Assange & Correa
Contra Chantagem Britânica
Carlos
Alberto Lungarzo
17 de agosto
de 2012
Os avanços das sociedades ocidentais em termos de direitos
individuais estão fortemente ameaçados pelo
aumento da insolência dos grandes países, quando entram em jogo interesses políticos e de hegemonia. “Grandes países”
não significa apenas “forças imperialistas”. Inclui também os que atuam como seus
serviçais, e também os estados ditos “emergentes” com desejos expansionistas.
Rafael Correa Delgado, presidente do Equador, tem mostrado
enorme racionalidade, espírito solidário e coragem, ao dar asilo diplomático ao
famoso escritor, ciberativista e militante libertário Julian Paul Assange,
que se refugiou na Embaixada de Equador em Londres, após os tribunais
britânicos terem desconhecido seu direito a não ser extraditado. Ele foi alvo
de denúncias da Suécia sobre abuso sexual,
consideradas falsas por grande parte da população desse país, incluídas
importantes lideranças feministas de esquerda. Cuidadoso de minimizar o
constrangimento do governo britânico, Correa esperou o fim das Olimpíadas, para
não gerar qualquer clima de tensão durante os jogos.
A Cilada Sueca
Se existisse
outra vida, o famoso Olof
Pälme e o corajoso Harald Edelstam (o Pimpinela Preta) morreriam novamente,
agora de horror, ao ver a imagem do povo sueco, que fora modelo de uma
sociedade quase perfeita, com uma democracia ilibada e uma obediência quase
completa aos Diretos Humanos, ser vilmente pisado.
(Edelstam é
considerado um herói nacional pela esquerda chilena, por ter salvo mais de 1000
militantes das garras de Pinochet, com risco de sua própria vida. Também refugiou
em sua embaixada mais de 50 uruguaios.)
Mesmo muito
antes de Pälme, a Suécia teve o movimento operário mais consciente da Europa e
a mais fértil imprensa progressista do planeta. Até tempos recentes, a palavra
“censura” era quase um palavrão na sociedade sueca. O país, diferente aos da
América do Sul, não permite uma ditadura
do judiciário, pois a figura de revisão
judicial não existe, salvo para matérias extremamente complexas, polêmicas
e vitais. O país foi sempre um modelo de liberdade sexual e falta de
preconceito, e ainda hoje é a sociedade mais secular do mundo.
Mas, a
partir de 1992, a violenta onda da globalização, tirando proveito da autonomia
e falta de influência da Suécia, quebrou parte dos antigos sentimentos de
democracia, internacionalismo e repúdio pelo imperialismo americano e europeu.
Após de muita resistência popular e vários plebiscitos fracassados, a Suécia
entrou na União Europeia em 31/12/2009, colocando algemas em sua antiga
tradição humanitária.
Enquanto, no
passado, a Suécia restringia suas armas às necessidades estritas de defesa,
hoje venda armas a qualquer um que pague, incluindo estados com histórico de
beligerância, como os EEUU, a Argentina e o Brasil.
Neste
momento, com 194 poltronas de centro
direita contra 154 da esquerda no
Parlamento, a política sueca é facilmente controlada pelos aliados de John Fredrik Reinfeldt do Partido
Moderado, um conservador que parece inofensivo comparado com a direita selvagem
das Américas, mas que representa um enorme retrocesso na outrora progressista
cultura escandinava.
Como todos
sabem, as acusações de estupro contras Assange nunca foram provadas, e até a
denúncia das supostas vítimas são deficientes. Ele foi acusado por Anna Ardin (veja foto), com a que teve
relações sexuais, de ter tirado sua camisinha no momento da penetração. Isso é
bem diferente que submeter uma mulher pela força e penetrá-la contra sua
vontade.
Alguns se
perguntam: Mas, por que Assange não quis dar nenhuma satisfação? Era um assunto
simples de esclarecer com um juiz ou promotor escandinavo, num dos pouquíssimos
lugares do planeta onde o judiciário não é quase totalmente iníquo.
