Manifesto sobre os porquês em poesia
a Gilberto Mendonça Teles
Indago-me, sem proveito, uma pergunta ancestral:
Se alem do consolo da fala mais amiga
Na emoção construída, para que se dar a este eito?
Brincar com as palavras, com as formas livres
E prende-las num ramalhete precioso...
Para que se fazer poema?
Se é para a paz mundial? Não. Nada feito.
Nem Brecht ao impelir no peito, ao avesso
Os tambores espartaquistas na noite do sol vermelho
E nem os Canhões de Navarone se calaram
Por sobre a terra, por causa de um único verso.
Um verso, unzinho que seja, jamais matou qualquer fome;
E deu de beber ao doente. Uma palavra bem dita
Nunca evitou que um poeta dormisse sozinho
Na solidão de ser homem.
Para o coração da mulher atual
Cheia de preceitos e de certezas
Vai mais certo a conquista
Com um gole de cerveja.
Se viver no vai da lira, não me dará camisa
À poesia eu indago:
Para que me terá serventia?
São perguntas que não rematam
Desde as eras primeviais.
São perguntas que não pretendem
Obter respostas, alem do mais.
O que pode ser poesia? Um pranto
Um riso, um canto, um deboche
Para aliviar a tensão?
Continuo a perguntar
Agora aos poetas funcionários
Cronológicos, tautológicos
Que sentenciam o que pode ou não
(inda que lhes falte preparo).
É que eles dizem saber de tudo
Até da morte de arte poética
Inda que eu a ausculte tão viva
Como fora uma contaminação.
É que vejo levantar das tumbas
Empoeirados, os poetas, estes sim Eternos, Sousândrade, Ana Cristina, Cruz e Souza
Mallarmé, Schmidt, Leminski, Dante Milano
Bilac, Castro Alves, Gregório, Cecília...
Quem desplanta Camões
Em sua quadra decassílaba?
O que Valery, Rimbaud, Pessoa, Wittman
E outros luminares ensinaram
Brota constante no peito
Como hortaliças verdes
Plantadas em quadras míticas.
Já aprendemos tudo sobre o amor
Sobre os deuses e os demônios;
Sobre os desejos do corpo, tratados, enfim.
Sobre os céus, aprendemos
Só o que o mar, como espelho, nos ensinou.
De fato, não há verdades que nos possam relatar
Os que pontificam sem vergonha, cheios de veleidades
Neste mundo de egos tortos. Como prever limites
Ao constante deambular em busca de algum lirismo?
Porque ainda falamos de beijos lúbricos
De semem e seu alto teor? Porque ainda falamos da lua
Após o Apolo 11? Porque ainda Arco-Íris
Depois que Isaac Newton decompôs o prisma solar?
O próprio desejo, ele mesmo
É um ensejo natural.
Cabe senti-lo, mais nada;
Igualmente, na cultura ocidental
Reprimi-lo um pouco, talvez
Seja o de mais condizente.
Senão, seremos todos velhos.
Não há novidade no front!
(mesmo os muito moços)
E seremos decadentes
Sem senso do burlesco
A pular cabriolas na beira da fria praia
Ao sol que se põe e à lua que raia.
E é pouco. Tudo cabe, de tudo no mundo louco.
Num só instante; tudo muda, mas, ficando
Tudo sempre tudo igual na dialética da poesia
Como no eterno retorno nietzschiano.
De tudo no mundo alguém já disse e falou
Num dizer de verso e prosa.
Não sei o que é, de fato, e se terei a verdade
Um dia, mas, querer no poema destilar
A mesma beleza da rosa
Beira a vã insanidade.
Como falou o mestre Caeiro
As flores e os rios não sorriem
Senão para fazer sentir aos homens
A existência real de flores e de rios.
Querer mais da poesia é pecar contra a castidade
É forçar a chuva cair na cidade, que há muito
Só via estiagem. Ser poeta é amar da maneira certa Dilacerada e reta, sem pragmatismo.
A poesia não necessita de entourage
De didatismo, de manifestações de apreço
(vide Bandeira), de dinheirinho suado.
Não é profissão, é condenação.
A poesia não tem ciúme, nem sexualidade exposta.
Não dá bandeira. Está acima dos homens
E das nuvens; esta abaixo do solo e dos eflúvios
Muito alem de só querer estar
Em meio às pernas de musas e musos.
"RICARDO SANT'ANNA REIS"
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