"Sr. Presidente, sras e srs deputados,
Há semanas o debate sobre os limites da Lei de Anistia voltou à cena pública, após o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) sobre o processo, aberto na Justiça de São Paulo, acerca da responsabilização dos militares Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel pelo desaparecimento, morte e tortura de 64 pessoas. Eles comandaram o DOI-Codi em São Paulo na década de 1970. A União também é ré no processo e a AGU, portanto, é responsável por sua defesa.
No entanto, em vez de reconhecer a responsabilidade do Estado brasileiro na implementação de uma política assassina, violadora dos direitos humanos daqueles que se opunham à ditadura militar, a AGU se manifestou afirmando que considera perdoados os crimes de tortura.
Como todos sabem, a alegação do órgão é que a a Lei de Anistia é anterior à Constituição e que, portanto, a proibição da anistia a torturadores, prevista em nossa Carta Maior, não valeria para crimes cometidos durante o regime militar.
Neste debate, que extrapola o campo jurídico porque estamos tratando do passado político deste país e de uma história que não queremos ver repetida, é preciso afirmar: a lei de 1979 concedeu anistia para os que cometeram crimes políticos e delitos conexos.
A tortura não é um crime político. É um crime de lesa-pátria, contra a humanidade, e por isso aqueles que a praticaram, em nome do Estado ou não, não podem ser beneficiados pela lei.
Essa interpretação equivocada, feita propositadamente por aqueles que querem escapar do julgamento pelos crimes que praticaram, fere inclusive a jurisprudência de cortes internacionais e de tratados ratificados pelo país, que consideram a tortura um crime imprescritível. Internacionalmente, inclusive, há a proibição da criação de leis de “auto-anistia” por governos, para beneficiarem seus agente.
Se a posição da AGU não for alterada, o Brasil pode vir ser condenado nessas cortes. Não se trata, Sr. Presidente, de revisar a Lei de Anistia, mas de interpretá-la corretamente, à luz dos direitos humanos.
E o que fez o governo brasileiro, através de seus advogados? Ficou do lado dos torturadores, preferindo evitar confrontos com as Forças Armadas e o Ministério da Defesa.
As consequências desta postura podem ser desastrosas para o futuro da democracia brasileira. Sem dúvida, a peça de defesa de Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, produzida pela União, será utilizada por muitos outros torturadores que vieram a ser julgados.
Já estão, inclusive, servindo para legitimar posições conservadoras como a do Presidente do Senado, Garibaldi Alves, que disse que a Anistia perdoou todos os atos de violência do período, ou a de Jarbas Passarinho, que numa manifestação extremamente desrespeitosa ao ministro Paulo Vannuchi, proferiu na imprensa ataques às indenizações recebidas pelas vítimas da ditadura.
Ou então para justificar acusações infundadas como a do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que acusou de terrorismo aqueles que pegaram em armas para defender a liberdade no Brasil.
Mais lamentável foi ver associações de classe, numa nítida manifestação corporativa, ratificando o parecer “técnico” da AGU e repudiando “interferências políticas” nas atividades do órgão.
Ora, Sr. Presidente, sras e srs deputados, se o papel da AGU é defender a União, cabe à União assumir sua responsabilidade neste caso e definir por uma mudança no parecer enviado à Justiça de São Paulo pelo advogado-geral José Antonio Dias Toffolli.
O Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério Público já formalizaram este pedido.
Falta o Presidente Lula sair definitivamente de cima do muro em relação à ditadura militar.
Além do lamentável parecer no Caso Ulstra, a AGU vem tentando prorrogar o cumprimento de sentenças judiciais relativas ao período que já condenaram a União, como a que determinou a localização, pelo governo, das sepulturas dos integrantes da guerrilha do Araguaia e a abertura dos arquivos do episódio.
A sentença é de 2003, o processo transitou em julgado no início do ano e agora a AGU usa de subterfúgios jurídicos para evitar que a União cumpra a sentença.
Não é papel da Advocacia Geral da União assumir a defesa de torturadores e assassinos de presos políticos. Ao fazê-lo, o Brasil favorece a impunidade e perpetuação de práticas semelhantes, ainda adotadas por agentes do Estado nos dias de hoje.
Para consolidar seu processo de redemocratização, o país precisa garantir o direito à justiça, à verdade e à memória das vítimas da ditadura. E isso não passa apenas por reparar economicamente os que sofreram a repressão militar.
Passa por responsabilizar judicialmente os algozes da democracia e abrir os arquivos da ditadura, para trazer à tona a verdade de nossa história. Diversos países vizinhos, que passaram por regimes mais autoritários do que o nosso, já o fizeram.
Não há justificativas para que o Brasil siga caminhando no escuro.
Muito obrigado."
Deputado federal Ivan Valente
PSOL/SP
Câmara dos Deputados - 12 de novembro de 2008
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