quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O JUIZ NÃO GOSTA DE PROVAS





O Juiz não Gosta de Provas
Carlos A. Lungarzo
AIUSA 9152711
Quem gosta de encontrar provas é o detective “científico” tipo Holmes ou Poirot (não menciono Adamsberg, para não parecer provocador), mas, na maioria dos casos, magistrados da área criminal estão interessados apenas em acumular presos e não em encontrar provas. Ainda, temos o caso dos que se incomodam quando as provas aparecem, mesmo que eles se tenham esforçado em ignorá-las. Este artigo é a história de um magistrado que não gostava de provas.

Mais um Livro sobre Battisti

O caso Battisti promoveu uma enorme difusão de artigos de jornais e revistas, de “cables” de agências, e de blogs, nos que se tenta sempre desconstruir a imagem do escritor italiano. Esses artigos abundam em português e italiano, e são tantos que, contando apenas os três maiores linchadores mediáticos de São Paulo, pode ver-se uma coleção de várias centenas em apenas 4 anos. O público a quem vai dirigido geralmente não lê, porque eles não acham legal ler (foi com a escrita e depois com a imprensa que surgiram os intelectuais contestatários), e os que estão fora do círculo de linchamento acham todos esses artigos muito semelhantes.
 Todavia, é muito mais difícil escrever livros, que têm muitas páginas. Por isso, apareceram poucos livros contra Battisti. Até tempos recentes tínhamos um em italiano (o de o apresentador Giuseppe Cruciani, Gli amici del terrorista) e outro de “lavra vernácula”, ao qual parece que a mídia brasileira não lhe dedicou a atenção que merecia (diferentemente da italiana, que lhe conferiu um prêmio, quando ainda estava com a tinta fresca). Cruciani escreveu esse livro porque, além de razões pessoais que não conhecemos, ele tinha um plano original. Embora descrevesse alguns aspectos jurídicos e alguns dados jornalísticos do caso Battisti, o livro vai especialmente dirigido, não ao “terrorista” em si mesmo, mas sim a seus muitos amigos, na Itália, na França e no Brasil (esqueceu apenas os do México e da Nicarágua). Ninguém se salva da fúria do justiceiro.
Mas, em julho de 2011 apareceu mais um livro, este de uma qualidade diferente: foi escrito por Giuliano Turone, um magistrado italiano que fez parte do inquérito (instruttoria) contra os PAC, nos anos 80. Ele não é tão conhecido como Spataro nem mesmo como o pubblico ministero Carnevali, mas esse esquecimento é uma injustiça, porque Turone teve uma das tarefas mais importantes daquele processo: arquivar as queixas por torturas contra 13 membros dos PAC. Graças a esse arquivamento, magistrados, políticos e afins puderam dizer que “a denúncia de torturas eram invencionices”, e que os que se queixaram participavam de uma manobra da Anistia Internacional para enlamear a Itália (embora nunca disseram qual seria nosso interesse em prejudicar o país que produziu, faz tempo, Giordano Bruno, Galileu, Leonardo e, sobretudo, Beccaria).
A Anistia Internacional tinha denunciado ao Ministro do Interior, Virginio Rognoni, nove dos 13 casos de tortura, numa data imediata aos fatos (5 de abril de 1979) e essas torturas foram a principal motivação de AI para fazer em seguida sua maior investigação na Europa em toda sua história. (Vide Amnesty International Report 1979, Italy. Este relatório é antigo e não está no site convencional, mas pode ser visto em meu site, ou solicitado à AI de Londres documents@amnesty.org, que o enviará imediatamente.) Dos outros 4 casos, nossa ONG não tinha informação nessa data.
  A eficiência de Turone não é por acaso. Por algumas referências políticas, muito poucas, que ele faz (incluindo uma gentil e delicada citação de minha paisana Mercedes Sosa, na página 165), e sua aversão algo aguda contra Berlusconi, deduzo que ele não faz parte do departamento cato-fascista do clube de linchadores, mas do para-stalinista. Mesmo que o stalinismo seja uma manipulação e inversão total do marxismo, alguns stalinistas ocidentais são nostálgicos do toque científico do antigo comunismo.
