No primeiro debate entre os dois candidatos à presidência da República, na Rede Bandeirantes, ficou clara a tranquilidade do Serra frente à instabilidade agressiva da Dilma. Ela até pode ser muito inteligente, e coisa e tal, mas é muito nervosa, a moça.
Mas o que ficou muito claro também foi a constante comparação entre o governo Lula e o governo Fernando Henrique Cardoso, principalmente no que diz respeito às privatizações. Ambos os candidatos tergiversaram quanto a isso – para usar uma palavra que a Dilma utilizou, no mínimo, umas seis vezes, talvez por falta de melhor vocabulário.
Nenhum dos dois candidatos é a excelência em si e ambos mostraram, pelos temas abordados no debate, que pretendem fazer um governo apoiado na classe média e na burguesia. O que não é nenhuma novidade.
Longe, muito longe dos debates febricitantes entre Lula e Collor quando o tema “povo” era o principal. Collor e Lula tinham a preocupação de mostrar para o povo que eles, os candidatos, estariam muito preocupados com ele, o povo.
Mas neste debate não. Tocou-se na palavra povo en passant. Mas nada que dissesse respeito à diminuição da miséria ou à busca do fim das desigualdades sociais. Nada a respeito da reforma agrária, que é um tema proibido para candidatos de classes mais altas.
Parece que os interesses dos latifundiários são muito mais importantes. Não só dos latifundiários, mas das grandes empresas – principalmente as multinacionais – que exploram, com voluptuosidade vampiresca, o que eles chamam de agro-negócio – uma expressão que vem diretamente da inglesa agrobusiness, e até nisso o Brasil copia os Estados Unidos.
Por falar, nada foi falado sobre nacionalismo – outra palavra considerada maldita nos atuais dicionários da política brasileira.
Não falaram na reforma agrária porque tem medo de perderem votos da classe média, aspirante a ser pequeno-burguesa, e medo da pequena-burguesia que deseja ascender à burguesia, e medo da própria burguesia, que dá o dinheiro para a campanha dos dois candidatos.
O agro-negócio é o grande negócio do momento: desmatar para plantar sementes transgênicas para exportação. Ou para substituir a mata nativa por pasto e incrementar a pecuária, também de exportação.
Já estão fazendo isso em grande parte do Brasil. Primeiro foi o Rio Grande do Sul, onde não se vê mais mato, somente pasto e boi e uma ou outra árvore deslocada e perdida no meio da imensidão do pampa. Depois, os pecuaristas e as grandes empresas foram explorar o Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, avançando sobre o território mais cobiçado, a Amazônia.
A continuar assim, breve farão da maior parte da Amazônia brasileira um território para pecuária e para semeadura de produtos transgênicos. Junte-se a isso a extração de madeiras preciosas que só existem ali.
O desmatamento vai a galope. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2007), 75% da área desmatada na Amazônia é ocupada pela pecuária. São 70 milhões de bovinos, e um terço está no Mato Grosso. A ocupação é de quase uma cabeça de gado por hectare. Somente em agosto passado, a floresta amazônica brasileira perdeu 265 quilômetros quadrados de vegetação. E mais o impacto sobre o meio ambiente, a extinção de espécies, os desalojamentos de povos indígenas...
Nesses assuntos ninguém tocou no debate. É proibido. Tão proibido quanto falar em reforma agrária.
Dilma e Serra são candidatos que pedem votos para a classe média que usa celular e banda larga e que, por ser facilmente manipulável, devido ao crescente processo de massificação, é instável em suas opiniões. O povo mesmo, que constrói o país e que é explorado diariamente deverá ficar contente com o salário mínimo. Os que tiverem emprego.
Porque, acreditam os candidatos, o povo vive em currais eleitorais onde são facilmente domesticados, ou comprados, para votarem em “A” ou em “B” e, sendo assim, não precisa ser convencido a votar, mas instigado, ou obrigado, a isso.
Talvez por isto, a Dilma tenha como aliados políticos o dono do Maranhão, José Sarney e um dos donos de Alagoas, Fernando Collor. São votos contados. Sem contar que o vice de Dilma – Michel Temer - é um dos principais articuladores do PMDB, um partido que domina grande parte dos “currais” eleitorais do país.
Falar em um governo do povo e para o povo é pecado político no Brasil. Mas os candidatos falaram, sim, naqueles processos de minimização da pobreza, de dar migalhas para que o povo não se revolte.
No caso de alguma revolta, como já acontece nas inúmeras e sempre maiores favelas brasileiras, o plano de repressão já está pronto e sendo executado: colocar o exército armado nas favelas para fazer o que eles apelidaram de combate ao narcotráfico. E antes da Copa do Mundo, em 2014, que trará muito dinheiro para a indústria do turismo e atrairá tantos investimentos estrangeiros no país, alguns incêndios em favelas demasiado próximas, ou políticas similares de afastamento do Brasil feio será o necessário – e urgente a ser feito – para que se possa vender aquela imagem de Brasil bonito, com carnaval e futebol.
Às vésperas das eleições do primeiro turno, perguntei para uma pessoa amiga qual seria o voto dela para presidente. Respondeu que votaria na Marina. Comentei que o Plínio tinha vencido o debate e perguntei o que ela achava dele. Respondeu que gostava do Plínio, mas que as idéias dele eram “muito radicais”.
Fiquei pensando e considerando comigo mesmo que ela é uma pessoa muito jovem (não tem 30 anos) para ter medo de “idéias radicais”, ou mesmo da possibilidade de algo mais radical ser aplicado na política brasileira. A juventude costuma ser sinônimo de ousadia, mas nem sempre. A nossa juventude está ficando velha em suas idéias. Não toda, é claro, mas grande parte dela. Está ficando aferrada ao que já conhece, aceitando as premissas do sistema, as receitas prontas de como se comportar politicamente.
É triste ver os jovens terem medo do novo.
Isso me levou a lembrar de uma frase que li como dístico da introdução de um livro intitulado “Capitalismo E Escravidão no Brasil Meridional”. A frase é a seguinte:
“Ser radical é tomar as coisas pela raiz. Ora, para o homem, a raiz é o próprio homem” (Marx, Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel).
O livro é de autoria de Fernando Henrique Cardoso.
Genial. òtimo texto.
ResponderExcluir