quarta-feira, 6 de outubro de 2010

VANDRÉ E OUTRAS FUGAS

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“O terreiro lá de casa/Não se varre com vassoura/Varre com ponta de sabre/Bala de metralhadora (...)” (Geraldo Vandré).

     E outras tantas músicas com letras que eram consideradas revolucionárias na época, como “Caminhando” ou “Pra não dizer que não falei das flores”, que diz assim em alguns versos: “Nos quartéis nos ensinam/Antigas lições/De morrer pela pátria/E viver sem razão (...)”. Ou alguns versos de “Disparada”: “Se você não concordar/Não posso me desculpar/Não canto pra enganar/Vou pegar minha viola/Vou deixar você de lado/Vou cantar noutro lugar”.

     Na entrevista concedida ao repórter Geneton Moraes Neto no dia em que completava 75 anos de idade, ele diz que nunca foi antimilitarista. Fica difícil acreditar. As idéias evoluem, as pessoas mudam, mas a história pessoal fica. Exilou-se em 1968, mas voltou em 1973 – o que é estranho. Não haveria razão para voltar naquela época de grande repressão no Brasil, sem o risco de ser preso, torturado e até morto.

     Era o momento da Guerrilha do Araguaia, que terminou em 1974 com a morte da grande maioria dos guerrilheiros. Mais de cinqüenta ainda estão “desaparecidos”. Só não foram mortos aqueles que se entregaram no início das operações militares e que, devido à tortura ou a outras maneiras de intimidação, entregaram muitos companheiros – pontos em que estariam localizados e códigos que utilizariam.

     Foi quando houve a cisão no PCB, surgindo, então, o PC do B que, na época era um partido socialista e foi o mentor da guerrilha. Não confundir com o PC do B de hoje que é apenas um partido acomodado na base política do lulismo e que finge ser socialista.

     Ao contrário do PCB, que não acreditava em qualquer tipo de guerrilha contra um governo militarizado naquele momento, o PC do B pregou a teoria do “foquismo”: incrementar diversos focos de guerrilha no país, acreditando que o governo não teria condições de combater a todos eles. Mas só houve a guerrilha do Araguaia, entre fins da década de ‘60 e a primeira metade da década de ‘70. A partir de 1972 o Exército cercou a região do chamado Bico do Papagaio - às margens do rio Araguaia, próximo às cidades de São Geraldo e Marabá no Pará e de Xambioá, no norte de Goiás (região onde atualmente é o norte do Estado de Tocantins) – e massacrou os guerrilheiros, que eram profissionais liberais e estudantes universitários, sem nenhuma prática militar, que acreditavam em um Brasil socialista e eram impulsionados em seus ideais pelos poucos livros sobre marxismo que conseguiam e pelas canções de protesto dos festivais.

     Em 1965 – e até 1985 - tinha surgido o Festival de Música Popular Brasileira - um gênero de programa, competitivo e musical, apresentado por várias emissoras de televisão brasileiras (TV Excelsior, TV Record, TV Rio, Rede Globo). Além disso, de 1966 a 1972 houveram sete festivais da canção. Eram patrocinados pela TV Globo e TV Rio e divididos em duas fases: a nacional, para escolher a melhor canção brasileira, e a internacional, para eleger a melhor canção de todos os países participantes — a concorrente brasileira era a vencedora da fase nacional. O prêmio era o Galo de Ouro, desenhado por Ziraldo.

     A ideia era promover o ufanismo patriótico.

     Durante o regime militar instaurado pelo movimento político-militar de 1964, o governo passou a usar de propaganda ufanista para conseguir a simpatia do povo e induzi-lo a uma sensação de otimismo generalizado, visando esconder os problemas do regime. Surgiram, então, os lemas e as músicas de apoio ao governo. As pessoas (principalmente as crianças) eram incentivadas a usar adesivos como "Brasil: Ame-o ou deixe-o!" nas janelas dos automóveis, de casa etc.

     Pouco faltava para que fosse o fascismo declarado e a ideia dos festivais da canção estava dentro daquele contexto. Com a desculpa de favorecer os jovens talentos da nossa música, pretendia-se mostrar ao mundo que o Brasil era uma espécie de oásis onde todos viviam felizes e agradecidos pelo regime que tinham.

     E surgiram excelentes cantores e ótimas músicas. Mas, à medida que se sucediam os festivais da canção, o regime militar percebeu que também eram ótimas oportunidades para as canções de protesto, com um público formado, em sua grande maioria, por estudantes que conheciam a verdadeira realidade nacional.

