progressista é uma ilha
no mar do neofascismo de uma Europa genuflexa aos EEUU. Mas é fundamental que
os brilhantes ativistas franceses mantenham vigilância sobre o que acontece em
Londres.
Embora a decisão da OEA possa parecer um triunfo pequeno, é
importante que, após a reunião desta organização, o Reino Unido tenha diminuído
suas brutais ameaças de invasão, que se apoiavam no Diplomatic and Consular Premises Act de 1987. Este ato foi aprovado
para conter os ataques das embaixadas contra a sociedade britânica, e não
para justificar a ação do UK contra as embaixadas que defendem os
Direitos Humanos.
A motivação deste Ato foi o ataque de 1984 dos funcionários
líbios da embaixada de seu país, contra uma passeata pacífica, durante a qual
mataram uma jovem policial disparando jatos de metralha por uma janela.
Curiosamente, os indignados ingleses nunca invadiram a embaixada líbia, e até
Tony Blair teve a falta de decoro de reatar relações com Gadaffi algum tempo
depois, sob a enorme crítica dos sobreviventes dos atos terroristas do
demencial jagunço islâmico.
Agora, o UK não fala mais do famigerado Ato, e reforça seu
interesse no caminho da negociação. Mas, isso não deve fazer levantar o alerta,
com certeza. Hoje mesmo, um plano traçado para sequestrar Assange apenas assomasse
um átomo de seu corpo fora da embaixada, vazou dos escritórios de Scotland Yard.
Não era um plano muito secreto nem bem protegido, é claro, mas mostra que a
imprensa não está disposta a se deixar amordaçar e não tem interesse em fritar
Assange.
Mas, existem vários interrogantes que só podem ser
respondidos por aproximação, com base em conjeturas:
1.
Por que William Hunt se apressou a
pressionar Equador com ameaças tão truculentas e desconhecidas na história
diplomática (salvo no caso de Irã) como a de invadir a Embaixada?
É quase certo que Hunt, Cameron e
suas equipes tenham pensado, com bastante motivo, que os governos de América
Latina são, em sua maioria, fracos e acomodados. Talvez eles lembrassem o caso
de um refugiado político que deveu esperar quatro anos para que o governo do
país em cujo território (e não
embaixada) estava prisioneiro, recusasse sua extradição. Os ingleses devem ter
apreendido que governos ambiciosos e sem escrúpulos não tem problema em
negociar vidas humanas por vantagens econômicas e estratégicas, ás vezes ínfimas.
Mas eles erraram, porque Correa,
junto com Evo Morales, Daniel
Ortega e talvez algum outro, são exemplo de dignidade e humanismo.
2.
Por que os EEUU apoiaram parcialmente
a resolução da OEA?
Os EEUU tentaram se opor à convocação
da OEA com diversos pretextos, mas não tiveram sucesso. Quando, em 2007, Correa
convocou a Organização por causa do ataque a seu próprio território pelos
Estados Unidos e seus servos colombianos, os americanos se opuseram, porque aí
eles estavam implicados de maneira óbvia. Aliás, argumentaram, naquele momento,
que se tratava de uma ação antiterrorista.
Mas eles não podiam acusar Assange de
terrorismo. Mesmo para a barbárie e cinismo da Casa Branca existe um limite.
Eles não podem dizer que já têm um Grande Júri formado em Virgínia para
condenar Assange, embora todo mundo saiba, e que há um forte movimento para
executar o ciberativista. Votar em favor de Equador significa simular neutralidade
e aguardar, na esperança de que os equatorianos relaxem e abram uma brecha para
que algum comando britânico possa retirar o perseguido do edifício da embaixada
de maneira silenciosa. Talvez possam usar
o poderoso agente 007, mas temo que ele já esteja um pouco velho para ações que
requerem muita ação e acrobacias.
Jornais e blogues financiados pela CIA e “companhias” fraternas
se deleitam observando que a OEA não
decidiu nada sobre o asilo de Assange. Mas, ninguém colocou a questão do
asilo, e esse problema jamais esteve em pauta. Embora o asilo seja uma
instituição universal do direito humanitário, as leis internacionais sobre
asilo não obrigam o UK, porque os
países Europeus não são signatários de nenhum acordo sobre proteção
diplomática.
Mas, o Equador já disse que recorreria às Nações
Unidas e ao Tribunal da Haia. Se, como esperamos, essa decisão é forte, e o
governo Equatoriano resiste as veladas ameaças de parte da imprensa britânica
(como o comentário do jornalista Will Grant da BBC Latino América, para quem “colocar
mais gente no problema complicaria a situação”), ela pode ter um resultado de
pressão. A Comissão de DH da ONU deveria condenar a ação do UK. Embora
os imperialistas se importem pouco das condenações morais, também devemos reconhecer
que o imperialismo não tem agora a mesma força que há 40 ou 50 anos, e que este
neofascismo globalizado não pode ignorar totalmente as normas, como fez o 3º Reich
nos anos 40.
No que diz respeito à International
Court of Justice, de Haia, ela poderia tomar como referente o caso de 1950,
Peru contra Colómbia, por causa do
asilo de Víctor H. de La Torre.
A negação de salvo-conduto para
Assange não é uma infração diplomática, já que a UK não está submetida à
jurisdição internacional nesse ponto. Mas é um crime contra os direitos humanos,
já que viola a Declaração Universal em seu artigo 14, onde garante que toda
pessoa tem direito a pedir e desfrutar do asilo.
A Declaração não obriga a nenhum país
a dar asilo. Contudo, se o perseguido
conseguir o asilo de um país, esta lei outorga
o direito a usar esse asilo. Mas, o UK está obstruindo o disfrute desse direito.
Logo, o UK está se opondo a uma norma Universal (e não apenas regional) dos
Direitos Humanos.
O único argumento que o UK poderia
usar é que Assange está perseguido por supostos “delitos comuns”. Bom, mas
então provem que existem esses delitos!
Até um estado fascisto-stalinista-delinquencial
como a Itália pediu a extradição de Battisti acompanhado um enorme dossiê. As “provas”
apresentadas no dossiê eram todas falsas, mas, pelo menos, teve a gentileza de “enganar”
os que queriam ser enganados.
Nos próximos passos, várias entidades
e pessoas tem um papel fundamental:
1. A esquerda sueca, especialmente as feministas de esquerda. Elas podem ajudar muito se seguirem o caminho de
Hellen Bergman, que é consciente de que o
embuste do estupro manuseia e deturpa a longa luta das feministas pelos
direitos de gênero. Ela moveu um processo contra a misteriosa promotora
Marianne Ny, cujo resultado é incerto.
2. Os grupos de defensa cibernética, como o próprio Wikileaks e,
especialmente, Anonymous. Eles têm mostrado bastante
eficiência (que, no entanto, deve ser aprimorada). Esta réplica dos ciberativista
é estritamente defensiva e pacífica, pois ninguém pode dizer
que a destruição de bits ou instruções seja uma violência contra
alguém. Não existe, que eu saiba, o genocídio de elétrons. (Que deveria chamar-se “eletrocídio”).
Todos os dias, em nossos computadores “matamos” trilhões de inocentes bits.
Por que não mata-los nos computadores que armazenam dados para matar seres humanos e
destruir povos?
3. E, obviamente, os países latinoamericanos. Em particular, a Argentina deveria
pagar uma forte dívida que tem com o Equador. Apesar de ser um pequeno país,
que não tira nenhum lucro de sua política externa, como fazem outros estados da
região, o Equador apoiou a reclamação territorial da Argentina. Se o país
austral moveu até um boicote contra o UK por uma causa mais do que discutível,
sem repercussão alguma sobre os direitos humanos, deveria envidar um esforço
pelo menos duplo para ajudar a tirar de sua prisão a pessoa que mais preocupa
ao imperialismo em todo o planeta.
4. Os seis prêmios Nobel da Paz, que pretenderam inutilmente serem
recebidos por Cameron, para reclamar sobre as Malvinas. Eles deveriam pensar
que a causa da transparência, a verdade, e a luta pelos direitos humanos são
bem mais importantes que qualquer disputa por ilhas, penínsulas ou continentes
inteiros. Salvo para os místicos do Blut
und Boden, nunca a matéria inanimada pode valer o mesmo que as vidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário