Comentário sobre artigo do filósofo Bento Prado Jr.: "A imaginação: Fenomenologia e Filosofia Analítica"
Categoria : Filosofias no Campo Psi
Publicado por Adalberto Tripicchio
"O poeta é um fingidor,
que finge tão completamente,
que acaba por sentir que é dor
a dor que deveras sente."
Fernando Pessoa
(...)A certeza para Spinoza nada mais é do que a idéia adequada de alguma coisa. "Concedo, pois que ninguém se engana enquanto percebe, isto é, as imaginações do espírito consideradas em si mesmas não envolvem erro; mas nego que um homem não afirme nada enquanto ele percebe". Este texto é tanto mais curioso, na sua contestação da liberdade da vontade, já que recorre à teoria do sonho e da imaginação. Não era, com efeito, o argumento do sonho um argumento cartesiano.
Nas Meditações, embora o argumento da alucinação seja recusado (desde aquela época...), o argumento do sonho é essencial na estratégia da dúvida, como ninguém o ignora. Antes de voltarmos ao texto do escólio, é interessante que nos reportemos às páginas do Imaginário que Sartre consagrou ao argumento cartesiano e, mais geralmente, ao problema do sonho (pp. 205-225).
Se Sartre recorre ao texto de Descartes é porque coloca dificuldades para sua teoria da imaginação e do imaginário. Sartre reformula o texto de Descartes nos seguintes termos: "Se é verdade que o mundo do sonho se dá como um mundo real e percebido, quando ele é constituído apenas por um imaginário mental, não haveria aí ao menos um caso onde a imagem se dá como percepção...?" (p. 206)
Se a descrição cartesiana da consciência que sonha é correta, será incorreta a descrição que Sartre nos fornece da imagem. Havia-se estabelecido entre as características essenciais da imagem:
1. O fenômeno da quase-observação;
2. O fato de que a consciência imaginante põe seu objeto como um nada;
3. A espontaneidade da intenção imaginante.
Estas três características opõem essencial e radicalmente imaginação e percepção. Isto porque o objeto da percepção é essencialmente observável, posto como positivo (como existente) e como imposto à passividade da consciência. É-lhe, portanto, indispensável encontrar a falácia do argumento cartesiano e teorizar sobre a natureza do sonho. No caso da consciência vigilante que percebe, a reflexão nada lhe acrescenta nem a altera. À contracorrente de Descartes, Sartre diz:
"E, a bem dizer, sua absurdidade não é menor do que aquela proposição: talvez eu não exista, proposição que, justamente para Descartes, é verdadeiramente impensável" (pp. 206-207). Sartre poderá afirmar, a seguir, incluindo pela primeira vez o nome de Spinoza no L'Imaginaire: "Na realidade, a percepção, como a verdade para Spinoza, é index sui e não poderia ser de outra maneira. E o sonho se assemelha também muito ao erro no espinosismo: o erro pode dar-se como verdade, mas basta possuir a verdade para que o erro se dissipe por si mesmo".
O que opõe, portanto, o sonho à percepção para Sartre - o que teria escapado a Descartes - é a fragilidade do sonho, isto é, sua incapacidade de resistir à reflexão (ou, na linguagem de Ryle, de competir com a percepção). Spinoza nos diz: "... e não creio que exista um homem que durante o seu sonho pense ter o livre poder de suspender seu juízo sobre o que ele sonha, e de fazer com que não sonhe o que sonha; e, todavia ocorre que, mesmo nos sonhos, nós suspendemos nosso juízo, quando sonhamos que sonhamos".
A fragilidade do sonho tem exatamente o mesmo sentido em Spinoza e em Sartre. Tanto para um como para o outro, essa fragilidade significa sua incapacidade de "competir" com outras representações - como para o próprio Ryle. Tanto num caso como no outro, a consciência que sonha difere da consciência desperta na medida em que o sonho isola uma representação, enquanto a consciência desperta está voltada para o horizonte do mundo ou da totalidade da experiência. Na linguagem de Husserl, diríamos que toda percepção de uma coisa é indissociável da tese do mundo.
Isolada de suas circunstâncias, a coisa perde sua substância (a "substância" que a percepção lhe atribui, pondo-a como existente) e se desfaz em puro "fantasma".
Perceber uma coisa, perceber sua articulação com as demais, perceber a coisa dentro do mundo, afirmar sua existência, tudo isto é uma e a mesma coisa. Para Spinoza, sonhar é suprimir o mundo ou a sua ordem; ou, ainda, em outros termos que não existe um mundo ou uma ordem do sonho e do imaginário. Como afirma Sartre, explicitamente: "Todavia, essas poucas notas (sobre o sonho) não contradizem essa grande lei da imaginação: não há mundo imaginário. Com efeito, trata-se apenas de um fenômeno de crença."
Para Ryle, também, sabemos quão frágil é o imaginário, incapaz de competir com a percepção (embora ao fazer dele, entre outras coisas, uma antecipação da percepção, complique um pouco a clara oposição), como sabemos que reduz a alucinação ao erro ou à falha de juízo. Deixe-se claro que não queremos sugerir algo como um desvio congênito da Metafísica Ocidental, de sua origem até hoje, que a condena a errar por esquecer a natureza da imaginação. Estamos de acordo com Ryle, quando afirma que só se pode pensar a imaginação, deslocando-a da esfera do conhecimento e, a fortiori, da ontologia.(...)
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