     Geraldo Vandré foi um dos nomes principais dos festivais da canção. Músicas como “Porta-Estandarte”, “Disparada”, “Caminhando”, “O Cavaleiro”, “Aroeira”, ficaram gravadas na memoria artística brasileira como algumas obras-primas do grande poeta e cantor. Mas, em 1968, pouco depois do Ato Institucional número 5, que tirava todas as liberdades dos cidadãos brasileiros, todos os que diziam “não” ao regime militar passaram a ser perseguidos, presos, torturados e, em muitos casos, assassinados.

     No meio musical e artístico houve uma série de prisões, ao mesmo tempo em que se descobria que alguns músicos, como Simonal, eram infiltrados pela polícia secreta do regime, na tentativa de descobrir os “comunistas”. Bateu a paranóia, todos era suspeitos. Até Caetano e Gil, sinônimos de alienação política, foram presos. Por pouco tempo, depois foram libertados e tiveram tempo para fazer um grande show no Rio antes de partirem para o “exílio”. Só não prenderam Roberto Carlos e a turma da Jovem Guarda porque seria o mesmo que prenderem aquele tipo de cultura musical promovida pelo próprio sistema politico vigente. Chico Buarque não foi preso porque tinha boas referências na sociedade, mas teve que aguentar uma censura prévia constante.

     Censura também nos jornais, nas revistas, nas rádios, na televisão. De tal maneira, que os jornalistas aprenderam a se auto-censurarem. Já sabiam o que poderia e o que não poderia ser escrito. Para continuar com os seus empregos, censuravam o próprio pensamento, e foram se acostumando a isso. Hoje é moda. O regime ditatorial foi substituído pela ditadura das grandes empresas de comunicação, que só empregam aqueles jornalistas que são somente técnicos e se negam a ter outras ideias que não as dos próprios chefes.

     Vandré não perdeu tempo. Partiu para o Chile e, de lá, para a França. Voltou ao Brasil em 1973.

     Além da guerrilha do Araguaia e da anterior malograda tentativa de guerrilha na serra de Caparaó, a teoria da guerrilha urbana ganhou força, logo após o AI-5. Já que toda a esquerda estava sendo perseguida, por que não morrer lutando? Esta era a idéia, que depois foi chamada de “suicida”, mas proliferaram os grupos armados: Ação Libertadora Nacional, MR-8, VAR-Palmares, POLOP, AP, VPR, PCBR, COLINA. Cada um deles com diferentes lideranças e com concepções teóricas diferentes dentro de uma mesma base marxista, mas com uma característica especial muito semelhante: eram grupos armados formados, em sua maioria, por jovens oriundos da classe média e não pelo povo ou pelo proletariado.

     Mesmo se dizendo marxistas, não percebiam, ou não queriam perceber que a revolução proletária depende de determinadas características específicas do momento histórico de cada nação e deve ser feita sempre... pelo proletariado. Uma revolução feita pela classe média e entregue, depois, ao povo, não é uma revolução, mas um golpe armado. Morreram muitos; muitos foram torturados e uma minoria conseguiu fugir do país.

     Vandré tinha fugido muito antes, em 1968. E tinha voltado quando ainda havia luta armada no Brasil: em 1973. Depois sumiu. E com o seu sumiço surgiram duas lendas a seu respeito. A primeira, mais difundida, a de que fora preso, torturado, castrado e, consequentemente enlouquecido. A segunda, de que fizera acordo com os órgãos de repressão na sua volta e, para tanto compusera "Fabiana" – um hino em homenagem à Força Aérea Brasileira. Nenhuma das duas versões tem respaldo nas declarações de Vandré, porque nos poucos momentos que concedeu entrevista, negou que fora preso, e alegou que simplesmente abandonara o país pela perseguição que sofria. Confessa o seu amor pela FAB, o que é muito natural, mas fica estranho naquele Geraldo Vandré dos anos ’60.

     Mas teve a sorte de não participar daquele movimento que uniu todas aquelas organizações políticas - que se diziam de esquerda e fizeram a luta armada - em um único movimento político, que já foi clandestino, chamado de “Nova Esquerda”, que formou a base do PT dos anos ’80 e o transformou no partido aliado do capital no século 21.

     Talvez Vandré, com o seu misto de louco, poeta e profeta, tenha entrevisto, em alguma janela do seu cérebro, naquele tempo, esta possibilidade de “recuo estratégico” – demasiado recuo e pouca estratégia – daquela esquerda que tentou ser revolucionária. E preferido encolher-se na pura magia da poesia sem eco.







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