Punição contra o Genocídio
na África: Exemplo para o Brasil
Carlos Alberto
Lungarzo
Prof. Tit. (r) Univ. Est. Campinas, SP, Br.
29 de junho
de 2012
Charles Taylor, o 22º presidente da república
africana de Libéria, que ganhou as eleições de 1997 por 75% dos votos, acaba de
ser condenado a 50 anos a prisão por um tribunal internacional, sob a acusação
de crimes de guerra e crimes contra humanidade que a promotoria qualificou como
“atrocidades que estão entre as piores da história”. (Vide)
O Caso de Taylor
A condenação de Taylor colocou algum
desconforto em grupos populistas, que aduzem que os tribunais das Nações Unidas
servem ao imperialismo ou são racistas. Eles talvez possam ter sido induzidos a
esta idéia por causa de que os tribunais internacionais não se ocuparam de
crimes de lesa humanidade comparáveis em países ocidentais, como a Guatemala e
a Argentina, e também porque o governo de Taylor era democrático e não uma
ditadura.
Como a condenação de Taylor é,
talvez, uma das maiores vitórias da causa dos direitos humanos nos últimos
anos, é necessário esclarecer os erros em que se baseiam estas objeções. Em
particular, as atrocidades de Taylor deixam em claro que a democracia nem sempre implica estado de direito. Também mostra que
nem toda revolução produz um resultado positivo, mesmo que inicialmente tivesse
sido justificável. Taylor tinha derrubado o ex presidente Samuel Kanyon Doe
(1951-1990), que assumiu o poder em Libéria em 1980, e sucumbiu ao golpe de
Taylor em 1990.
O golpe de Taylor poderia ser
justificado por várias razões:
1. Doe tinha virado impopular e impunha
uma ditadura baseada na repressão.
2. Esta ditadura exacerbou o ódio racial
entre etnias.
3. Doe recebia treinamento e forte apoio
dos EEUU.
4. O golpe de Taylor teve apoio popular,
de modo que poderia ser considerado uma “revolução”, no sentido que se usa esta
palavra na América Latina: como rebelião popular armada.
5. Após um primeiro período de governo
de força, Taylor foi eleito normalmente e ganhou por grande maioria de votos. A
partir de 1997, ele era, então, um presidente
democrático.
Porém, Taylor continuou a sequencia
de atrocidades, o que certamente não pode ser justificado pelo simples fato de
que tenha impedido os crimes de Doe e os substituído pelos seus.
Genocídio, Raça e Imperialismo
O exemplo de Taylor é mais um que
ajuda a desmitificar a visão dogmática de que alguém que combate um governo
pró-ianque é necessariamente bom. Outros exemplos são os de movimentos como o
de Gadaffi e Al-Assad, que nos começos se posicionaram frontalmente contra
EEUU. (Posteriormente, Gadaffi tornou-se aliado dos americanos, mas o ditador
sírio se mantém em seu terrorismo independente). E que mais famoso que o
exemplo de Adolf Hitler? Acaso ele não atacou os aliados dos EEUU?
Além disso, a visão de que estar
contra os EEUU é sempre justo (que não por famosa é menos obviamente falsa)
desconsidera a variabilidade dos EEUU de acordo com seus interesses. O
Pentágono apoiou claramente Bin Laden e o Talibã, quando estes resistiam a
invasão soviética, mas depois os empossou como seus maiores inimigos.
Voltando ao argumento do racismo,
deve notar-se que há uma grande preocupação pelo fato de que a maioria dos
julgamentos realizados pelos tribunais internacionais amparados pela ONU afetam
apenas criminosos de pequenos países, com pouco poder e, em geral, não brancos.
Esta observação não tem em conta o
julgamento dos criminosos de Bósnia e Kósovo, que são locais europeus e
brancos. Também este argumento despreza o fato importante de que o
megagenocídio de Ruanda em 1994 foi possível porque Bélgica e outros países
brancos e cristãos negaram ao general canadense Roméo Dallaire as tropas que
precisava para defender as etnias negras em luta. O mesmo Dallaire (que,
atormentado pela visão dramática dessa catástrofe, tentou suicídio duas vezes)
denunciou a ONU por seu desinteresse em deter os dirigentes genocidas da
África.
Estes exemplos mostram que o racismo
europeu se percebe não quando um tribunal
“branco” condena um genocida negro, mas quando essas forças brancas e
cristãs evitam seu dever de condenar
esses genocidas, o que deixa milhões de negros em risco de mutilação e morte
sob as hordas daqueles doentios tiranos.
Seria ridículo dizer que não existe significativo
racismo nos grandes centros de poder da União Européia. Existe e muito. Mas, quando se condena um genocida
negro não se está demostrando esse racismo, pois
as vítimas que são salvas das garras desses terroristas de estado são
também negras e se contam por milhares ou milhões.
O racismo se percebe quando os
organismos internacionais não querem comprometer-se em ações que salvariam
muitas vidas de africanos, e preferem não arriscar seus soldados brancos de
bonitos uniformes numa luta cujo objetivo será proteger do genocídio povos
negros.
Há muitas queixas, é verdade, de que
o Tribunal Penal Internacional e os tribunais especiais para conflitos
específicos, nunca condenaram os maiores terroristas e criminosos do planeta,
como George W. Bush ou Richard Nixon. (Deixemos o argumento de que estes
tribunais começaram a funcionar recentemente.)