Seu livro se chama IL CASO BATTISTIUn terrorista omicida o um perseguitato político?, e foi editado pela Garzanti, de Milão, que o lançou ao mercado em julho de 2011.
Consta de 20 capítulos bastante substantivos, onde narra a história dos PAC, sua relação com outros movimentos autonomistas, os diversos assaltos e ferimentos praticados por seus membros, e alguns detalhes dos julgamentos de 1981 e especialmente de 1988, onde Battisti foi condenado à várias prisões perpétuas. Turano defende a política de julgar réus ausentes (cap. 15), elogia a instituição dos delatores premiados (cap. 6), e ataca a revista virtual Carmilla (cap. 17) e seu brilhante e criativo editor, Valerio Evangelista, verdadeiro pesadelo de todos os linchadores, mas, neste como em outras passagens, Turano evita qualquer insulto e se limita a desenvolver algumas falácias elaboradas e sutis, admitindo sempre que, apesar da Itália ser uma democracia, ele reconhece que há coisas imperfeitas naquele país.
O ex-magistrado faz uma exceção a sua racionalidade nos últimos capítulos, quando, de maneira inesperada, convida a Cesare a se tornar uma espécie de novo Cristo (só um comunista pode proferir tal blasfémia), embora não mencione o redentor por seu nome. De fato, ele diz que todas as feridas abertas da Itália fechariam se Battisti voltasse! Nossa! Eu nunca pensei que estaria junto a uma pessoa com tanto poder e a verdade é que tenho certo medo. Será que ele pode fechar as feridas do Brasil?
Fora deste desatino (que realmente não sei se apenas uma piada ou um sarcasmo, e em caso afirmativo para quem), o livro tem um estilo mesurado, pouco retórico, mas também desprovido desse rebuscado jargão jurídico que, no Brasil, reina em qualquer texto escrito por um magistrado, nem que seja uma carta para a namorada. Evangelisti, em sua resenha, acha o livro de Turone entediante, mas eu não tive essa impressão. Entretanto, quando foi anunciado na Itália me apressei a lê-lo, porque pensei que um ex-magistrado, envolvido no caso dos PAC, e com certo passado diferente dos cato-fascistas e mafiosos, que, além disso, ensina metodologia do direito, poderia contribuir com algo novo. Por outro lado, também pensei: “Se a Itália tiver uma arma pesada e objetiva contra Cesare, a teria usado há pelo menos 2 anos, e teria poupado vários milhões de euros”. Mas, ainda assim, achei que devia lê-lo.
Acabada a leitura, nos finais de julho, não achei motivo para escrever um comentário do livro. As coisas objetivas que ele dizia, eu tinha podida lê-las nos documentos que consegui através da França, que perfazem um total de menos de 3000 páginas. Achei esquisito, então, que o livro não brindasse dados e provas dramáticas, sendo que, segundo as fontes, o processo tem mais de 53 faldoni (pastas ou volumes de arquivo). Esses faldoni deveriam reunir pelo menos o triplo de páginas e dados que os lidos por mim. Fiquei, vamos dizer, desencantado e pensei que um artigo não seria necessário.
Entretanto, anteontem li a versão virtual de uma matéria de Carta Capital, onde se afirma que Turano dá uma demonstração definitiva da culpabilidade de Battisti, e refuta Fred Vargas. Eu suspeitei que minha inteligência era muito limitada, e decidi ler a entrevista e comparar depois com uma quinta leitura do livro. (Evangelista se queixou de que precisou muito café para ler o livro uma vez, mas eu li quatro.)
O artigo tem um título forte: “As Provas Irrefutáveis”. Isto aumentou ainda mais minha curiosidade, não apenas como ativista de direitos humanos, mas como cientista. Quando estudamos na Faculdade, nos dizem que todo conhecimento com conteúdo real é refutável. Como todos sabem, a física de Newton tem partes refutáveis, e também a de Einstein. Então, li cuidadosamente esta maravilha do conhecimento. O leitor pode ler o diálogo de Turone com o senhor Manzo, neste link: www.cartacapital.com.br/internacional/as-provas-irrefutaveis

