- Gustavo Adolfo!
- O que é, Drica? Não precisa gritar no celular.
- Mas você não atendia...
- É que eu estou ocupado. Estou na academia.
- Na academia? A esta hora da madrugada?!
- Claro!O que é que tem? Você não sabia que não tem hora pra cuidar do corpo?
- Mas a academia está aberta a esta hora, Gustavo Adolfo?
- Drica, nós moramos numa megalópole... Não sei se você percebeu.
- Está bem. Vou fingir que estou acreditando... Mas depois não me apareça com nenhuma doença, ouviu Gustavo Adolfo?!
- Como doença, Drica? Desde quando cuidar do corpo provoca doenças?
- Gustavo Adolfo, você está arfando – daquele jeito que eu conheço...
- É claro que eu estou arfando, Drica. Eu estava fazendo exercícios. Mas o que é que você quer? Eu lhe disse que iria chegar mais tarde.
- Mas não me disse que iria pra essa nova academia que abre às duas da madrugada, Gustavo Adolfo... Eu conheço você... Sempre descobrindo novidades, não é?
- Deixa de bobagens, Drica, e me diz porque você ligou.
- Gustavo Adolfo, nós vamos perder as eleições! Eu vi as pesquisas ainda agora na televisão. E depois, o Serra tava muito bonzinho no debate, Gustavo Adolfo. Será que ele não sabe que está disputando um título, digo, uma eleição para presidente, e que precisava atacar a outra, pelo menos dizer alguma coisa agressiva, que ela estava um pouco mais gorda, que o penteado dela estava horrível – e estava, meu Deus, quem será o cabeleireiro dela? – e aquela maquiagem que parece de modelo de gesso, que horror! E o Serra ali, fingindo de bom menino, só conversando com aquela outra sirigaita metida a boa e com aquele velho que fala umas coisas que eu não entendo nada, aquele comunista... Como é que deixam entrar um comunista numa televisão tão bonita como aquela, Gustavo Adolfo? E depois...
- Para de bancar a histérica, Drica!E para de repetir “e depois, e depois”. Não te preocupa, que nós não vamos perder eleição nenhuma, Drica.
- Como não vamos perder, Gustavo Adolfo? Em que mundo você vive?! Será que é essa nova academia que está deixando você bobo, Gustavo Adolfo?
- Drica, ouve de vez em quando. Para de falar tanto e ouve: nós não vamos perder nenhuma eleição, ouviu?
- Mas o Serra...
- O Serra até pode perder, mas nós não, amor da minha vida!
- “Amor da minha vida”! Uáu, Gustavo Adolfo! Essa academia está deixando você carinhoso... Tem males que vem pra bem... Mas quero ver depois, na prova dos nove, Gustavo Adolfo: não basta falar, tem que saber agir, meu bem! Mas explica pra mim porque é que o Serra perde e nós ganhamos, mesmo assim...
- Porque nós não perdemos nunca, Drica. Você já ouviu falar em armistício?
- Claro, Gustavo Adolfo! Você pensa que eu sou burra?
- Pois é. Depois da guerra vem o armistício. E durante o armistício, e até antes, é que a gente negocia. Por isso nós nunca saímos perdendo.
- Não me diz que você vai negociar com ela, Gustavo Adolfo?!
- Não precisa ser diretamente com ela, Drica... O que não impedirá que venha a ter uma ou outra conversa informal... Daquelas conversas que ninguém diz nada e todos se entendem, sabe como é...
- Gustavo Adolfo, você está me surpreendendo! Isso não seria traição?
- Como traição, Drica? Agora é o momento dos debates; depois virá a hora dos negócios, e eu estarei lá. Política, hoje, é negócio. Você acha que os outros também não vão negociar?
- Até o comunista?
- Não, mas ele não pesa muito. Já é velho, tem idéias arraigadas, mas o partido dele... Se for muito necessário...
- Gustavo Adolfo!
- Como você parece ingênua, às vezes, Drica! Este mundo é dos espertos, você não sabia disso?
- Você já me disse essa frase mil vezes, Gustavo Adolfo – mas não pensei que essa esperteza chegasse a tanto! Até na política?
- Principalmente na política, mon amour! Principalmente na política!
- Mas negociar o quê, Gustavo Adolfo?
- Tudo, Drica! Desde cargos até empreitadas. Tudo o que você imaginar! Neste mundo, nada se cria, nada se perde: tudo se negocia.
- Bem, se é assim eu fico um pouco mais aliviada. Então, se não tem importância, eu até posso mudar o meu voto. Sabe, eu tava pensando em votar naquele velhinho comunista...
- Drica!
- Não fica brabo, Gustavo Adolfo, eu estava brincando. Mas até que seria charmoso votar nele. Ele fala tão bem, embora eu não tenha entendido quase nada... E é mais simpático que os outros! E depois, votar em comunista seria tão demais!... A única vez na vida, Gustavo Adolfo, não te preocupa. Não tem perigo nenhum votar em comunista... Tem, Gustavo Adolfo?
- Não diz bobagem, Drica! Até podemos perder a eleição, mas temos que ser leais com o nosso voto.
- Que estranho... Você dizendo isso...!
- Não brinca, Drica. Vá que dê sorte e o Serra consiga ir pro segundo turno... Pode até ganhar depois... Nunca se sabe.
- Mas e os negócios, Gustavo Adolfo? E o tal de armistício?
- Ficaria tudo mais fácil, mais próximo. Só isto, Drica: um pouco mais de facilidade. Mas não te assusta, que perder de verdade a gente nunca perde, he-he... Pode dormir tranqüila.
- Está bem, Gustavo Adolfo, mas não demora muito nesta tua academia, viu?
- Interessante você falar isso. Eu bem que tava pensando na possibilidade de comprar uma academia assim, que funciona vinte e quatro horas por dia, no centro, bem freqüentada.
- Meu Deus, Gustavo Adolfo, você só pensa em comprar tudo o que vê.
- É que eu sou um empresário multimídia, Drica. Tudo tem o seu valor, todos tem o seu preço.
- Menos eu...Não é Gustavo Adolfo?
- Menos nós, Drica, menos nós. Nós só compramos. Ninguém nos compra. Se bem que, dependendo da oferta...
- Gustavo Adolfo!
- He-he!
Nenhum comentário:
Postar um comentário