Lubanga: Crime Internacional contra Crianças
Carlos Alberto Lungarzo
Prof.
Tit. (r) Univ. Est. Campinas, SP, Br.
11 de julho
de 2012
Nesta terça feira, o Tribunal Penal Internacional (International Crime Court, ICC) de Haia condenou a 14 anos de
prisão o líder de um dos exércitos opositores da República Democrática do
Congo, Thomas Lubanga Dyilo (nascido
em 1960), por diversos crimes cometidos durante a rebelião que liderou entre
2002 e 2003. (Vide)
Entre outros ataques de
lesa humanidade, Lubanga é acusado de ter recrutado crianças, entre 8 e 15
anos, para serem utilizadas nos exércitos. Não existe a mínima dúvida sobre esses
crimes, já que numerosos meninos-soldados foram resgatados por forças
internacionais.
Lubanga e Taylor
Lubanga foi detido em 2005, ano a partir do qual esteve em
custódia, por causa do qual ele poderá descontar 6 anos de prisão. Ficará livre
aos 59 anos, uma idade em que pessoas que tiveram uma vida sem muitos
sacrifícios (ele é graduado universitário e pertence à classe média alta
africana), podem manter bom estado físico e mental. Eventualmente, esta
relativa plenitude lhe permitirá, se não houver alguma mudança em sua
sensibilidade, encarar outras aventuras militaristas e continuar sendo um risco
para a sociedade.
Uma punição de 8 anos se aplicaria na América Latina a uma
criança de favela que rouba um biscoito, mas isso só acontece se ela conseguir sobreviver
ao fogo policial que lhe espera na saída da padaria, com o dono atrás gritando:
“matem o ladrão”. No entanto, não pretendo dizer que o aumento das condenações
é o que protege a sociedade de criminosos sádicos, massivos, seriais ou de lesa
humanidade. Pelo contrário, não há dúvida que a repressão pura aumenta a
criminalidade de qualquer natureza e o clima de violência social, como foi
mostrado por milhares de cientistas sociais (Veja um excelente trabalho em
português aqui).
Os tribunais internacionais deveriam buscar meios eficientes para tratar os criminosos contra
a humanidade, no sentido de favorecer sua reabilitação social e mantê-los
afastados de suas vítimas. Esta é uma missão quase impossível no caso de mentes
forjadas em moldes militaristas, mesmo que sejam de oposição, mas deve ser
tentada, pois o trato humano dos prisioneiros, ainda que sejam do pior tipo de
algoz, é uma das atitudes que marca a diferença entre nós e eles.
Alguns órgãos jurídicos internacionais decidem internar os criminosos
contra a humanidade por tempo prolongado em prisões especiais, onde se tende à
ressocialização. Talvez isso seja menos complicado na África que em outras
regiões, pois as características camponesas da população tornam mais fácil
inseri-los em atividades próprias das chamadas “prisões fazendas”, das quais os
condenados não podem fugir, mas nas quais podem trabalhar normalmente em tarefas rurais,
sem sofrer constrangimentos como nas prisões comuns.
O critério de reclusão foi usado com Charles Taylor, do qual
falei num post anterior (vide), que
fora condenado a 50 anos de prisão por um dos tribunais especiais das Nações
Unidas, neste caso, o Tribunal para os
crimes de Serra Leoa. O caso de Taylor foi questionado por seus advogados
porque, devido à idade do réu (64 anos), a satisfação total da penalidade
equivaleria a prisão perpétua. No entanto, embora as atrocidades praticadas
pelo ex-presidente da Libéria estejam, segundo a equipe de juízes, entre as
piores da história, não pode negar-se a ninguém a possibilidade de uma eventual
modificação de sua personalidade. Esta recuperação tem acontecido alguma vez em
criminosos contra a humanidade (numa proporção menor a 1%) que tiveram
possibilidade de refletir. Talvez, Taylor esteja nessa pequena proporção e
possa ser liberado antes de morrer.
O caso de Lubanga reaviva o problema de estimar qual é a
ordem de gravidade das atrocidades cometidas por aparatos repressores. Os exércitos
deste líder congolês e de outros com ele associados (como o do General Bosco
Ntaganda, chefe do seu grupo M23), cometeram as aberrações que são típicas de
forças organizadas para matar e destruir. Faz alguma diferença, porém no muita,
que os abusos sejam cometidos em nome de uma classe dominante (como foi o caso
de Wehrmacht), ou em nome dos
dominados, como foi o caso do exército stalinista no leste europeu. A eventual diferença
nos propósitos fica diminuída pelo dano fundamental aos princípios de
civilização.
