sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Contracondutas - Margareth Rago: Foucault, para uma vida não-fascista


*assista vídeos no link a seguir:
http://www.ct-escoladacidade.org/contracondutas/estudos/seminarios/margareth-rago/

 
No âmbito do Projeto Contracondutas, Margareth Rago é convidada para introduzir o conceito de contra-conduta, discutir as noções de sujeição e poder na concepção de Foucault.
Margareth Rago inicia sua fala ao público do Seminário Contracondutas fazendo uma observação a respeito dos limites entre as disciplinas. Estas que, afinal de contas, são compartimentações do saber, já tão arcaicas. Para ela é importante reinventá-las, cruzar suas fronteiras, dissolvê-las e aprender com outras áreas do conhecimento. Foucault seria um bom exemplo desse tipo de postura, por ter sabido visitar outros territórios e enriquecer a filosofia com procedimentos e investigações que antes não faziam parte de seu léxico.
A filosofia de Foucault deveria, então, ser pensada como um contra-poder, por ter como objetivo um diagnóstico da atualidade. Por nos perguntar quem somos, o que estamos fazendo de nós mesmos e como chegamos até aqui. É uma ontologia da atualidade, um diagnóstico do presente. Nos olha a partir de nossas diferenças internas, ao mesmo tempo em que nos convida a  religarmo-nos com o passado. “Acredito que Foucault ponha um grande espelho na nossa frente. Sua filosofia nos pergunta quem somos, como somos, por que somos.”
O papel da filosofia, portanto, não seria descobrir o que está oculto ou desvendar a verdade das coisas, mas tornar visível o que precisamente é mais visível, isto é, fazer aparecer o que está tão próximo, o que é tão imediato, o que está tão intimamente ligado a nós mesmos que, por isso, nos escapa. Em que consistem, afinal, as relações de Poder em que estamos presos e que a própria filosofia também se vê enredada há mais de 150 anos?
Para a grande História, Compreender é dar unidade àquilo que não tem unidade, produzindo sistemas. Foucault, em vista disso, gera um entrave quando começa a pensar a História não como a descrição de uma sucessão de fatos, mas como produtora da narrativas que incorpora certas coisas e exclui outras. A história para Foucault é uma operação de recorte: “O saber não é feito para compreender, é feito para cortar.1
Desta forma Foucault reinventa a História, fazendo uma arqueologia das interpretações, uma escavação das camadas de saberes que foram se sobrepondo e se sedimentando ao longo do tempo.
A arqueologia de Foucault deseja compreender os saberes, mostrar como os discursos, as palavras, não são ideologia, não são supra-estruturas, a palavra e o discurso não são reflexos da realidade2. As palavras produzem as coisas e a realidade3. Elas também são coisas. Com esse enunciado, Foucault faz, obviamente, uma crítica ao marxismo, mas Rago pondera que não acredita que o alvo seja o marxismo em si, mas uma crítica ao pensamento ocidental de modo geral, que vem desde Platão.


 
Numa entrevista chamada O Sujeito e o Poder 4, Foucault diz que não está necessariamente interessado na noção de Poder, Loucura ou Sexualidade, mas a burguesia está e é preciso olhar para nós mesmos a partir de nossos paradoxos internos. A associação entre identidade e sexo, por exemplo, é inerente à sociedade moderna – a publicidade e o consumo são amostras patentes desse vínculo que construímos. Por que o sexo vira centro das atenções e por que ele passa a ter relações diretas com a identidade e consequentemente com o poder? 5 Para os gregos o sexo tinha a mesma importância que a alimentação ou as necessidades fisiológicas de um modo geral, mas é com o Cristianismo, e especialmente com a era Vitoriana, que o sexo passa a ganhar relevância. Na década de 1970, Foucault escreve a História da sexualidade 1, que é, ao contrário do que muitos pensam, um livro sobre Poder, e não sobre sexo: discute o quê, configura, na modernidade, o “dispositivo da sexualidade”.
Hoje ainda entendemos a noção de Poder através de uma chave ligada à repressão, à polícia, ao Estado, e tal compreensão teria início no século XVI, com o nascimento da monarquias nacionais. O Estado se tornou uma instituição que pretende ser responsável pelo governo dos indivíduos e suas condutas e não mais responsável pelos trâmites e pelas coisas. A isso Foucault dá o nome de Governamentalização,6 uma fusão entre a palavra Governo e Mentalidade.
Para Foucault o poder é mais efetivo que a repressão. Com o novo regime discursivo do neoliberalismo, a obediência não é mais imperiosamente valorizada como antes. O capitalismo neoliberal da flexibilidade, do empreendedorismo, da criatividade desloca a atuação do Poder para a Produtividade. O poder produz categorias para os indivíduos, colocando-os em uma zona de exclusão e omissão. Nesse sentido o Poder pode ser muito produtivo.
Em contraposição às manifestações de poder, Foucault instaura a discussão sobre subjetividade, liberdade e subjetivação. Todo Poder gera crítica, desobediência e práticas de liberdade. Filosofia é política. Tem a função de fazer a crítica do presente, de se colocar na contra-mão como contra-poder. Onde há Poder, há Contracondutas.
MATERIAIS PARA APROFUNDAMENTO
Autores mencionados por Rago durante a palestra:
Hannah Arendt / Roland Barthes / Gary Becker / Gilles Deleuze / Jacques Derrida / Michel Foucault / Félix Guattari / Jean-François Lyotard / Karl Marx / Platão / Richard Sennett / Friedrich von Hayek

Livros e textos mencionados por Rago durante a palestra:
Arendt, Hannah. Origens do totalitarismo.
Becker, Gary. Teoria do capital humano.
Foucault, Michel. História da loucura na idade clássica, 1961 / As palavras e as coisas, 1966 / A arqueologia do saber, 1969 / Nietzsche, Freud e Marx: Theatrum philosoficum, 1975 / Vigiar e punir, 1975 / Em defesa da sociedade – curso no Collège de France, 1975-1976 / História da sexualidade (1 – A vontade de saber, 1976 / 2 – O uso dos prazeres, 1984 / 3 – O Cuidado de Si, 1984) / Anti-Édipo: introdução a uma vida não-fascista, 1977 / Nascimento da biopolítica, 1978-1979 / Microfísica do poder, 1979 / O sujeito e o poder, 1982.
Foucault, Michel e Sennett, Richard. Sexualidade e solidão – seminário.

Documentário mencionados por Rago durante a palestra:
A doutrina do choque, de Naomi Klein

Vídeo sugerido:
Spice Girls explicam Foucault – Verdade & Poder (trabalho realizado por alunos da Faculdade Cásper Líbero)

Notas de Rodapé

  1. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 4.ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984, p. 28.
  2. Teoria do reflexo que foi predominante no pensamento crítico na década de 1960.
  3. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 2.ed. Trad.
  4. http://www.uesb.br/eventos/pensarcomfoucault/leituras/o-sujeito-e-o-poder.pdf
  5. Sexualidade & Solidão, Seminário de Michel Foucault e Richard Sennett: http://historiacultural.mpbnet.com.br/pos-modernismo/Sennett-Foucault-Sexualidade_e_Solidao.pdf
  6. Neologismo cunhado por Michael Foucault que é a fusão entre a palavra Governo e Mentalidade.
INÍCIO 

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