Caso Assange: Qual é a da Suécia?
Carlos
Alberto Lungarzo
Prof. Tit. (r) Univ. Est. Campinas,
SP, Br.
21 de agosto
de 2012
Esqueçamos da Suécia dos filmes de Bergman e Sjøberg, do socialismo de Olof Pälme e Harald Edelstam, e
vejamos a “nova” Suécia que começou a ser construída após o acordo de
Washington e está bem retratada no filme sueco-chileno Bastardos no Paraíso de Luis Vera.
Esta nova sociedade tem sua tradicional esquerda em minoria,
e é governada por um grupo de conservadores que vivem ajoelhados em homenagem à
Casa Branca e à União Europeia, e até poluem a célebre neutralidade do país com
uma cínica participação do observadores no grupo ofensivo da NATO.
É claro que uma sociedade completa não se muda em poucos
anos, mas, por enquanto, os setores que fizeram conhecer o país como o paraíso
dos Direitos Humanos e da ecologia estão amordaçados.
Mas, vejamos o retrospecto imediato da relação
Assange/Suécia.
Primeiro, o fato de que Assange seja a figura mais importante
deste começo do século 21, no que se refere a liberdade e direitos humanos, não
é garantia de que sua conduta sexual seja ilibada. Sua brilhante trajetória não prova que a queixa de estupro seja
falsa. Segundo, por sua tradição em matéria de liberdade sexual, a Suécia é
sumamente exigente na punição de violações aos direitos sexuais, pois, num país
onde o preconceito sexual é pequeno se considera aberrante que alguém queira
obter prazer sexual por meio da força, ameaças ou chantagem.
Entretanto, se nada pode ser dito com exatidão sobre a
conduta íntima de Julian Assange, é igualmente claro que nenhuma sociedade
civilizada deve acusar quem quer que seja de qualquer crime sem
provas. Aliás, quanto maior é o crime, maior é a necessidade de provas,
porque maior é a punição.
Grandes líderes feministas suecas, como Hellen
Bergman defendem esta
posição, e consideram que o uso de alegações não comprovadas, longe de ajudar a
causa da mulher, joga sombras sobre a lisura de alguns grupos feministas de
direita. Hellen pediu o julgamento da promotora Marianne Ny (foto) por
crime de responsabilidade, mas não se sabe em que pé está essa situação.
Suponhamos (ceteris
paribus) que a procuradoria, a justiça e a polícia sueca atuam de boa fé.
Não há, a priori, nenhum motivo para ironizar sobre isto. A justiça sueca pode
considerar-se relativamente equânime se comparada com a de outros países
Europeus, salvo a Noruega, para não falar da Itália ou da Espanha, onde o
sistema jurídico é puramente simbólico e farsesco. Não foi por acaso que Garzón
passo a ser perseguido naquele resto do mundo medieval no reino do Euro.
Então, seria bom saber: Por
que a promotoria sueca não enviou representantes a Londres, aceitando o convite
de embaixatriz do Equador para julgar Assange dentro da embaixada?
Observe que as autoridades suecas e
as britânicas não falam de denúncia,
indiciamento ou acusação formal.
O que os suecos dizem e os britânicos repetem é que é necessário interrogar Assange.
Em novembro de 2010, quando Assange estava ainda na Suécia,
Mrs. Marianne Ny declarou na corte de Estocolmo que “ainda não tinham podido
encontrar Assange para interroga-lo”. (Vide)
É possível que uma pessoa tão conhecida, que, além disso, tem
advogados constituídos e assistiu nesse período a alguns grupos de discussão e
deu palestras, não possa ser encontrada num país pequeno?
A objeção, levantada por numerosas pessoas, foi rebatida
dizendo que poderia estar escondido. Mas, então, como se explica que a polícia
não tenha tentado encontra-lo na própria Suécia? E como alguém clandestino
consegue sair do país sem ser, pelo menos interrogado?
Segundo Mark Stephens, representante legal de Assange em
Londres, seu defendido teria se decidido a sair de Suécia quando Bjorn Hurting,
seu advogado sueco, foi avisado por um membro da promotoria de que ele
estava livre de deixar o país sem entrevista. (Vide)
Esta declaração de Stephens jamais foi refutada e foi
publicada sem comentários por vários jornais comerciais de Londres. Stephens
(foto), cuja reputação como advogado é ilibada, disse que nunca conseguiu ver o
teor completo da denúncia supostamente feita pelas vítimas à polícia. Ele só se
sabe que os cargos são o de “fazer sexo sem preservativo, apesar da oposição da
parceira”, no caso da senhora chamada A
pela mídia (Anna Årdin), e de
“penetrar sem preservativo à senhora dita W”,
enquanto ela dormia.
Salvo que Assange tivesse narcotizado a sra. W (acusação que
não foi feita), se a voluntária de Wikileaks dormia junto com Assange, é
improvável que tivesse repulsa por ele, e que ele tivesse usado violência para
estupra-la.