Matadores e Defensores
Lubanga não tem nada a ver com militantes de luta assimétrica
defensiva, como a que acontece entre forças repressoras que tentam subjugar a
sociedade e aqueles que se armam de maneira espontânea para resistir. Os
exemplos da ação violenta motivada pela resistência à opressão, sem pretensões
de substituir um poder por outro, e sem tornar-se uma força militar de
estrutura semelhante, porém de sentido contrário (o que alguns entendem que
seria um “exército do bem”) não são muitos. Os casos mais conhecidos são as
guerrilhas antinazistas, os republicanos espanhóis e os resistentes contra o
neofascismo e o stalinismo, como os movimentos autonomistas italianos,
Em nosso continente, o caso mais típico de resistência
assimétrica é o dos movimentos da América Central na luta contra a aplicação da
Doutrina Reagan (1980-1991), proposta pelo presidente de ultradireita dos EEUU e
contra a Operação Charlie (vide), criada e
municiada pela Argentina e coordenada pela embaixada americana em Honduras. O objetivo
era destruir os grupos populares de orientação marxista criados na região após
a vitória de revolução Sandinista na Nicarágua. O apogeu da repressão americana
combinada com esta operação foi atingido com a invasão dos EEUU a Granada em
1983. Nessa guerra, era necessária a defesa de todos os populares, que se
armaram em diversos países (Guatemala, Nicarágua e Guatemala) como maneira de
sobreviver, contra-atacando as tropas da ditadura argentina, os paramilitares da
antiga ditadura da Nicarágua, e os mercenários americanos. O objetivo era
impedir o controle total dos EEUU, parar o massacre das tropas argentinas, e
forçar a instalação da democracia. Os que vimos de perto essa luta percebemos
que o esforço da sociedade foi basicamente defensivo, e tentou respeitar as normas
de direitos humanos, inclusive isolando sem violência os torturadores de antiga
ditadura da Nicarágua.
É verdade que a Operação Charlie deveu parte de seu fracasso
à derrota das FFAA Argentinas na Guerra das Falklands, em 1982, mas sem a resistência
armada ao genocídio, talvez nunca se teria formado o Grupo de Contadora, uma
iniciativa de grandes figuras da época, como Olof Palme e Gabriel Garcia
Márquez, cuja foto aparece em baixo (Vide).
A
democracia resultante, apesar de instável e eivada pelos gravíssimos problemas
da miséria e da permanente ameaça imperialista, foi possível graças àquela
resistência.
A comparação
entre Lubanga e verdadeiros resistentes, às vezes feita por grupos social-nacionalistas,
é descabida. Ambos são perfeitos opostos. Lubanga foi um típico “senhor da
guerra”, que, apesar de não ter o controle central do país, liderava a poderosa
União Patriótica Congolesa (UPC). É
necessário ter em conta que os detentores de poder de crimes contra a
humanidade não são apenas aqueles oficialmente reconhecidos, como presidentes e
governadores, mas também coronéis, caudilhos, corporações, empresas,
paramilitares e outros, mesmo que sejam inimigos do poder central.
Lubanga foi também
acusado de crimes raciais, massacres e expulsão de habitantes de vilas que, segundo suas tropas, eram ocupadas ilegalmente. Qualquer semelhança com a América do
Sul não é simples coincidência. Embora
os tribunais internacionais e os especialistas no caso achem estas atrocidades
“menores” que as cometidas por Taylor e outros, a perspectiva de que ele seja
solto em oito anos recebeu críticas de defensores dos direitos humanos.
De qualquer
maneira, essa condenação é pelo menos uma advertência para os outros senhores
da guerra. Mesmo não sendo totalmente satisfatória, a sentença da ICC deve servir de exemplo para nossa
região, onde criminosos de lesa
humanidade são premiados e gratificados com um aumento de seu poder.
Moral da História
A atuação da
ICC no caso Lubanga reforça minha
crença de que o caso Pinheirinho
deve ser tratado por esse Tribunal. Os crimes cometidos durante o massacre
contra essa comunidade são, é claro, de menor impacto que os cometidos na
África, mas também é necessário ter em conta que as penalidades são graduáveis.
É verdade
que o crime de recrutamento de crianças, que teve o peso maior na condenação de
Lubanga, é extremamente brutal. Ao treinar meninos para combater numa guerra,
além de colocar sua integridade física no limite, os criminosos estimulam neles
a afeição pela violência, o que destruirá toda uma geração, ou talvez mais de
uma. O veneno do belicismo, inoculado em milhares mentalidades jovens, pode
transformar-se em ideologia dominante na sociedade.
Os resultados
dessa política são visíveis em alguns países da América do Sul hispânica que
usaram crianças soldados durante suas guerras com a Espanha no século 19. Isso
aconteceu em vários deles, exceto no Uruguai e talvez em algum outro. Em países
como a Argentina e o Paraguai, o sentimento militarista e a frequência de
golpes de estados e ditaduras têm, além das causas estruturais, estímulo
psicológico na educação belicista de crianças e jovens.
Também em
outros países poder ver-se a violência gerada pela militarização de crianças,
como acontece com a Itália, cuja utilização de meninos em conflitos foi
denunciada pelas Nações Unidas. (Veja um relatório recente aqui)
Entretanto, cabe perguntar-se se
matar crianças explodindo bombas de efeito “moral” em seus rostos, e espancar, aterrorizar, torturar, estuprar e, eventualmente, matar
pessoas indefensas são crimes tão leves que nem mereçam ser julgados.
Se a
resposta é não, então, a única solução que cabe é a Corte Internacional.
Os caporegime da polícia, a justiça e
a política envolvidos no massacre de Pinheirinho deram gargalhadas nos rostos
dos que pediram investigações.
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