Embrionárias ou Adultas?
Carlos A. Lungarzo
RESUMO:
A
candidata à presidência Marina Silva há proclamado que é contrária à pesquisa
das células-tronco embrionárias, e que está a favor de que se faça pesquisa
sobre as células tronco “adultas”
(em realidade, somáticas). O motivo
desta proibição é a repulsa de numerosas seitas à manipulação de embriões,
mesmo quando estes sejam extraídos nos primeiros dias da fecundação. Pelo menos
até o 3º ou 4º meses, os embriões não têm possibilidade de vida independente.
Neste
breve artigo, mostro que, embora as células-tronco “adultas” sejam importantes,
e devam ser investigadas, ELAS NÃO PODEM SUBSTITUIR O PAPEL DAS EMBRIONÁRIAS,
pois estas possuem capacidade de se diferenciar em quaisquer das mais de 200 famílias
de células que formam o corpo humano.
As
células-tronco ditas “adultas” só podem diferenciar-se em alguns casos
específicos, e os transplantes precisam, muitas vezes, doadores da mesma
linhagem. Aliás, elas nem sempre se reproduzem indefinidamente, e é mais
difícil evitar que criem tecidos teratogênicos.
Nossa
legislação permite a pesquisa sobre células-tronco embrionária com
muitas restrições, oriundas do preconceito e a ignorância. Se, agora, se
pretende piorar as coisas, proibindo a pesquisa das embrionárias, então ESTAO
SENDO FECHADAS AS ESPERANÇAS DE CURA PARA doenças como leucemia, Parkinson,
Alzheimer, Esclerose Múltipla e numerosas moléstias degenerativas. Algumas
dessas doenças não podem ter nenhum outro tipo de cura, porque APENAS a regeneração
dos tecidos devolverá a saúde ao paciente. Qualquer outro método será sempre
sintomático, podendo aliviar a dor e até atrasar a morte, mas não realmente
curar. Aliás, suspeita-se que as CTE aumentarão consideravelmente a vida útil
dos seres vivos.
Pesquisa
embrionária não é utopia. Os que acham que isto é uma espécie de mágica ou
fetichismo, estão mal informados. Lamentavelmente, grande parte dos políticos
aumentam essa ignorância para que a sofrida população se torne uma massa de
eleitores dóceis e cegos.
HÁ
ALGUNS RESULTADOS POSITIVOS que sugerem que, em algumas décadas, tal vez grande
maioria das doenças não cerebrais possam ser curadas.
Fechar
às futuras gerações o direito a combater as doenças é superstição, ignorância e
ressentimento. Isto começa como conservadorismo político, mas pode tornar-se,
mesmo que seja involuntariamente, um crime de lesa humanidade.
Tomei a liberdade de fazer uma imitação
do famoso poema de Bertold Brecht É Preciso Agir. Desculpem a profanação.
A candidata Marina está contra os gays,
Mas vou votar nela, porque eu não sou gay.
A candidata Marina também está contra o aborto,
Mas vou votar nela, porque não sou mulher.
A candidata Marina não dá importância ao Pré-Sal,
Mas vou votar nela, porque
eu posso pagar a educação dos meus filhos.
A candidata Marina
quer dar toda autonomia ao Banco Central,
Eu não sei nada de
economia,
Mas vou votar nela,
porque ela disse que vai governar com os bons.
Finalmente, votei na
candidata Marina.
Porém, há um ponto do programa que eu não tinha percebido...
Ela também proibiu a
pesquisa das células-troncos embrionárias. E eu tenho leucemia. Socorro!!!
O
corpo humano (como quaisquer outros organismos multicelulares) está composto
por células, que podem classificar-se em centenas de tipos, como musculares,
ósseas, hepáticas, neurônios, etc. Foram
classificados mais de 220 tipos, mas se conjecturam que existam muitos mais.
A
imensa maioria das células está diferenciada por sua morfologia e sua função.
Todos temos visto na escola desenhos dos tipos mais conhecidos. Mas, há outras
células, em quantidade muito menor, que não
são diferenciadas. Essas são as células tronco.