A magistratura e a promotoria suecas são eficientes, e não
cabe pensar que exista uma sequência de erros e omissões apenas por acaso.
Vários assuntos não ficam claros:
1. Assange foi pedido à Inglaterra com
uma ordem de detenção Europeia (European Arrest
warrant), aduzindo que o precisavam para prestar esclarecimentos. Por que o
MP sueco não ofereceu denúncia por abuso sexual? A resposta parece óbvia: porque
o caso se encontraria ainda na fase do inquérito.
2. Ora, se é assim, porque a polícia
sueca não pode interroga-lo no UK?. A Interpol dá a volta ao mundo para fazer
investigações, buscar provas e interrogar detentos. Um inquérito não precisa de
juiz, júri, nem de território específico.
Aliás, após chegar a Grã Bretanha, os advogados de Assange
continuaram com seu oferecimento de entrevistas com o “réu”, fosse na polícia
metropolitana de Londres (que considerou que o assunto era da alçada da justiça),
como também na própria embaixada de Suécia, cujos magistrados estariam, segundo
isto, ávidos de interroga-lo?
O mais provável é que em 2011 e especialmente agora, Suécia não tivesse muito interesse em ouvir Assange, mas
simplesmente prendê-lo.
Um interrogatório, num momento em que o fundador de Wikileaks
aparece à vista de milhões de pessoas em todo o mundo (da qual, grande parte
lhe brinda apoio e solidariedade), não seria adequado para colocar uma cortina
de fumaça nas intenções suecas de agradar os EEUU lhe vendendo sua cobiçada
pressa.
É um fato bem conhecido que, usando como base a proteção à
privacidade dos réus, Suécia mantém um fechado hermetismo sobre as pessoas que
estão sendo processadas. Isto foi bom até duas ou três décadas atrás, quando o
sigilo era usado com boa fé. Mas, o que pode acontecer hoje numa prisão sueca,
se a justiça se furta de dar informações sobre um detento?
Como entram os EEUU nesta jogada?
1. Há numerosas provas manifestas e até
estrondosas da alegria dos americanos pela captura de Assange. O dia que isto
foi anunciado, o secretário de defesa exclamou: Good News!
2. Representantes republicanos se
apressaram a pedir a pena de morte para Assange. Mais discretos, os democratas
de Califórnia pediram apenas que ele seja investigado. Por outro lado, foi
divulgado por várias fontes americanas o vazamento da preparação de um Grand Jury na Virginia, com a autorização
do presidente Obama.
3. As declarações das autoridades suecas
são contraditórias: até um tempo atrás, falava-se que o assunto nada tinha a ver com os EEUU, e que os americanos não
tinham apresentado nenhum pedido de extradição.
4.
Anteontem,
uma funcionária da promotoria afirmou que Suécia nunca deporta pessoas a países
onde tem pena de morte. Mas, Human
Rights Watch, a menos suspeita de esquerdismo das grandes ONGs de direitos
humanos, denunciou que, em 2001, a Suécia deportou Ahmed Agiza and Mohammed
al-Zari ao Egipto, onde, além de pena de morte há tortura. Ambos foram
duramente torturados e, embora a Suécia fizesse uma posterior autocrítica e
pagasse uma pensão a ambos, o dano estava feito. (Vide)
5. Nos últimos anos, a Suécia extraditou
vários supostos terroristas aos EEUU, que aplica a pena de morte e/ou tortura
com imprevisível generosidade. Isto também desmente a “promessa” da promotoria
sueca.
Nas notícias de 21/08, as declarações dos funcionários suecos
tentam fechar aquele bug. Eles dizem
agora que Assange não seria deportado aos EEUU se fosse suspeito de ser
executado. Esta observação mostra que o processo está envolvido numa série de
mentiras.
Não era que EEUU não tinha nada a ver com a captura de
Assange pela Suécia? Por que agora estão justificando por adiantado sua futura
extradição aos EEUU?
Aliás, como sabem os suecos que os EEUU, se prometessem não
executar Assange, cumpririam sua palavra? Quando se viu países imperialistas,
semiteocráticos, baseados numa visão maniqueísta do mundo, poupar-se de uma execução?
A OEA discutirá proximamente o risco de Equador ser invadido pelo UK.
Isto é importante, mas a invasão não é algo totalmente certo, embora seja
provável. Os países latinoamericanos devem colocar em pauta o assunto do asilo, e a mania assassina dos EEUU de executar seus desafetos em qualquer
lugar, com uso de tortura, sem qualquer preceito legal.
Correa tem demonstrado uma grande coragem, coisa nada infrequente nele, que
foi evidente quando se confrontou com a Colômbia, os EEUU e seus cúmplices, após
a invasão de seu território e o assassinato de vários membros da FARC enquanto
dormiam.
Seria desejável que os outros
representantes estejam à altura deste pequeno país, cujo governo progressista
luta bravamente contra o acosso interno e externo.
Veja a apresentação do senador Suplicy em 21/08 no Senado
sobre o problema de Julian Assange e a soberania do Equador.
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