Todavia, deve entender-se algo tão
simples como isto: é preferível acabar com a carreira de um genocida que matou
digamos 10.000 pessoas, que dizer: “Vamos deixar este livre porque não podemos
pegar aquele outro que matou 20.000”.
Este é um raciocínio absurdo, ícone
da filosofia do tudo ou nada e de quanto pior, melhor. Os EEUU não podem
ser julgados como criminosos de guerra, porque não aceitam nenhuma jurisdisção
internacional, e a única força que poderia leva-lo ao banco dos réus seria um
grupo armado mais poderoso que seu exército. Por enquanto, isto é impossível.
Mas, é verdade que os tribunais
internacionais que julgam crimes contra a humanidade deveriam volver seu olhar
a países onde existe possibilidade de prender genocidas, mesmo sem brancos,
cristãos e de origem européia. Por exemplo: América Latina.
Crime de Estado nas Américas
Na América Latina existe a CIDH (Comissão
Interamericana de Direitos Humanos) dependente da OEA, sediada em Washington, e
a CorteIDH, que possui poder de tribunal internacional com jurisdição restrita
às Américas. A Corte está instalada em São José de Costa Rica, que foi
escolhida para sediá-la por seu o único país do subcontinente onde não há
violações significativas aos DH. (Isso se explica, em especial, porque Costa Rica
não tem exército desde há 64 anos.)
A CIDH estuda as queixas que são
enviadas por cidadãos ou grupos dos diferentes países sobre as violações dos DH
cometidas pelos agentes públicos de algum estado em particular. A Comissão
estuda o caso, entra em contato com as partes e, se achar necessário, o envia à
Corte, que atua como tribunal.
O Brasil já foi condenado várias
vezes por diversos massacres, abusos policiais, omissões de agentes públicos, e
assim em diante. Sem dúvida, também será condenado pelo crime de Pinheirinho. O
recurso à CIDH é importante e fundamental e nunca deve ser omitido, já que,
salvo exceções (que não fazem a regra),
justiça e polícia são coniventes com as atrocidades que se cometem em favor das
enormes fortunas donas do país.
Apesar de que este pedido de ajuda à
CIDH é imprescindível, em alguns casos mais graves (e o de Pinheirinho é um dos
dois ou três mais graves da história recente das Américas, excluindo desta
comparação os crimes cometidos pela ditadura argentina) deve ser complementado por outras ações.
Há algumas razões de peso para não
ficarmos quietos mesmo se a Corte condenar o Brasil:
1. O Brasil, salvo em casos que não
envolva os grandes poderes políticos e econômicos, simplesmente ignora as
condenações da Corte. Um caso extremo foi a reunião por Belo Monte, que o
estado simplesmente boicotou.
2. Mesmo que o país obedecesse (o que às
vezes acontece), os efeitos são reduzidos. Sem dúvida, oferecer algumas míseras
indenizações às vítimas já é algo, para pessoas que têm perdido tudo. Mas, as recomendações da Corte de
investigar o caso e punir os responsáveis jamais acontece.
3. Em caso de desobediência, a Corte não
pode fazer quase nada. Apenas pode pedir à OEA que adote uma punição econômica
ou de outro tipo contra o país, o que tampouco acontece. Salvo em países
realmente democráticos (que são menos de media dúzia no mundo), os governos não
estão interessados em justiça, mas em negócios, e não querem entrar em conflito
com outros governos, especialmente se são mais poderosos.
A situação é diferente
com a Corte ou Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, e que não deve
ser confundido com a Corte Internacional
de Justiça também da Haia, que
julga conflitos entre estados. O TPI julga
crimes de guerra, crimes contra a humanidade e outros
tipos de crimes massivos e aberrantes,
que a Corte ainda está considerando.
Taylor não foi
julgado diretamente pelo TPI, mas
por um Tribunal Penal equivalente, também apoiado pelas Nações Unidas. É o
Tribunal para o caso de Serra Leoa,
onde se originaram os crimes do presidente da Libéria.
O TPI pode dar penas reais de prisão, diretamente, e sem pedir
autorização a país nenhum. É claro que o governo brasileiro não entregaria os
carrascos de Pinheirinho, mesmo que sejam de oposição.
Mas, se alguns dos responsáveis por
Pinheirinho fossem condenados pelo TPI, os países que respeitam o direito
internacional (são muito pouco, não sejamos ingênuos, mas há alguns) estariam
prestes a capturar a alguns deles se passasse por seu território.
Assim, por exemplo, Henry Kissinger
tem muito cuidado em não passar perto da Holanda, porque nela foi condenado
pelos crimes de Guerra de Kampuchea nos anos 70.
É claro que nossos minúsculos
carrascos são tão pouco interessantes, que talvez nunca pensem pisar nos países
mais sérios do planeta, no qual não teriam muito para fazer. Mas, de qualquer
maneira, seria uma forte advertência para prevenir catástrofes e massacres
futuras.
Por isso, é claro que a excelente iniciativa dos juristas coordenados
pelo procurador Márcio Sotelo Felippe deve ser complementada por uma denúncia
ao TPI, na qual convidamos aos que repudiam esta barbárie a envidar esforços. O
processo pode ser lento, mas toda a construção da dignidade humana é um
processo lento que ainda está muito longe de culminar.
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