Anna Ardin é
uma “teopolítica” do movimento religioso inserido dentro do Partido Social
Democrático (O Movimento da Irmandade),
apoiada, ao que parece, pelo jornal Expressen,
e vinculada com dissidentes cubanos. (Vide um iluminativo artigo aqui). Eu
não idealizo o governo “socialista” da Ilha nem demonizo os dissidentes
cubanos, mas estes movimentos são heterogêneos e, enquanto alguns dissidentes
defendem a liberdade e a democracia em Cuba, porém mantendo os avanços sociais,
outros apenas apoiam a agressão dos EEUU.
Os
jornalistas Israel Shamir e Paul Bennett, usualmente bem
informados, afirmam que Anna é agente de um grupo golpista pró pentágono que
visa desestabilizar o governo cubano. Já o Professor
Michael Seltzer diz que existem contatos de Anna com Carlos Alberto
Montaner, quem é considerado agente da CIA, inclusive em documentos americanos
desclassificados.
A lendária
jornalista sueca Hellen Bergman, fundadora do rádio show feminista Ellen,
e figura história na defesa dos direitos sexuais e de gênero, fez notar que a
promotora Marianne Ny teve suficiente tempo para interrogar Assange sobre
o alegado estupro (que é o pretexto para a extradição), mas não o fez. Ainda
mais: em julho deste ano, quando Rafael Correa convidou os promotores suecos a
visitar a embaixada de Equador e interrogar Assange dentro dela, Ny
e seus colegas desprezaram a proposta.
Hellen
Bergman acredita que a condução jurídica do caso Assange pela magistratura sueca é incorreta, e moveu
uma ação junto ao Ouvidor Popular (ombudsman)
exigindo que a promotora Ny seja
considerada ré de crime de responsabilidade.
Ameaça Britânica
Por sua
antiga cumplicidade com os EEUU, a tortuosa atitude da Grã Bretanha no caso
Assange pareceria esperável. Entretanto, é importante lembrar que GB foi uma
das primeiras democracias da Europa, o berço da tolerância religiosa, junto com
a Holanda, e o lar de poderosas e organizadas ligas operárias. Foi terra de
asilo para, entre outros muitos, Karl Marx, que, perseguido no resto
do Continente, tal vez não teria podido realizar sua obra sem o apoio
britânico.
Debatendo-se
sempre entre trabalhistas e conservadores, a GB nunca conseguiu ter, como os
países escandinavos, um verdadeiro governo de esquerda, mas se mostrou aberta e
altamente democrática durante a administração de Clement Atlee,
após a 2ª guerra.
Entretanto,
a Guerra Fria a tornou um menino de recados dos americanos, apesar do
desconforto que os esclarecidos das Ilhas nutrem contra a vulgaridade,
violência e racismo da plutocracia dos EEUU.
Um recente fato tem criado espanto nos setores
democráticos europeus (cada vez mais simbólicos e submetidos ao neofascismo), e
em alguns países da América Latina: o risco de que a GB tome a embaixada de
Equador por assalto.
O chanceler
equatoriano Patinho revelou, antes de que fosse publicada a decisão de
asilo, que a GB tinha ameaçado com tirar do edifício da Embaixada a condição de
recinto diplomático estrangeiro, o
que eliminaria sua imunidade e, feito isso, poderia assaltar a casa e capturar
Assange. (Vide).
Os
britânicos se protegeram, como sempre acontece em caso de um abuso com uma lei
ambígua, nesse caso o Ato sobre
Instalações Diplomáticas e Consultares de 1987 (vide).
Com efeito,
o artigo 1º, seção 5 permite a revogação
do caráter “imune” do terreno da embaixada se isso fosse necessário para
a saúde pública (item a) para a
segurança nacional (item b), ou para o planejamento da cidade ou do país
(item
c).
