Neste sábado (03/09), o noticiário revela um laudo do Instituto Médico Legal demolindo de vez a versão da Rota, de que teria ocorrido uma bizarra tentativa de atentado ao seu quartel em agosto/2010: o IML atesta que o presumido autor foi alvejado pelas costas e não baleado em tiroteio frontal, conforme alegado.
Isto, mais o fato de que não foi apresentado o suposto coquetel molotov e nem mesmo se encontraram fósforos ou isqueiro com o defunto, fez o próprio secretário da Segurança Pública de SP, Antonio Ferreira Pinto, admitir a possibilidade de a sede da tropa não ter sofrido atentado nenhum.
Na época havia integrantes da Rota sendo investigados em casos de corrupção e homicídios. Daí terem aumentado agora as suspeitas de que tudo não haja passado de uma cortina de fumaça para desviar a atenção da imprensa e da sociedade.
A semana já começara com a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, cobrando a retirada dos aberrantes elogios à ditadura dos generais, mantidos até agora no site da Rota (que está abrigado no portal do Governo de São Paulo).
Ela se queixou, especificamente, de que a unidade mais truculenta da Polícia Militar de São Paulo "se orgulha de ter participado da deposição de um presidente eleito" e dos "massacres promovidos pela violência de Estado".
Ela se queixou, especificamente, de que a unidade mais truculenta da Polícia Militar de São Paulo "se orgulha de ter participado da deposição de um presidente eleito" e dos "massacres promovidos pela violência de Estado".
Como o assunto mereceu destaque no jornal O Globo (RJ), a PM prometeu, em nota à imprensa, alterar sua página virtual.
O parto da montanha, entretanto, foi um rato: a correção se limitou à retirada da frase na qual o 1º Batalhão de Polícia de Choque Tobias Aguiar (do qual a Rota é força tática de policiamento motorizado) relacionava, dentre suas "campanhas de Guerra" através dos tempos, a "Revolução de 1964, quando participou da derrubada do então Presidente da República João Goulart, apoiando a sociedade e as Forças Armadas, dando início ao regime militar com o Presidente Castelo Branco".
Não havia mesmo como sustentar, em pleno estado de Direito, a afirmação de que, ao ajudar a golpear as instituições, estaria "apoiando a sociedade".
Os historiadores, contudo, terão algo a dizer sobre dois outros episódios dos quais a Polícia de Choque paulista jamais deveria ufanar-se:
- sua contribuição ao massacre dos pobres famélicos de Canudos; e
- à repressão do heróico levante dos 18 do forte de Copacabana (justificada com uma afirmação estapafúrdia, a de que estaria "defendendo as fronteiras do Estado contra as invasões vindas do Paraná"!).
Pior ainda é a permanência da retórica outrora utilizada pela ditadura militar para validar as prisões ilegais, torturas, estupros, execuções e sequestro dos restos mortais daqueles que confrontavam o arbítrio instaurado pelo golpe de 1964. Vide estes trechos:
"Sufocado o foco da guerrilha rural no Vale do Ribeira, com a participação ativa do então denominado Primeiro Batalhão Policial Militar 'TOBIAS DE AGUIAR', os remanescentes e seguidores, desde 1969, de 'Lamarca' e 'Mariguela' continuam a implantar o pânico, a intranqüilidade e a insegurança na Capital e Grande São Paulo. Ataques a quartéis e sentinelas, assassinatos de civis e militares, seqüestros, roubos a bancos e ações terroristas. Estava implantado o terror".
"Mais uma vez dentro da história, o Primeiro Batalhão Policial Militar 'TOBIAS DE AGUIAR', sob o comando do Ten Cel SALVADOR D’AQUINO, é chamado a dar seqüência no seu passado heróico, desta vez no combate à Guerrilha Urbana que atormentava o povo paulista".Quem, em condição de extrema desigualdade de forças, resistia a uma bestial tirania, não era nem de longe responsável pelo "pânico, intranquilidade e insegurança".
A ótica civilizada, expressa inclusive nas diretrizes da ONU, é exatamente a oposta: os verdadeiros culpados pelo festival de horrores que marca os regimes de exceção são os que quebram a normalidade democrática, não os que tentam libertar o país do despotismo.
E as ações armadas de movimentos de resistência -- desde as dos partisans que enfrentavam o nazifascismo na Europa até a de seus congêneres dos anos de chumbo na América Latina -- não se caracterizavam como terroristas, salvo na propaganda enganosa das próprias ditaduras, formulada por seus serviços de guerra psicológica. O terrorismo de Estado, sim, estava indiscutivelmente tipificado.
Enfim, a PM não retirou da página virtual da Rota as lôas aos "massacres promovidos pela violência de Estado", numa óbvia afronta à ministra Maria do Rosário; e, na verdade, descumpriu a promessa feita para sair da saia justa em que a colocou o jornal O Globo.
Atitude igualmente evasiva a corporação adotou em 2009, quando um seu porta-voz prometeu ao Brasil de Fato revisar o site, mas acabou não sendo mudada uma palavra sequer.
PASSADO SOMBRIO
A brutal execução de três jovens inocentes de classe média por parte dos carrascos da Rota 66, em 1975, fez com que a opinião pública se desse conta da existência de grupos de extermínio legalizados a, eles sim, aterrorizarem a população dos bairros pobres de São Paulo.
O excelente livro Rota 66, do jornalista Caco Barcellos, documentou 4.200 casos de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como vítimas, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros (muitas vezes sem antecedentes criminais). Os inocentes atingidos por engano seriam em maior número do que os verdadeiros criminosos - cuja condição, claro, não eximia os policiais do dever de entregá-los à Justiça, ao invés de simplesmente abatê-los, como faziam.
Tudo é revoltante nos relatos de Barcellos: a impunidade dos criminosos que, nas raras vezes em que alguém ousava denunciá-los, eram julgados pelos próprios colegas de corporação; as arbitrariedades de toda ordem, como alterações nos cenários dos crimes, destruição dos documentos das vítimas, aceitação de depoimentos contraditórios e até ameaças aos profissionais íntegros que tentassem não envolver-se nessas farsas; a impotência das famílias que, sem recursos para custear advogados e exigir justiça, acabavam se conformando com a execução covarde de seus entes queridos...
Endeusada pelos jornais popularescos e sanguinários, a Rota era a menina dos olhos de Paulo Maluf, que lhe deu total liberdade de ação quando governador e depois, em suas campanhas políticas, sempre prometeu colocá-la na rua.
Os excessos cometidos pela Rota eram tão frequentes e chocantes que o jornal Folha de S. Paulo chegou a exigir, em editorial (06/02/1983), que o governo estadual desativasse a Rota, dando fim à sua "legenda sanguinária":
- O método de operação consagrado pela Rota e imitado, nos últimos tempos, por outras unidades da PM não é apenas essencialmente ilegal, porque baseado na detenção de "suspeitos" identificados por uma nebulosa intuição policial; não é só atentatório aos direitos humanos, porque conduz frequentemente à eliminação sumária desses "suspeitos" ou à extração de confissões mediante sevícias; é também intrinsecamente incapaz de conter a escalada da criminalidade, mas ao contrário a alimenta com doses de violência cada vez mais desatinada.
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