Estudantes de classe média vão à escola pública por economia e para sair da “bolha” social
Busca por ambiente mais diverso faz famílias de classe média desistirem da rede privada
Em SP, o número de alunos que migrou para a rede pública aumentou em 25% em 5 anos
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Em meio a essa reflexão, a família matriculou Joaquim, 7 anos, e Tomás, de 5, na rede pública de ensino. E aguarda uma vaga desde setembro para a pequena Iolanda, de um ano. O mesmo fez a renomada chef de cozinha Bel Coelho, 37 anos. Dona de um restaurante na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, ela matriculou o filho Francisco, de três anos, em uma escola municipal por acreditar que lá ele seria educado em um ambiente mais diverso e inclusivo, mais próximo da realidade do país. "Eu queria que meu filho tivesse uma exposição à sociedade diferente da que as escolas particulares promovem. Queria que ele convivesse com negros, brancos e com pessoas de distintas classes sociais", explica ela, que se diz chocada ao lembrar que ao longo da sua vida escolar em tradicionais instituições privadas nunca teve um colega negro na sala.
Foi o que aconteceu com a empresária Gabriela Nakagawa, que
no ano passado se viu obrigada a mudar radicalmente o estilo de vida da
família. Em meio à maior recessão econômica das últimas décadas,
a empresária teve que fechar as portas de uma consultoria de negócios
que empregava mais de cem funcionários e rever as contas de casa. A
mensalidade da instituição de ensino progressista de São Paulo, na zona
sul da cidade, em que estudava o filho do filho Pedro, 15, era um dos
gastos que mais pesava: 3.500 reais. Gabriela começou então a procurar
opções de escolas mais baratas, que se adequassem a seu orçamento. “Foi
quando percebi que muitas delas ensinam de forma desconectada com o
mundo que vivemos. Por isso comecei a pensar na opção de uma escola
pública, onde meu filho estaria mais em contato com a realidade”,
explica.
Assim, Pedro saiu da Escola Móbile e foi para o colégio
estadual Aristides Castro. A decisão foi bem aceita pelo garoto, mas
causou estranhamento em algumas amigas da empresária, principalmente
mães de alunos de escolas particulares. “Muita gente ficou com medo da
questão da violência e das drogas, mas isso é um preconceito, já que
essas questões também estão inseridas nos colégios particulares”. Ela
ressalta que a escola em que o filho estuda fica localizada em um bairro
nobre da capital paulista, o que a tranquiliza em relação às questões
de segurança. Ressalta, no entanto, que acredita que se ele estudasse em
um colégio estadual da periferia, a segurança poderia ser um problema.
Outras pessoas também a questionaram sobre a qualidade de ensino
das instituições públicas. Após seis meses, entretanto, Gabriela está
contente com a escolha, mas admite que tanto ela como o filho precisam
lidar com uma estrutura escolar muito diferente da que estavam
acostumados. "A turma tem um nivelamento muito heterogêneo, há uma
discrepância entre os alunos, alguns têm um desempenho bem fraco. Existe
uma deficiência grande em termos de leitura. Até agora, a escola não
pediu a leitura de nenhum livro. Se fosse no colégio anterior, o Pedro
já teria obrigatoriamente lido uns cinco livros", conta a empresária que
se surpreendeu negativamente com o tamanho da biblioteca da escola.
Além disso, outros pais também relatam problemas com os banheiros que,
em muitos casos, estão mal cuidados sem o assento das privadas e papel
higiênico. Pedro está indo muito bem na escola e os professores o
escolheram como monitor de sala nas aulas de matemática, português e
inglês. Com isso, ele ajuda outros colegas com mais dificuldades nas
matérias.
Preconceito
Luciano Mendes de Faria Filho, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil,
acredita que há um estigma de má qualidade que acompanha a rede pública
há décadas e que essa imagem não reflete, necessariamente, a realidade.
“Quando a imprensa falava de escola pública na década passada, falava
de violência”, afirma ele, que ressalta que a rede melhorou
significativamente nas últimas duas décadas, com melhor qualidade no
material didático e na formação média dos professores. “A grande questão
não é a qualidade da escola pública, mas a desigualdade social. É a
origem social dos alunos da rede pública que faz a diferença no
aprendizado. Não é a escola privada que é melhor, mas o fato de que ela
trabalha com os 10% mais ricos, com famílias escolarizadas há gerações”,
ressalta o professor.
Não é a escola privada que é melhor, mas o fato que ela trabalha com os 10% mais ricos, com famílias escolarizadas há gerações
Luciano Mendes de Faria Filho, professor da UFMG e coordenador do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil,
Maior participação
A escolha da classe média pela rede pública, ainda que não seja representada por números massivos nos Censos Escolar, geralmente vem acompanhada de um impulso por uma maior participação. A chef Bel Coelho, por exemplo, passou a acompanhar o que Francisco comia na hora do almoço e resolveu dar algumas sugestões para melhorar o cardápio da merenda. "Dei aula de culinária às merendeiras utilizando os produtos que elas já costumam usar e acrescentei peixe também. A sugestão de peixe já era da própria prefeitura, mas consegui voltar nesta escola com a prática de servi-lo pelo menos uma vez por semana", conta. Ela também chegou a doar papel higiênico e material escolar para a instituição. "Não tem como melhorar o sistema público se a gente não usar. A militância também precisa ser um papel da classe média", diz.A jornalista e empreendedora social Cintia Rodrigues, de 36 anos, decidiu, mesmo antes de engravidar, que matricularia os futuros filhos na rede pública. Em sua trajetória como repórter, cobriu por muitos anos a área e via essa melhoria citada pelo professor da UFMG acontecendo. “Os espaços de muitas escolas infantis públicas são enormes, com pátios com árvores, parquinhos. E isso tem muito a ver com a concepção pedagógica na qual acredito: nessa idade, pra mim, é mais importante para a criança correr, ter movimento, brincar. E nas particulares é muito comum a alfabetização precoce, com aulas de inglês desde cedo”, explica. Os gêmeos Heitor e Léo, de quatro anos, já passaram por três escolas municipais e, em todas, Cintia se envolveu no dia a dia da escola, fazendo parte do conselho escolar, formado por professores e pais, em paridade. Também criou um projeto, o Quero na Escola!, que une voluntários a pedidos de estudantes da rede pública, como palestras sobre racismo e feminismo e aulas de física quântica.
Ainda que a escola pública esteja longe de um padrão de qualidade exemplar e que a realidade enfrentada pela classe média na rede pública seja bastante distinta da dos alunos de periferia, na visão do professor da UFMG a diversidade nas escolas é fundamental. “É um cenário em que ambos ganham, pois se retira o aluno de classe média de uma socialização de shopping, de um gueto em que ele só convive com seu umbigo, com seu próximo. O Brasil é um país muito diverso. É fundamental que a gente possa fazer um país em que cada vez menos a diversidade se desdobre em desigualdade".
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