No caso de Assange, tirar a imunidade
da embaixada implica violar a Convenção de Viena e dos
protocolos a ela associados, pois a liberdade de Assange não produz,
evidentemente, nenhum desses problemas. Aliás, qual seria a ameaça de Assange
para a saúde, a segurança e o planejamento, se ele estará em Equador, um país que os britânicos nem
conhecem???
Isto parece
incrível: GB atuaria como um estado mafioso tipo a Itália, ou como uma ditadura
teocrática como o Irã?
Algumas
pessoas devem lembrar que, quando em 1976, os militares argentinos deram um
golpe, gerando a pior ditadura de Ocidente do pós-guerra, a Embaixada de México
deu asilo a um grupo de ativistas do chamado “peronismo de esquerda”. A
ditadura não concedeu salvo-conduto aos asilados, mas nunca ameaçou
atacar a Embaixada.
Mas, logo em
seguida, houve uma modificação da notícia do eventual ataque contra a embaixada,
difundida especialmente por meios de comunicação militares.
Às 6:21 hs
(Greenwich) do dia 17 de agosto, o governo britânico manifestou sua negativa ao
uso da força. (Vide). O chanceler William Hague
descartou a eliminação da imunidade da embaixada, mas também reafirmou a
intenção de GB de não deixar Assange em liberdade. Quando se le perguntou se a
GB seria capaz de atacar uma embaixada estrangeira, criando assim um terrível
precedente de caos internacional, Hague respondeu que isso não estava sendo cogitado,
porém, se acontecesse, seria legítimo, pois as leis britânicas permitem tirar o
caráter de recinto diplomático a um edifício.
Houve uma
alusão a um fato acontecido em 1987, quando homens ao serviço do psicopático
ditador Gaddafi atiraram sobre uma multidão desde uma janela da embaixada da
Líbia. O ministro inglês não teve a gentileza de fazer notar que os
assassinatos de um governo genocida nada tem a ver com uma defensor da
liberdade de pensamento. Aliás, ambos são o mais oposto que possa ser imaginado.
A ameaça britânica
agora é que as negociações durarão tudo o que for necessário e que, enquanto
isso, Assange não receberá nenhum salvo-conduto.
O Que Faz a América Latina?
Os estados que compõem a Alternativa Bolivariana (ALBA) estão
marcando uma reunião urgente para tratar em conjunto o caso Assange.(Vide)
Entretanto, a OEA ainda
não decidiu sequer se convocará
uma reunião de chanceleres, como foi pedido por Equador. O Brasil, a
Argentina e o Uruguai, além dos membros da ALBA, estariam dispostos a fazer uma
reunião no dia 23 de agosto, mas os EEUU e o Canadá se opõem a qualquer
tratamento interamericano do problema (vide). Talvez, este possa ser um começo
de um processo (que pode durar décadas ou séculos, mas que deve começar algum
dia), para que os maiores países da América Latina se afastem de qualquer
acordo internacional imposto pelos EEUU com bombas e dinheiro.
Rafael Correa apoia Assange porque, desde o começo de seu governo, em 2006,
ele ficou conhecido por sua intensa defensa do humanismo, da liberdade e da
emancipação dos povos, colocando o poder político apenas como um meio e não
como um fim. Entretanto, sua posição é infrequente no atual mundo globalizado,
onde a política se baseia no proveito econômico e na dominação.
Na realidade, parte dos políticos, quase a totalidade da
mídia, e a totalidade absoluta das corporações armadas sabem que informações
reais, indubitáveis, vindas da fonte original, desmascaram quase sempre as
notícias fabricadas pelas empresas de comunicação, que se enquadram nos
interesses dos que pagam por seus serviços.
Enquanto isso, numerosos ativistas de todo o mundo se
preparam para lançar movimentos pela liberdade de Assange e contra a agressão ao Equador. Todo cidadão democrático deve somar-se a este movimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário