Ocupação da embaixada Americana; 1979. Teerão
Caso Assange:
Quantas Vezes já Aconteceu Isto?
Carlos Alberto Lungarzo
Prof. Tit. (r) Univ. Est. Campinas,
SP, Br.
21 de agosto
de 2012
Se ficava alguma dúvida de que a Suécia e o UK atuam como alcoviteiros
dos EEUU para prender Assange, o empenho
britânico em atacar a Embaixada de Equador dissipa qualquer ceticismo.
Quantas vezes foi assaltada uma embaixada neste planeta? Nas
últimas décadas, quase nunca. Todos
os dias, tanto grandes potências como ditaduras pequenas e médias produzem
fatos muito mais graves que a violação de imunidade diplomática: tortura, genocídio,
execuções, massacres.
No entanto, para a mentalidade fetichista da sociedade de
classes, o assalto a uma embaixada é uma espécie de sacrilégio, um pecado
mortal. Os governos se acham sagrados, já que representam as elites de seus
países (embora sejam votados por muitos outros), e por isso o ataque a uma
embaixada é visto como um ato que não deve generalizar-se, porque, quando se
quebra um fetichismo, todos os que se utilizam dele, ficam desmoralizados. Há uma
saída colonialista, é claro. O mundo se divide entre verdadeiros países e bolsões
de população pobre. A sacralidade das embaixadas vale para os primeiros,
mas não para os segundos. No entanto, o risco de escândalo tem feito que até os
mais violentos e irracionais sistemas políticos se abstenham de invadir as
embaixadas de seus piores inimigos.
Aliás, atacando uma legação diplomática, o país agressor está
justificando que tal ato seja realizável por outros que tenham pretextos
similares ou diversos, e corre o risco (como sem dúvida acontecerá neste caso),
de que suas próprias legações sejam alvo de ataques no mundo todo. É claro que,
para manter a hipocrisia das relações internacionais, os governos não ousariam
manifestar-se em alta voz, mas abundam os movimentos populares em quase todo o
mundo, capazes de reagir a nossa eterna condição de lata do lixo da OTAN e seus
lacaios.
Por esse e outros motivos, quase
nunca um governo foi capaz de assaltar a embaixada de outro país em seu
território.
Como já comentamos em
vários posts desta série, em casos
excecionais e bem determinados, o UK, através de seu Act 46 de 1987, pode
permitir-se entrar numa embaixada. No entanto, um fato mais do que curioso é
que, sendo esse Act motivado pelo
ataque de funcionários da embaixada Líbia contra policiais londrinos, o UK
não fez uso de seu privilégio de entrar na embaixada da Líbia, mesmo após essa
nova lei.
Ou seja, o atirador ou atiradora que crivou de balas à jovem
policial Ivonne Fletcher, de 26
anos, em 1984, nunca foi procurado, nem mesmo identificado. Apesar
do pretencioso Act 46, o UK preferiu
pensar no rico e barato petróleo líbio, que Gaddafi vendia a preço baixo, do
que fazer justiça com uma garota assassinada. No país que asilou Karl
Marx, parece que tempo corre no sentido oposto, em direção à Idade Média.
Isto, por si só, é uma gritante autoconfissão do cinismo e da
hipocrisia do já decaído (não apenas decadente) império britânico.
Aliás, essa lei não foi usada jamais. É verdade que em 1988,
policiais britânicos entraram na embaixada de Cambodja para expulsar um grupo
de sem-teto que a tinha ocupado, mas fez isso por indicação do próprio embaixador de Cambodja.
Não existe, então, nenhum ataque de um país democrático contra uma embaixada
que seja lembrado na história da diplomacia.
Mas... esta reflexão não apenas para os democráticos. Nem
mesmo as ditaduras ousam atacar embaixadas. Em 1973, quando Harald Edelstam
tinha refugiados em sua casa particular e na embaixada da Suécia no Chile,
totalizando algo mais de 1000 asilados, a recém instalada ditadura de Pinochet
teve a tentação de invadir a sede, mas mudou em seguida de idéia, e até, tempo
depois, deu salvo-condutos para que os asilados pudessem viajar a Suécia. (Um
desses asilados foi o diretor do filme onde se critica a nova Suécia neoliberal
Bastardos no Paraíso, Luis R. Vera).
No último meio século ou mais, o único país que atacou uma
embaixada foi o Irã, que ocupou a legação americana e fez reféns. Ora, seria
uma grande surpresa saber que os britânicos, com seu histórico de humanismo,
ciência e democracia (misturado com colonialismo e patíbulo) desejam ser
comparados com aquele mundo obscuro de fanáticos místicos e apedrejadores de
mulheres.
Que se pode dizer, então, dos que em vez de assaltar
embaixadas, preferem recusar salvo condutos aos asilados nelas? A verdade é que
são muito poucos, e quase nunca foram países democráticos.
Os casos mais conhecidos são:
1. Peru contra a embaixada de Colômbia nos anos
40, durante a ditadura de Manuel Odria.
