http://omarxistaleninista.blogspot.com/2010/12/psicologia-de-massas-do-fascismo-de.html
O estudo do fascismo não tem uma importância meramente histórica
para nós. A definição de fascismo dada pelo psicanalista marxista
Wilhelm Reich, como "a expressão da estrutura irracional do caráter do
homem médio, cujas necessidades biológicas primárias e cujos impulsos
têm sido reprimidos há milênios", deixa claro que o fascismo é um
fenômeno atual e presente entre nós.
Portanto,
o fascismo de ontem, destruído na II Guerra Mundial pelos comunistas da
URSS, é o mesmo fascismo de hoje, e tem todas as possibilidades de se
reorganizar como outrora sob Hitler. Daí a importância de compreendê-lo,
de dominá-lo teoricamente, para então melhor combatê-lo.
É
isso o que Reich afirma: "O fascismo só pode ser vencido se for
enfrentado de modo objetivo e prático, com um conhecimento bem
fundamentado dos problemas da vida." (p. XX)
A
abordagem de Reich sobre o fascismo é riquíssima, se configurando como
uma genial síntese entre Marx e Freud, entre marxismo e psicanálise. Seu
livro "Psicologia de massas do fascismo" foi escrito e publicado no
início da década de 1930, enquanto o fascismo era ainda incipiente, e
antes também de causar todas aquelas atrocidades que chocariam o mundo
anos depois. Isso mostraria, mais tarde, a justeza da análise de Reich.
Nesta
obra ele responde a questões fundamentais sobre o fascismo e o seu
surgimento, coisas que em sua época não era possível responder com a
análise apenas econômica do chamado "marxismo vulgar".
Algumas
dessas questões eram: como foi possível o surgimento do fascismo, sendo
ele não um pequeno movimento associado a Hitler ou a Mussolini, mas sim
um movimento de amplas massas? Como puderam as massas empobrecidas se
alinhar com um discurso completamente contrários aos seus próprios
interesses de classe? Por que Hitler foi mais eficiente do que o Partido
Comunista em alcançar uma vasta audiência antes apolítica?
Essas
perguntas eram de importância fundamental, principalmente dentro do
Partido Comunista da Alemanha, do qual Reich era o editor da revista de
psicologia.
A clivagem
Um
ponto fundamental da análise de Reich para responder a essas questões é
o que ele chama de "clivagem" da situação econômica com a situação
ideológica do trabalhador.
Isso é, seria de se
esperar que o trabalhador empobrecido, diante do trabalho de agitação e
propaganda do partido comunista, desenvolvesse uma clara consciência de
sua situação social, a qual se tranformaria numa determinação revolucionária de se livrar de sua própria miséria social.
Mas
o contrário aconteceu na Alemanha de Hitler, e ainda hoje acontece, com
frequência. Mas por quê? O que causa essa chamada clivagem entre a
situação econômica e a ideológica do trabalhador?
Reich explica essa clivagem apontando para a estrutura de caráter do homem médio, que tem como um dos principais fatores a sexualidade reprimida.
Esta estrutura de caráter, gestada há milênios sob uma sociedade patriarcal, é utilizada de forma eficiente pela ideologia imperialista para servir aos seus propósitos.
A função social da repressão sexual
O
marxista Reich compreende perfeitamente que são as condições materiais
que determinam a superestrutura ideológica de toda sociedade. Mas é
baseando-se em Sigmund Freud que ele vai dizer como isso acontece na mente do indivíduo, e também como
a ideologia afeta a estrutura econômica. Munido com as revolucionárias
descobertas de Freud sobre o inconsciente e a sexualidade infantil,
Reich afirma:
"A inibição moral da sexualidade
natural na infância, cuja última etapa é o grave dano da sexualidade
genital, torna a criança medrosa, tímida, submissa, obediente, "boa", e
"dócil", no sentido autoritário das palavras. Ela tem um efeito de
paralisação sobre as forças de rebelião do homem, porque qualquer
impulso vital é associado ao medo; e como sexo é um assunto proibido, há
uma paralisação geral do pensamento e do espírito crítico. Em resumo, o
objetivo da moralidade é a criação do indivíduo submisso que se adapta à ordem autoritária,
apesar do sofrimento e da humilhação. Assim, a família é o Estado
autoriário em miniatura, ao qual a criança deve aprender a se adaptar,
como uma preparação para o ajustamento geral que será exigido dela mais
tarde. A estrutura autoritária do homem é basicamente produzida - é
necessário ter isso presente - através da fixação das inibições e dos
medos sexuais na substância viva dos impulsos sexuais." (p. 28, grifo
nosso)
[...]
"O resultado é o conservadorismo, o medo de liberdade; em resumo, a mentalidade reacionária." (p. 29, grifo nosso)
O efeito, então, da ideologia sobre a base econômica e que vai gerar essa clivagem é resumida dessa forma:
"...a
inibição sexual altera de tal modo a estrutura do homem economicamente
oprimido, que ele passa a agir, sentir e pensar contra os seus próprios
interesses materiais." (p. 30)
A estrutura familiar e o fascismo
Wilhelm
Reich nos fornece inúmeras citações de panfletos nazistas da época para
mostrar a importância dada pelo Partido Nacional-Socialista à estrutura
familiar patriarcal, conservadora. Obviamente eles o faziam mais por
"instinto" do que por um conhecimento psicológico profundo.
A partir da análise da família, Reich compreende a razão do fascismo ser um fenômeno típico da classe média-baixa: é devido à estrutura familiar autoritária deste estrato social.
Na
família do operário, por exemplo, como a mulher precisa trabalhar e ele
não sustenta a casa sozinho, o caráter patriarcal é menos influente do
que na família da classe média.
A posição dos
nazistas em temas como o aborto, por exemplo, deixa claro o que estava
em jogo: a repressão sexual. Eles se manifestavam veemente contra o
aborto e contra qualquer tipo de regulação da vida sexual.
Os nazistas pregavam o sexo apenas após o casamento, e eram a favor de um estrito controle sobre a sexualidade, combatendo o "bolchevismo cultural".
Reich
identifica nisso que o homem médio não conhece a regulação da vida
sexual - acha que tem que escolher ou a moral sexual repressiva ou a
anarquia sexual, a libertinagem. Uma forma de maniqueísmo sexual.
Religião e misticismo
Os panfletos nazistas reproduzidos por Reich também mostram o quanto eles se apoiavam na religião e no misticismo.
Mas
a psicanálise já havia desvendado o efeito psicológico ocorrido nas
pessoas sob influência de cultos religiosos. Já havia mostrado a
correlação entre as idéias de Deus como pai; de mãe de Deus como mãe e da Trindade como o triângulo familiar (pai, mãe e filho).
Isso é, "os conteúdos psíquicos da religião têm a sua origem nas relações familiares desde a primeira infância."
Reich, se baseando nas descobertas da psicanálise sobre a experiência psíquica da religião, afirma:
"...o
homem religioso encontra-se num estado de total desamparo. Em
consequência da total repressão da sua energia sexual, perdeu a
capacidade para a felicidade e para a agressividade necessária ao
combate das dificuldades da vida. Quanto mais desamparado ele se torna,
mais é forçado a acreditar em forças sobrenaturais que o apóiam e o
protegem. Assim se compreende que, em algumas situações, ele seja capaz
de desenvolver um incrível poder de convicção; de fato, uma indiferença
passiva com relação à morte. Essa força advém-lhe do amor às suas
próprias convicções religiosas, que são sustentadas por excitações
físicas altamente prazerosas. Mas ele acredita que essa força provém de
'Deus'. O seu anseio por Deus é, na realidade, o anseio originado pela
sua excitação sexual anterior ao prazer e que exige ser satisfeito. A
liberação não é, nem pode ser, mais do que a libertação das tensões
físicas insuportáveis, que podem ser agradáveis enquanto puderem ser
associadas a uma união imaginária com Deus, isto é, à satisfação e ao
alívio. A tendência dos religiosos fanáticos para se flagelarem, para
atos masoquistas, etc, só vem confirmar o que dissemos. A experiência
clínica em economia sexual mostra que o desejo de ser espancado ou a
autopunição corresponde ao desejo instintivo de alívio sem incorrer em
culpa. Não há tensão física que não evoque fantasias de estar sendo
espancado ou torturado, se o indivíduo em questão se sente incapaz de
produzir por si próprio o alívio. É essa a origem da ideologia do
sofrimento passivo, presente em todas as religiões." (p. 139-140)
[...]
"Em nenhuma classe social florescem as histerias e as perversões, tanto como acontece nos círculos ascéticos da igreja."
O misticismo e a religião reforçam a inibição sexual, a moralidade de submissão e a estrutura familiar patriarcal autoritária.
Daí o enorme interesse do fascismo e de toda sorte de reacionarismo
político em se utilizar dessas instituições para desarmar o proletariado
e manter intacto, sem perturbações, o seu sistema de dominação.
Economia sexual no combate ao fascismo
Reich,
como todo marxista, compreende que mais importante do que interpretar o
mundo, o que importa é transformá-lo. Por isso sua obra não poderia
deixar de apontar alguns caminhos para combater as bases do fascismo.
Vamos nos limitar a citar apenas uma das políticas de economia sexual que ele apresenta, que é resumida da seguinte forma:
"Se
conseguimos eliminar o medo infantil da masturbação - o que tem como
consequência o aumento da necessidade de satisfação sexual genital -,
então o conhecimento intelectual e a satisfação sexual prevalecerão. À
medida que desaparece o medo da sexualidade, ou o medo da antiga
proibição sexual paterna, diminui também a crença mística." (p. 171)
"A consciência sexual e os sentimentos místicos são incompatíveis."
[...]
"Não
nos interessa discutir a existência ou inexistência de Deus:
limitamo-nos a suprimir as repressões sexuais e a romper os laços
infantis em relação aos pais." (p. 172)
Para
comprovar a justeza da linha de seu trabalho, Reich cita os resultados
que ele vinha obtendo em seu trabalho de economia sexual com os
operários e suas famílias.
Conclusão
Esta
obra de Reich, em nosso entendimento, seria melhor se não tivesse
sofrido as revisões que sofreu nas edições seguintes à original. À
medida que se passam os capítulos, sua obra começa a se mostrar uma
colcha de retalhos. Isso foi causado pelo afastamento de Reich do
Partido Comunista da Alemanha e seu abandono do marxismo, que ocorreu
entre uma edição e outra, num espaço de mais de 10 anos.
As
críticas que Reich ensaia sobre a URSS, por exemplo, são em sua maioria
descabidas, tendo ele incorrido no grave erro do reducionismo
psicológico. E justamente ele, que tanto criticava os "marxistas
vulgares" pelo reducionismo econômico.
Nos
primeiros capítulos Reich é comunista; no último já abandonou
completamente o comunismo e o marxismo, defendendo a teoria da
"democracia do trabalho", inventada por ele mesmo. Isso comprometeu a
coesão e a coerência de sua obra.
*ver também : http://blogln.ning.com/forum/topics/psicologia-de-massas-do
INÍCIO
Nenhum comentário:
Postar um comentário