Entrevista Versus Leitura

O redator do artigo de Carta diz que a reconstrução de Turone sobre o caso Battisti é tão precisa e detalhada, “a merecer a apreciação positiva de Giorgio Napolitano, primeiro presidente comunista na história da República italiana, em carta aberta de agradecimento publicada no diário italiano La Stampa no dia 31 de agosto”.
O começo, devemos concordar, é estonteante. O valor de uma obra jurídica se mede pela opinião de um político. Interessante! Será que na Itália, Enrico Fermi, Pontecorvo e outros físicos tiveram tanto sucesso com suas teorias por ser elogiados por Togliatti?   
Turone, porém, não se deslumbra com elogios e, ignorando a bajulação do entrevistador, vai direto ao ponto.
O Caso Battisti foi deveras muito complexo: 53 grossos volumes do processo, uma dezena de sentenças, muitos tecnicismos. Agora, se de um lado isso é a confirmação de quanto seja rigoroso o trabalho da magistratura italiana, de outro percebi que quem não conhece a fundo o assunto terá dificuldade para ter uma ideia clara, por causa, justamente, da abundância das informações técnicas. É o que senti ao percorrer novamente todo o caso judiciário, traduzindo-o para uma linguagem acessível a todos e sempre mantendo separados os fatos das opiniões.
Após de ler algo que deve ser (é só imaginação minha) menos da 3ª parte dos 53 grossi faldoni, concordo com Turone: é possível que a leitura do caso seja difícil para a maioria das pessoas, e o ex-magistrado fez um bom serviço ao traduzir isso para uma linguagem acessível. (Por sinal, justiça seja feita, a complexidade dos raciocínios jurídicos italianos não tem o 1% de tortuosidade linguística do voto do relator do caso Battisti no Brasil)
Turone faz, sem dúvida, uma boa divulgação daquela massa de informação complexa e de sentenças longas. A diferença entre o que ele escreve e o que entenderia qualquer pessoa de bom senso não é muito grande. Em realidade, a diferença está na interpretação. Um exemplo simples e categórico:
No interrogatório do ideólogo dos PAC, Arrigo Cavallina, em 19 de outubro de 1988, um magistrado pergunta (pp. 68/69) como foi a idéia de atirar no carcereiro Antonio Santoro, morto pelos PAC em junho de 1978, e indaga se foi por impulso do próprio Cavallina ou de outros. Ele disse que foi sob o impulso dele, de maneira relevante, mas não só dele. Na p. 69, acima, o magistrado pergunta se a escolha do objetivo (ou seja, a escolha de Santoro) para ser morto, se remonta (risale) a ele (Cavallina) e a uma detenção anterior em Udine. Cavallina responde:
- [...] perché io ero stato detenuto a Udine. Non solo io, però...
 - ... porque eu estava detido em Udine. Não somente eu, mas...
O interrogador faz uma alusão a Battisti, sem nomeá-lo, mas, Cavallina reage:
“Eu assumo inteiramente minha responsabilidade...”
A transcrição de Turone dos autos é fiel, como todas as que ele faz. Em momento nenhum deforma o que aparece nos documentos oficiais. Essa diferença com outros livros e panfletos, conferiria a seu texto um ar de seriedade.
 Entretanto, o que é pessoal dele é sua conclusão. Você percebe que depois de “non solo io, però...”, Cavallina se interrompe bruscamente. Aí Turone pensa “hahahahaha... ele parou de falar, porque estava pensando em Battisti”. E com isso fabrica o que ele chama “declaração-lapsus”. A prova dele é a leitura da consciência de Cavallina. Se, como acredito, Turone é do Partito Democrático, ele deveria saber que leitura de consciência é coisa de confessores católicos, e análise de lapsus é coisa de freudianos. E, tanto a Igreja como Fred foram grandes inimigos do stalinismo... Ora...!!!
Ele encontra o que chama numerosi riscontri (numerosos fatos confirmadores), que, segundo ele, confirmam plenamente as declarações do delator Mutti. Pode parecer incrível, mas este exemplo de “adivinhação” no caso de Cavallina, é a prova mais forte que Turone oferece. Quem acredite que estou distorcendo o sentimento do juiz, pode ler o livro (Não posso coloca-lo na Internet, porque estaria violando os direitos).
Mas, a parte mais interessante da entrevista com Manzo, é aquela em que ele declara sua simpatia pelo Brasil e disse que os brasileiro foram tapeados por alguém que veio da França. Tudo isto está no link acima, e você pode conferir. Turone disse que a Fred Vargas veio com aquela história das procurações falsas, que foi desmentida pelo Estado Francês e a Corte de DH da Europa. De fato, os organismos europeus, mas que desmentir, se lixaram na queixa de Battisti, como fazem, segundo estatísticas de ONGs de direitos humanos, com 96,2% das queixas (dados de 2009), salvo quando provém de setores com grande influência (como aconteceu no caso dos crucifixos da Itália, em que a queixa provinha de fortes grupos protestantes e maçônicos)
O entrevistador, quando ouve a menção as procurações, se faz de ingênuo: “De que se trata?” E aí Turone explica. De fato, a “prova irrefutável” contra Battisti que Turone dá na entrevista, é a mesma que a do capítulo 16 de seu livro. Portanto, continuarei este artigo me baseando no livro e não na entrevista.

Mais uma Vez as Procurações

Turone é o único de todos os propugnadores da queima de Battisti que teve a coragem de assumir o espinhoso tema das procurações falsas. Todos os outros, em livros, artigos ou conferências, se furtaram, porque o assunto é difícil de refutar. Spataro, Cruciani e outros se limitaram a dizer que isso de que a magistratura falsificou as procurações era pura balela, mentiras de franceses desvergonhados. Devo confessar que a inclusão de um capítulo sobre as falsas procurações (o 16) atiçou minha curiosidade. Como eu não acredito em coisas irrefutáveis, pensei: “Talvez Fred, os advogados franceses, a perita e eu mesmo estejamos todos enganados. Quiçá Turone tenha uma boa refutação de nossas provas”. Foi por isso que li esse capítulo muitas vezes.
O capítulo 16, se intitula
A vicenda delle considdette “false procure”
As Idas e Voltas das Chamadas “Falsas Procurações”
Está entre as páginas 117 e 121 (incluídas)
O fato de ter dedicado um capítulo completo (mesmo curto) as “aventuras” das procurações, fazia supor que Turone teria adoptado o caminho de encontrar uma “prova irrefutável” de que as procurações eram verdadeiras. De fato, todos os outros tinham dito apenas que nossas denúncias eram bobagens ou mentiras. Em realidade, uma mente mais racional e inteligente como a de Turano, deveria ter feito este raciocínio:
Se alguém declara que algo é falso, então aquele que faz a declaração é o que deve dar a prova.
Esta raciocínio concorda com a idéia clássica do direito: quando se acusa a alguém, o acusador deve apresentar a prova e não exigir do acusado uma prova de inocência (embora com Cesare Battisti tenham feito exatamente o oposto!!!). Também concorda com a idéia de prova científica. Numa teoria cognitiva qualquer, você prova a existência de algo, e a dificuldade de provar a existência, não permite deduzir a não existência. Por exemplo, se eu não encontro a solução de um sistema dinâmico, não posso argumentar que a função solução não exista. Só posso dizer que não a encontrei. Ora, se eu obtive uma função que satisfaz o sistema, estou provando que é solução.
De maneira análoga, se eu digo que as procurações são falsa, devo prova-lo. Não posso exigir que os acusados (neste caso, o tribunal de Milão) provem sua inocência. Então, Turone estaria certo, se fosse o caso que ninguém tivesse dado nunca uma prova.
Ou seja, há vários graus de complexidade:
1)      Alguém disse “estes documentos são falsos”
2)       Recebe a réplica: não são falsos. Você deve provar.
3)      O acusador apresenta algo do qual diz: “eis a prova”.
4)      O que se sente acusado, deveria dizer: “Isto não é a prova” e, portanto, refutá-la.
Como disse ao começo, cientistas, inversamente a mágicos, feiticeiros, teólogos e magistrados, não acreditamos em coisas infalíveis e irrefutáveis. Acreditamos apenas na natureza da qual fazemos parte, e sabemos que os neurônios falham como qualquer outro mecanismo natural. Portanto, eu esperava uma refutação do professor Turone.
Lamentavelmente, não encontrei uma refutação no texto do professor Turone.
Nas primeiras páginas, ele conta a história das procurações. Diz como foram apresentadas por Fred Vargas, o que falaram jornais brasileiros, italianos e franceses, cita uma página completa da carta de Battisti ao STF em 2009, onde diz que ele assinou várias folhas em branco e deixou a um amigo, etc.
Finalmente, Turone usa argumentos morais: por que Battisti fez passar esse vexame ao advogado Pelazza? Por que criou tanta desconfiança? Por que Pelazza iria a trai-lo?. Na reportagem de Carta Capital, Turone diz ainda algo mais arriscado (talvez porque a difusão de sua entrevista seja menor e exija, então, menos rigor): sugere que nós estamos acusando a Pelazza da falsificação.
