Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comanda caravana eleitoreira de visita às obras de transposição do rio São Francisco, vale lembrarmos as duas greves de fome com que o bispo de Barra (BH), Luiz Flávio Cappio, tentou evitar a concretização desse projeto de incremento do agronegócio às expensas do Erário e com graves danos ecológicos.
Foram 11 dias de jejum solidário em 2005, interrompidos por promessa não-cumprida pelo Governo Federal de abrir um verdadeiro diálogo sobre a obra; e 24 dias em 2007, quando D. Cappio acabou cedendo às recomendações médicas, face aos riscos reais de vida que estava correndo, sob os olhares indiferentes dos que chegaram ao poder nos braços do povo e hoje priorizam os interesses do capital.
Fiz quatro textos sobre a cruzada de D. Cappio em dezembro/2007: Lula vai mirar-se em Cristo ou Pilatos?, Senhor Deus dos Desgraçados, Carta aberta ao presidente Lula e O rescaldo da greve de fome.
Estão entre aqueles de que mais me orgulho, nesta melancólica década em que tantos e tantos de nossos companheiros do passado trocaram os ideais pelas conveniências, postergando indefinidamente as lutas pelo estabelecimento de uma sociedade sem classes, que deveriam nortear todas as ações dos revolucionários.
Para sintetizar, podemos formar um quadro sobre o projeto a partir de trechos desses artigos que até hoje permanecem válidos:
"O governo se tornou a voz de um pequeno grupo da elite e, infelizmente, o presidente Lula se tornou refém do capital internacional" (D. Cappio)E, do site da Comissão Pastoral da Terra, vale reproduzir algumas avaliações que o sociólogo Rubem Siqueira faz hoje do projeto:
“...essa água não é para 12 milhões de pessoas, é para pequenos grupos do capital” (D. Cappio)
"...a transposição vai ter impacto extremamente negativo sobre o rio São Francisco (que já está fragilizado e necessitando de urgente revitalização) ao levar suas águas para os grandes açudes do Nordeste, com a principal finalidade de favorecer empreendimentos privados".
"...pela metade do custo, poderia ser implementados projetos como o da Agência Nacional de Águas, para beneficiar os 32 milhões de habitantes de mais de mil municípios; e as obras da Articulação do Semi-árido Brasileiro, voltadas para outros 10 milhões".
"A arrogância com que o Governo Federal trata as vozes dissonantes é uma confissão involuntária de que seu projeto não sobreviveria a um debate franco".
"Cidadãos de reconhecida competência e credibilidade apontam falhas de todo tipo: concepção equivocada, relação custo/benefício muitíssimo pior que a de projetos alternativos, danos ecológicos que podem se tornar catastróficos. Por que tanta insistência, a ponto de tocar a obra com soldados, evocando os tempos sinistros da ditadura militar?"
"Não há nenhuma preocupação com a quantidade da água. O São Francisco está perdendo vazão... a revitalização que o governo alardeia não está acontecendo, e o rio continua em seu processo de degradação.
"...poucas estações de esgoto estão sendo projetadas, pois são caras, mas são elas que devolvem ao rio a água limpa. (...) Em alguns casos, vimos que aumentou o esgoto lançado no rio e não o esgoto tratado. Mas a grande questão é ainda a quantidade da água. Saíram agora estudos de climatologia dizendo que, entre os rios do mundo, na América do Sul, o São Francisco foi o rio que mais perdeu água. Perdeu 35% de vazão nos últimos 50 anos. (...) É um rio com todas as evidências de um quadro hídrico crítico, no entanto, o governo continua com esses projetos que privilegiam a produção de cana-de-açúcar para etanol em toda a bacia do São Francisco.
"...semiárido brasileiro (...) é uma região, entre os semiáridos do mundo, que mais concentrou água, que mais fez açudes. São 70 mil açudes. Há açudes que têm seis bilhões de metros cúbicos de água. São grandes cemitérios de água, porque essas águas estão lá e não estão sendo usadas, ou são usadas pelos grandes latifundiários. Para que, então, exportar água? Alguns falam que a transposição dará segurança hídrica às águas do nordeste. Mas nós perguntamos: aumentar a oferta hídrica para quem? Para fazer o que? A que custo? Qual o desenvolvimento que está por trás da transposição? Esse debate não está sendo feito. Essa água acumulada, por lei, deve ser acessível à população do árido, mas não é.
"Volta e meia, o Tribunal de Contas da União pública divulga relatórios, mostrando que, nas obras da transposição, têm ocorrido ilegalidades e indícios de corrupção. Na região, houve uma expectativa muito grande de empregos que não se concretizaram ainda. Há problemas de prostituição com esse pessoal que vem para o trabalho concreto, além do desmatamento nas regiões 'beneficiárias'. Algumas famílias de camponeses já foram desapropriadas e indenizadas, com isso, a produção de alimentos caiu. Isso significa fome, sede. Há uma insegurança na população. Esses são os impactos iniciais".
Por Celso Lungaretti
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