Estas
células se dividem, usualmente, em duas grandes classes, embora se mencionem
também outras classes. Essas duas classes mais importantes são:
1)
Células-tronco
embrionárias (CTE)
2)
Células-tronco somáticas, ditas “adultas”. (CTA)
NOTA:
Em realidade as células tronco adultas são as encontradas dentro de um órgão,
seja humano ou de outra espécie pluricelular, cujas células estão
diferenciadas, seja o portador um adulto ou uma criança. Por exemplo, pode haver
células tronco “adultas” dentro do fígado de uma pessoa, “convivendo” com
células hepáticas (portanto, já diferenciadas). Sua função evolutiva é a de
substituir outras células do meio em que vivem (no caso, do fígado), quando algumas
delas morrem. Para tanto, passam de ser “tronco” a ser diferenciadas (no caso,
hepáticas).
As células
tronco embrionárias (CTE)
encontram-se nos zigotos das espécies multicelulares. No ser humano, as CTE
estão no óvulo fecundado. Sua principal propriedade é ser omnipotente (desculpem a blasfémia, mas assim é como os biólogos as
chamam; não tenho a culpa).
Uma célula omnipotente pode
transformar-se, pelo processo de diferenciação,
em qualquer célula, reproduzindo tecidos de cada uma das três camadas que
formam o zigoto. Aliás (sob condições adequadas), elas podem se reproduzir
indefinidamente. Mais ainda, nas primeiras divisões celulares, a omnipotência
se transmite às descendentes e, eventualmente, a toda uma coorte.
As células pluripotentes são “quase” omnipotentes, mas com algumas limitações
quanto a sua propagação. De qualquer maneira, estas podem diferenciar-se até virar
células de qualquer um dos mais de 200 tipos conhecidos de células.
Há vários usos das CTE que não têm
sido totalmente explorados até a atualidade, porque a pesquisa é muito
complexa, mas sobre os quais os pesquisadores têm certeza de sucesso.
1. A investigação do crescimento
celular, que, usando células tronco, poderia ser modelizado adequadamente.
2. A simulação de doenças e de efeitos
dos remédios. Isto tornará cada vez menos necessário o emprego de cobaias.
3. A regeneração de tecidos, o que
significa que qualquer doença cuja consequência seja a destruição de tecidos,
poderá ser desafiada. Já se conhecem resultados positivos em cura de pessoas queimadas, de doentes de leucemia e outras moléstias
de origem hemática.
Alguns militantes de diversas seitas
religiosas argumentam que tudo isto pode ser conseguido com células adultas. As células
adultas têm muitas aplicações. Entretanto, elas possuem algumas limitações.
Essas fraquezas das CTA não são banais. Se prescindirmos totalmente das células
embrionárias, as adultas
sozinhas podem fazer pouco, pelo menos, num futuro previsível.
Então, que as CTA podem substituir as
CTE é FALSO. Não vamos pretender que políticos ou
bispos & cia saibam ciência, mas, sem dúvida, devem conhecer alguém a quem
podem perguntar. Então, creio que não se trata de uma ingenuidade, de uma
falsidade involuntária. Trata-se de manter a população ignorante, para que
sejam dóceis eleitores de seus messias.
Nos EUA, certas seitas radicais
influentes no Congresso têm conseguido que o investimento público em CTA seja
maior que em CTE, mas o investimento em CTE continua existindo e é muito
grande. EUA não é imune à propagação de crendices (como são o UK ou a
Escandinávia), mas está menos exposto que nós ao charlatanismo.
Bom, mas, passado a limpo: falamos
que as CTA não podem substituir as
principais funções das CTE. Então, quais são essas limitação das CTA? Por
que não podem ser substituídas?
A principal razão é que não há CTA omnipotentes, e poucas de pluripotentes. Em
realidade, a maioria das CTA servem para regenerar apenas o tecido na qual estão inseridas. No máximo, encontramos multipotentes, que são as que podem
diferenciar-se em vários tipos diferentes, porém apenas naqueles que
guardam similaridade com a célula transplantada.
Este não é um problema menor. A maior
dificuldade de obter células de um tipo determinado implica numa maior perda de
tempo para fazer o transplante e, na maioria dos casos, na morte do paciente.
Por exemplo, imagine que Joao
da Silva precisa repor células danificadas do coração que não se regeneraram
espontaneamente. Suponha que, pela condição clínica de João, não seja
aconselhável uma exploração cardíaca para encontrar alguma CTA.
1.
Bom, pode acontecer que exista uma célula tronco adulta em seu pulmão ou
em seu fígado, que seja multipotente, e que possa regenerar o tecido cardíaco.
Isso pode acontecer, e já aconteceu no caso de regeneração de cartilagem de
joelho. Entretanto, a probabilidade de que isto aconteça não é alta, dentro do
tempo necessário para salvar a vida do paciente.
2.
Para evitar esta demora, pode utilizar-se órgãos de outros pacientes, mas
existe certo risco (pessoalmente ignoro qual é a probabilidade) de rejeição
imunológica.
3.
Ora, se você transplanta CT embrionárias, QUAISQUER QUE SEJAM, estas
serão capazes de diferenciar-se em células cardíacas. Observe que muitos desses
transplantes fracassam, mas esse é um problema comum a qualquer tipo de
transplante celular. As CTE são mais fáceis de encontrar (basta possuir um
zigoto) e podem diferenciar-se em qualquer tecido. Se o transplante fracassa é
porque o processo é, por enquanto, muito delicado, e a pesquisa sobre o
assunto, até que o procedimento seja aperfeitçoado, demorará não sabemos
quanto. Talvez devam passar décadas.
4.
Entretanto, apesar dos fracassos e a precariedade de algumas
experiências, não há qualquer dúvida que
em alguns casos há sucesso. Você pode encontrar na Internet listas de
casos, com data e nomes dos envolvidos, em que transplantes com CTE deram
certo.
Outra questão:
As CTE são
úteis onde o uso das CTA seria quase impossível, pelo menos, tecnicamente. Se
uma pessoa perde um órgão que contém células de diversos tipos, o transplante
de CTE pode servir, pois cada uma delas se diferenciará de acordo com o tecido
no qual seja implantada (isto pode não acontecer sempre, mas é viável). No caso
das células adultas, você deveria implantar células de cada um dos tipos que
continha o órgão mutilado. Isso pode não ser fácil na prática. Aliás, que
acontece se esse órgão contém células desconhecidas, ou das quais não temos
fonte doadora?
As células embrionárias e as adultas devem seguir sendo pesquisadas em
conjunto, as duas, embora as CTE tenham uma maior eficiência. Além de curar
seres humanos e animais, evitará a morte cruel de milhões de bichinhos que são
usados como cobaias.
Nossa legislação permite a pesquisa
de CTE, porém, sujeita a restrições severíssimas (só zigotos ditos “inviáveis”
ou congelados há mais de três anos). Isto torna a pesquisa e sua aplicação mais
difícil. Com essa lei, o congresso ofereceu à saúde pública uma meia permissão,
para não ofender aos membros de nosso “Califado Bíblico (seja da denominação
que for)”.
Proibir a pesquisa em CTE é um ato
desumano, supersticioso e bárbaro, tanto como impedir às meninas que tomem
vacinas que evitam doenças sexualmente transmissíveis, ou como se opor à
transfusão de sangue, como algumas pequenas seitas fazem.
Entendo que o primitivismo pode
oferecer algum charme. Muitos gostam de ver torneios de cavalheiros, castelos
medievais, e assim por diante. Bom, se você quer ver estas coisas, pode viajar pela
Europa (existem torneios simulados) ou, com menos dinheiro, ver algum filmes
sobre a Idade Média.
Mas, seja sensato: não faça com seu
voto recuar o Brasil à Idade Média. As fogueiras com hereges sendo queimados não
tem charme nenhum. Isso é o terror.
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