Bom, para ser categóricos, os membros do grupo de Cesare nunca acusamos Pelazza. Ainda mais, Fred Vargas me disse que era injusto e temerário levantar qualquer hipótese contra Pelazza. Minha conjectura, que não é uma prova e, muito menos, irrefutável, vai mais longe. Eu acredito que a falsificação foi feita por alguém ligado ao tribunal, que se apoderou das folhas em branco assinadas por Battisti. Como fez? Simples. Todos os membros conhecidos dos PAC, incluído aquele a quem Cesare diz ter deixado as folhas em branco, foram presos. Aquele que tinha as folhas assinadas, mesmo que fosse muito corajoso, não poderia ter recusado entrega-las aos magistrados.
Quem pensa que uma pessoa não deve proceder assim, pense no que significa passar dias a fio recebendo pancadas e murros, engolindo água salgada, tendo seus pelos arrancados em frio, sendo queimado por cigarros, tendo esmagado seus testículos.
Obtidas as folhas com as assinaturas, qualquer bom desenhista podia pegar a procuração verdadeira feita por Battisti em 79, para o julgamento anterior, e passa-la por decalque às folhas em branco, duas vezes, uma para cada procuração manuscrita. Feito isto, os magistrados podiam entregar essas procurações ao cartório do julgado, ou coisa equivalente, e dizer aos advogados Pelazza e Fuga: “Recebemos as procurações de Battisti; vocês serão nomeados defensores”. Quem poderia dizer que não faria????
Turano menciona vagamente, na página 120, linha 14, que “um esperto grafólogo aveva confirmato que...”  as procurações eram suspeitas, mas, o que eu esperava é que ele falasse depois “esse grafólogo está enganado por isto, isto e isto...”
Mas, Turone passa a outra coisa: diz que era natural que os organismos europeus e franceses tivessem desconsiderado a denúncia. Turone poderia ter sido mais preciso, acreditamos, já que dispõe de muita informação que lhe foi negada à defesa de Battisti. Neste caso, porém, basta com o conhecimento de domínio público.
1.       O esperto grafólogo é dona Evelyne Marganne, que faz as perícias oficiais para a Cour d’Appel, mas fez este trabalho como tarefa particular. Ora, se Turone tanto preza as instituições francesas, deve acreditar que os “espertos” por elas contratados são eficientes e honestos. Se essas instituições são tão sérias, a senhora Marganne podia perder seu emprego e até ser processada por fazer um parecer falso.
2.      Evelyne mora na Rue Bénouville, número 3, CEP: 75116, em Paris, no bairro de Port Dauphine. Tem telefone/fax, número 01-45-51-53-06. Tem ainda um telefone do escritório de detectives “La Preuve”, e o e-mail lapreuve@lapreuve.fr
Ou seja, não é uma figura fictícia, saída da imaginação maluca da romancista Vargas. É uma pessoa muito real, que qualquer um pode consultar.
Eu não digo, porém, que o laudo de dona Evelyne deve ser aceito por critério de autoridade, como dizem os magistrados. Com efeito, quando se afirma que Battisti é inocente, os leguleios irados respondem: “Como assim? A justiça italiana provou o contrário”. Certamente, não queiro cair no mesmo obscurantismo. Mas, sabemos SIM, que existe uma perícia.
Agora, queremos que o senhor Turone nos mostre os erros, falácias, ou falsidades dessa perícia. Ela DEVE TER muitas coisas falsas. Se as procurações são autênticas, os defeitos mostrados pela perita devem ser falsos. Por favor, Excelência, estamos ansiosos por ver esses defeitos.

A Versão “Passo a Passo”

A perícia de Marganne e sua difusão posterior por Fred Vargas formam um conjunto de papeis que, para ser entendidos, exigem muita atenção e acuidade cognitiva, mas nada que esteja além de um aluno do colegial. Entretanto, muitos fizeram o colegial em outras épocas e podem ter esquecido. (Lembremos que muitos dos envolvidos no caso Battisti fizemos o colegial há mais de 40 anos.)
Foi por isso que eu transformei aquele processo ramificado, numa apresentação linear “passo a passo”, onde algumas cenas estão animadas e permitem imaginar como foi montada a fraude. Também se explica com extremo detalhe por que é praticamente impossível que essas duas procurações tivessem sido redigidas de maneira “natural” (ou seja, sem truques) com dois meses de diferença. Cada uma delas é quase uma xerox da outra. Existem diferenças de posição e de espaços, produzidas pelo fato de fazer o decalque sem grudar ambas as folhas, mas todas as linhas têm os mesmos caracteres, e as palavras, consideradas independentemente, coincidem quase exatamente.
Você escreve num papel uma linha qualquer, por exemplo:
Eu sou João da Silva, nascido em Porto Alegre, e venho por meio desta
Guarde o papel e dois meses depois escreva o mesmo texto numa folha transparente. É baixa a probabilidade de que você lembre tudo, e ainda mais baixa de que, ao superpor, a coincidência entre os textos seja absoluta. Isto tem uma probabilidade de menos de 1%. Se duvida, experimente!
Suponhamos, porém, que seja, sim de 1%. As procurações de Battisti tinham oito linhas. Então, a probabilidade de que ambos os textos coincidam em todas suas linhas é de1% elevado a -8. Ou seja, a probabilidade de que ambas as procurações tenham sido feitas por meios naturais, sem artifícios, é de uma vez em mais de um trilhão. Não é impossível, mas é muito difícil.

Duas Perguntas ao Juiz

Turone “refuta” a acusação das falsas procurações, dizendo que “não se entende por que alguém teria falsificado aquelas procurações se eram para ser dadas a um defensor de confiança”. Por uma vez, a entrevista de Carta Capital mostra certa objetividade. O entrevistador pergunta a Turone, por que Pelazza não quer falar, e ele insinua que não quer desmentir Battisti. Será por isso?
Estamos de acordo que seria uma loucura falsificar duas procurações para dar a alguém que o defensor de confiança. Podemos dar as procurações verdadeiras ou dá-las em branco. Mas, como sabemos que Pelazza era o defensor de Battisti? Em 2004, durante a audiência em Paris, Pelazza disse que ele foi convocado para a defensa, mas que não recebeu procuração nenhuma e que nunca se comunicou com Battisti.
Por outras palavras, ele foi designado pelos magistrados e deveu se submeter ao que eles decidiam, já que nem sabia onde estava seu cliente.
Ora, independente disso, queremos resolver um problema mais simples. Queremos falar não de pessoas, mas apenas das procurações. Temos duas perguntas para fazer a Turone.
1.       Se as procurações são legítimas, as provas fornecidas por Evelyn Marganne, difundidas por Fred Vargas e matematizadas por mim devem ser falsas. Então, os três deveríamos ser processados e ir presos por fraude. Por que não?
2.       Uma vez presos, ainda queremos saber: como é possível que Cesare Battisti tenha feito duas procurações idênticas, sem decalque, algo que não poderia ter feito Leonardo Da Vinci, o melhor desenhista da história.
Turone diz que Battisti, com seu sacrifício, poderia fechar as feridas da Itália. Isso o torna uma espécie de redentor, um superhomem. Agora disse que ele poderia ter feito duas procurações idênticas, com dois meses de diferença, sem usar xerox nem decalque.
Evidentemente, estamos em presença de um gênio. A Itália deveria pedir a Cesare um plano eficiente para vencer em Afeganistão, onde as tropas italianas estão passando um duro momento.

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