2. A Hungria pró soviética contra a
embaixada dos EEUU entre 1956 e 1971, para evitar o asilo do cardeal, que
esteve finalmente 15 anos dentro da delegação.
3. Argentina durante a última ditadura,
contra a embaixada de México, para impedir a saída de um grupo de refugiados.
4. A Etiópia contra a Itália também para
conter asilados.
5. A prática aconteceu também várias
vezes com a China, mas quase sempre o governo chinês acabou negociando.
A ameaça de Hague, não desmentida e
consentida por Cameron, coloca potencialmente a UK como candidato a executar um
dos atos mais escandalosos da história diplomática e também um ato nunca
realizado por um governo dito “democrático”.
Embora exista genuína preocupação nos países
Latinoamericanos, pareceria, pelo menos externamente, que os estados que se
solidarizam com Correa, como no caso do grupo ALBA, não estivessem adotando
planos concretos de ação no caso de que esta barbaridade acontecesse. Se bem a
pressão internacional jamais preocupou aos EEUU, é verdade, no entanto, que os
britânicos são mais perceptivos das queixas externas, especialmente porque seus
cidadãos são, em média, muito mais conscientes. Entretanto, se o UK tentasse
uma blitz contra o Equador, não parece que existam meios para impedi-lo ou para
uma rápida resposta.
Depois, vai ser tarde demais, mesmo se houver (sem dúvida não
haverá) pedidos de desculpas. Os países da região, especialmente os mais
fortes, como o Brasil e a Argentina, devem posicionar-se energicamente contra
esta ameaça. As manifestações indignadas são necessárias, mas os governos não
se preocupam com elas se não soubessem que serão seguidas de atos concretos. Em
particular, a Argentina podia utilizar a energia humana desperdiçada em sua
longa disputa territorial de quase dois séculos e, agora, confrontar-se com a
Grã Bretanha por uma causa realmente racional, humana, universal e
progressista.
É necessário ter em conta que o sequestro de Assange pode ser
um ato relâmpago, do tipo que costumam fazer os israelenses com mais discrição,
e que se uma pessoa de tanto valor para o mundo for assassinada aos 41 anos,
todos nós devemos nos considerar culpáveis.
Há vários indícios de
que a tocaia está montada e prestes a funcionar:
1.
Suécia mente com uma hipocrisia torpe.
Diz, por um lado, que a caçada a Assange nada tem a ver com Wikileaks. Mas, por
outro lado, diz que não pode dar
garantias a Assange. Afirma que quem deve fazê-lo é o governo dos EEUU. Mas,
não disseram que o problema era um suposto estupro??? O que os EEUU têm a ver
com isso???
2.
Por sua vez, os EEUU dizem que não
está em pauta a extradição de Assange, mas a Suécia transfere para os
americanos a responsabilidade de dar garantias. Se Suécia pensa que os EEUU não
querem extraditar Assange, por que deveriam fazer a ressalva de que eles (os
suecos) não são responsáveis, mas sim os americanos?
3.
A Suécia não está obrigada a aceitar
um pedido de extradição, como nenhum país está. Por que, então, cogitar que
Assange poderia acabar sua viagem nos EEUU? Será que já tem preparado até os
termos do aceite de extradição?
4.
Alguém pode confiar na palavra dos
americanos? Os europeus, tendo as melhores livrarias da Europa e os melhores scholars, não leem livros de história? Não conhecem os milhares
de abusos dos EEUU contra outros países, especialmente nas Américas, violando
todos os acordos, mesmo escritos e carimbados?
5.
Finalmente: suponhamos que os EEUU
tem um raro ataque de sensibilidade (talvez porque os explosivos que lançam no
mundo vêm, em alguns casos, com um “gás da bondade”). Eles decidem julgar Assange
e, em vez de condená-lo a morte, dão-lhe dois meses de cadeia.
Ora, por que a opinião pública
deveria tolerar isso? Por que alguém que luta para esclarecer uma humanidade
narcotizada pelas grossas mentiras da mídia comercial, que defende a paz, que
desvenda os secretos da agressão genocida e imperialista, por que essa pessoa,
em vez de receber o prêmio Nobel da Paz (dado a muitas pessoas que não
mereciam) deveria amargar um castigo, mesmo de dois meses de prisão.
No meio a esta angústia insana, cabe uma reflexão divertida.
Se os suecos e ingleses fossem sinceros, todo este absurdo alarde de ameaças
teria sido motivado por uma denúncia do que se chama “sexo em condições
inadequadas”, pois não é, em termos estritos, um estupro, mesmo tomando
literalmente as declarações suecas. Aliás, esta denúncia não foi formulada
oficialmente, pois a promotora diz que só pretende um interrogatório.
Ou seja, os britânicos
vão provocar um total desastre por causa de uma amigável conversa entre Assange
e alguns policiais!
Será que vivemos no século 21, realmente, ou estamos na
cultura micênica, quando duas civilizações quase se destruíram, segundo a lenda,
por causa do sequestro amoroso de Helena de Tróia?
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