A Comissão
Brasil-Itália:
Expectativas
Carlos A. Lungarzo
Nestes
dias, o chanceler italiano Frattini e seu colega brasileiro Patriota, após
ter-se encontrado na Assembleia Geral das Nações Unidas, decidiram criar um
canal de comunicação que, segundo eles, é jurídico e amigável, nos moldes da
Convenção de 1954 (assinada, na época, por Fernandes e Fornari) para a
resolução pacífica de conflitos judiciais.
Como
o leitor deve lembrar, após a soltura de Cesare Battisti, os italianos
ameaçaram com a convocação da Corte Internacional de Justiça da Haia, Holanda,
mas, antes disso, propuseram ao estado brasileiro a escolha de um representante
para ativar essa Convenção, que deve
constituir uma Comissão de Conciliação, cujo resultado é puramente consultivo.
A
Comissão deveria contar com um membro da Itália, um do Brasil, e outro neutral.
Frattini tinha informado ao Brasil que deveria ter uma resposta até o dia 15 de
setembro e, caso isso não acontecera, recorreria á Corte da Haia (CIJ).
Consultado
por um jornal de grande influência em São Paulo, Patriota, alguns dias antes do
encontro com Frattini em NY tinha dito que a Convenção não estabelecia um prazo e, portanto, respondeu a
Frattini que não seria necessário dar uma resposta tão peremptória num prazo
tão estrito. A resposta veio depois de 2 semanas.
Apesar de que isto possa
não parecer totalmente claro, é simples explicar o que aconteceu. Imaginarei um
leitor virtual que, lendo as diferentes notícias, se formula algumas perguntas,
e veremos como as respostas surgem com naturalidade. De qualquer maneira, eu não tenho informação privilegiada, então pense que posso estar errado
em alguma coisa.
Por que Frattini pediu a ativação da
Convenção Fernandes-Fornari, sendo que ela é desnecessária quando os dois
países têm tratados sobre o assunto, como, neste caso, o Tratado de Extradição?
Porque,
possivelmente, ele sabe que ir direto a Haia será algo brusco que pode
prejudicar internacionalmente a imagem da Itália como um “litigante de má fé”. Aliás,
tem uma probabilidade de 98% de perder. Então, quer ter uma atitude simpática
com o Brasil. Aliás, dizer que vai negociar como amigo, antes de ir à Haia,
pode servir como pressão para que a Comissão preste mais atenção a seus
pedidos.
Por que o Brasil não cumpriu o prazo de 15
de setembro?
O Itamaraty
quer mostrar que não está assustado pela Itália, mas, ao mesmo tempo, usa um
argumento legal correto: a Convenção não estabelece limite para a aceitação da
parte requerida, dependendo isso apenas do critério dos países. O lapso de 90
dias é costumeiro mas não é obrigatório. Aliás, esta Convenção quase nunca se
usa, então, o Itamaraty tem motivos para não mostrar pressa.
Por que agora o Brasil aceita?
Ao
propor outra data, de maneira mais humilde e comedida, a Itália já não
manifesta desejos de humilhar o Brasil, e, aceitando uma nova proposta, num
estilo cordial inusitado na diplomacia italiana dos últimos anos, Patriota
mostra boa vontade.
Qual é a vantagem para o Brasil de formar
esta Comissão?
Pode
acontecer, embora seja pouco provável (e o Brasil não pode saber de antemão),
que a ameaça de Frattini de ir à Haia não seja puro blefe, que é o que todos
acreditamos. Talvez, pressionado pelos stalinistas ou pelos fascistas (ele é um
ex socialista do partido de Berlusconi), decidisse ir à Haia. E o Brasil não
gosta do confronto, pelo menos, confronto
aberto. Os mais velhos devem lembrar que, na década de 70, o Itamaraty
nunca reconheceu ter fornecido informação para o que a Operação Condor pudesse
sequestrar e executar no território brasileiro refugiados de outros países. O
Itamaraty era, porém, quem melhor podia concentrar informação, mas sempre deu
uma imagem de democrática e “compreensiva”. Agora, a política com a Itália é a
mesma, sobretudo, porque o Brasil não quer conflitos com países ricos.
Qual é a vantagem para a Itália?
Se
o resultado da Comissão for absolutamente inadmissível para a Itália, ele tem
um pretexto para ir a Haia. Se, como é certeza, a CIJ disse que o assunto não
implica a violação de nenhuma lei internacional, Frattini voltará a Itália
dizendo: “Fiz tudo o que foi possível”. Aí, haverá mais uma choradeira das
supostas vítimas, mas o governo ficará protegido. Eles continuarão ruminando
seus rancores e fazendo homenagens a Mussolini, enquanto o mundo segue
funcionando.
Mas, que é o mais provável que aconteça na
Comissão?
Na
maioria dos países, as grandes massas se queixam da corrupção e cinismo da
política doméstica, mas isso acontece porque conhecem pouco de política internacional. O que vai acontecer é o
seguinte: o representante italiano falará, mais uma vez dos 4 crimes, do
terrorismo, da impecável justiça italiana (que os mesmos ministros xingam, até
com palavrões) e, claro, isto não pode faltar, das feridas abertas das vítimas,
que há 32 anos não param e chorar.
O
representante Brasileiro dirá coisas muito simples e evidentes. O STF
brasileiro, apesar de ter votado contra Battisti (o que mostra que é solidário
com a dor das vítimas), reconheceu por cinco a quatro o direito de Lula a
decidir sobre a extradição. Lula, que é um presidente legítimo, que tem muito
respeito pela Itália, onde é muito querido pelo Partito Democrático, usou o
tratado. A Advocacia geral da União e a Procuradoria Geral apoiaram o
presidente. Logo, o STF reconheceu por 6 a 3 que o tratado foi bem usado.
Então, não se pode argumentar ilegalidade, nem violação do tratado.
O
árbitro neutral dirá que a Itália se sente justamente ofendida por não poder
satisfazer a dor das vítimas, mas que o Brasil agiu de acordo com a Lei. Então,
ambos estão certos. Dirá que ambos os países estão unidos por gloriosas
tradições: um deles inventou o fascismo e o outro o integralismo, ambos são
católicos, e nenhum deles gosta dos imigrantes africanos nem de outros países
pobres. Em nome dessa fraternidade, pedirá um abraço de ambos os
representantes.
O que fará Brasil após disso?
Continuará se preocupando com o
pré-sal.
E a Itália?
Os fascistas e stalinistas
estrilarão e tentarão preparar outra, para a qual devemos estar atentos. Aliás,
dificilmente desistirão; só o tempo apagará essa história. Já Frattini, um cara
de bom temperamento, levará toda a família a uma sessão de gala do Cirque du Soleil. Seus filhos ficarão
gratos. É bem melhor que o circo de Napolitano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário